Em audiência pública, senadores criticam Campos Neto e ampliação da autonomia do BC

“Essa PEC é um primeiro passo para a possibilidade de voltarmos a um quadro de fragmentação fiscal”, advertiu o economista André Lara Resende, no debate

Alessandro Dantas

Senadores e especialistas debateram proposta de ampliação da autonomia do Banco Central

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado debateu nesta terça-feira (18/6) a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 65/2023) que transforma o Banco Central (BC) em empresa pública com autonomia financeira e orçamentária, sob supervisão do Congresso Nacional. Na prática, isso aprofundaria a autonomia do órgão e o deixaria quase como um Poder separado.

Atualmente, o BC é uma autarquia de natureza especial, responsável por executar as políticas definidas pelo Conselho Monetário Nacional.

A tentativa de mudança na atuação do BC surge pouco tempo após a entrada em vigor da Lei Complementar 179/2021 que garantiu a autonomia operacional ao órgão, e em um cenário no qual o comportamento do atual presidente do BC, Roberto Campos Neto, tem sido criticado por sua gestão da política de juros no país e pela sua aproximação com grupos de oposição ao governo Lula.

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O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central ainda inicia hoje sua quarta reunião do ano para definir o patamar da taxa básica de juros da economia. A taxa Selic está hoje em 10,5% ao ano.

Em entrevista concedida à Rