Elisa Guaraná de Castro: Rupturas, Avanços e Continuidades

Em fala proferida no Encontro Nacional Muda PT, antropóloga, professora e militante do PT da corrente AE faz avaliação dos governos Lula e Dilma

Tribuna de Debates do PT

Nossa história no Governo Federal pode ser lida por três chaves: rupturas, avanços e continuidades. As rupturas e avanços, por sua vez, têm pelo menos três pilares importantes: políticas públicas de inclusão social e econômica; participação social; e o fortalecimento dos aparatos estatais e das carreiras dos servidores públicos de gestão e execução de políticas públicas.

Rupturas e avanços

O Governo Lula rompe com o projeto neoliberal que estava em curso ao apostar de fato na construção de um Estado voltado para o desenvolvimento com inclusão social, econômica e política.

As políticas públicas de inclusão social são um pilar central de ruptura com o projeto neoliberal. A política de aumento real do salário mínimo, o Bolsa Família, o Luz pra Todos, o REUNI, políticas para agricultura familiar, o Minha Casa Minha Vida são importantes exemplos que garantiram o acesso da maioria da população brasileira ao que antes era usurpado pela elite brasileira: bens públicos e direito ao consumo.

A participação social foi um segundo pilar que efetivamente reforçou o reconhecimento e o direito a participação na proposição, formulação e construção de políticas públicas e marcos legais que avançassem na garantia dos direitos humanos e sociais pra população brasileira.

Os conselhos e conferências, se também demonstram seus limites, sobretudo quanto à execução das principais propostas aprovadas, foram uma novidade tanto pelo volume de pessoas envolvidas quanto pela diversidade de segmentos sociais e temas debatidos.

A valorização do aparato estatal e carreira do funcionalismo público foi um terceiro pilar importante. A regulamentação da reposição de aposentados e vacâncias no serviço público, a abertura de concursos públicos e organização das carreiras públicas, ainda que com limites e grandes distorções, apontaram para um dos elementos mais importantes da ruptura da política em curso até o Governo FHC: a política do estado mínimo.

Contudo, acreditou-se na tese do Estado republicano formado por agentes acima do embate ideológico.

Continuidades

A adoção desta tese, que se inicia no governo Lula e se aprofunda no governo Dilma, resultou na alocação em lugares estratégicos de funcionários públicos de carreira, valorizados pela sua capacidade técnica, para construir “um Estado para todos”, mas tecnicamente defensável pelos acórdãos do TCU.

O golpe demonstrou de forma clara que o que fizemos foi fortalecer, em espaços estratégicos, gestores que não estavam em nada compromissados e sequer convencidos da proposta básica dos nossos governos: melhorar a vida do povo.

Soma-se a isso a presença cada dia maior nesses espaços estratégicos de setores políticos que compunham nossa ampla aliança com o chamado “centrão” – que hoje sabemos onde está.

Num Brasil profundamente desigual econômica, social e politicamente não existe quem esteja acima da luta de classes. A famosa capacidade técnica de gerir a máquina foi o grande argumento: havia uma máquina criada nos Governos Lula e Dilma que ninguém ainda tinha expertise pra gerir.

Alguns passaram esses anos todos de fato escondendo sua verdadeira cara, outros calados, e outros, ainda que ocupando espaços importantes na execução de políticas púbicas, faziam abertamente suas críticas a um projeto de inclusão. Em nome de um suposto republicanismo mantivemos e fortalecemos esses que, até ontem, atravancavam a execução de políticas importantes sob pretextos técnicos e hoje estão gerindo e executando o golpe.

Se as rupturas provocaram mudanças que devemos defender diante do golpe, especialmente o fortalecimento político e o acesso à educação de populações que antes não eram reconhecidas, mesmo que nominadas na Constituição de 1988 – mulheres, LGBTs, povos e comunidades tradicionais, indígenas, jovens, agricultores familiares, pessoas com deficiência –, as continuidades nos golpearam.

As concessões feitas ao grande capital, à oposição de direita e ao oligopólio da comunicação faziam parte de uma estratégia melhorista, que visava melhorar a vida do povo através de políticas públicas, e não de reformas estruturais, ou seja, sem impor derrotas estratégicas à grande burguesia.

Se já estava claro desde a “Carta aos Brasileiros” (2002), em que já se fazia concessões diretas ao capital financeiro e transnacional, vivemos cotidianamente, nesses quase 14 anos, uma política que a cada dia aprofundava mais as concessões e avançava mais sobre as conquistas feitas nos governos Lula-Dilma.

A manutenção das taxas exorbitantes de juros, enfrentadas unicamente por um curto período de tempo pela Presidenta Dilma no ano de 2011; a não realização das reformas defendidas pelos movimentos sociais, e por todas as conferências realizadas, como a reforma dos meios de comunicação, a reforma urbana, a reforma política, a reforma agrária, a reforma tributária; apostar na eterna construção de uma maioria no Congresso Nacional, em detrimento do fortalecimento do capital político dos trabalhadores; tudo isso contribuiu para pavimentar o caminho que nos levou ao golpe.

Mas essa política atinge seu ápice simbólico – e com efeitos nefastos sobre a classe trabalhadora e sobre nossa capacidade como governo e como partido de manter nosso capital político – com o absurdo ajuste fiscal pós-vitória apertada no segundo turno de 2014.

Nosso primeiro anúncio, após uma campanha que promete as mudanças profundas que o Brasil precisa, foi reduzir o acesso e o tempo do trabalhador ao seguro desemprego. Como argumento global, alegou-se o uso indevido do seguro desemprego, em um país que não só mantém condições absurdas de exploração, mas onde o trabalho precarizado ainda é lei. E, o que é ainda pior, tais cortes foram feitos no exato momento que o próprio governo anuncia que a crise havia se instalado e o desemprego chegaria com força.

Mas, se fizemos até o ultimo minuto o esforço pela conciliação, o esforço pela ampliação da participação da chamada base do governo no executivo, o que explica o golpe?

O golpe é a derrocada da política de conciliação de classes, a ilusão de que seria possível humanizar o capitalismo e os capitalistas no Brasil, de que da nossa moderação decorreria a moderação deles.

A Comissão Pastoral da Terra (CPT), que acompanha os conflitos agrários desde 1980, demonstrou que se nos Governos Lula e Dilma houve períodos de redução de conflitos no campo, os conflitos permaneceram e, nos últimos anos, se intensificaram. A partir de 2011, temos uma escalada no número de conflitos no campo registrados pela CPT e o número de assassinatos em 2015 foi o maior da série da pesquisa: 50 pessoas assassinadas em decorrência de conflitos agrários.

Um exemplo terrível da derrota dessa tese, que insistimos em testar por 14 anos, é a questão agrária brasileira. Todos sabemos que sem reforma agrária não alteramos a correlação de forças no Brasil. Mas não fizemos a reforma agrária sob o pretexto que seria possível conciliar o projeto do agronegócio e o dos trabalhadores, camponeses, indígenas, quilombolas.

A elite brasileira é escravocrata, violenta e predatória contra a natureza e os trabalhadores, não aceita nenhum avanço nem mesmo para a melhoria das condições básicas de vida do povo brasileiro.

Como balanço de nosso governo a frase mais usada é: fomos derrotados pelos nossos acertos.

Não. Na verdade, fomos derrotados pelos nossos erros, sendo o maior deles a política de conciliação de classes.

Ainda assim, porém, o nosso Partido ainda é o maior e mais capilarizado partido de esquerda no Brasil. Um instrumento central para enfrentar o golpe e a elite brasileira.

Por tudo isso é urgente mudar o PT!

Elisa Guaraná de Castro, antropóloga e professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ e militante do PT da corrente AE. Fala proferida no Encontro Nacional Muda PT – Mesa de Balanço dos Governos Petistas em 03 de dezembro de 2016, e enviado para publicação na Tribuna de Debates do VI Congresso. Saiba como participar.

ATENÇÃO: ideias e opiniões emitidas nos artigos da Tribuna de Debates do PT são de exclusiva responsabilidade dos autores, não representando oficialmente a visão do Partido dos Trabalhadores

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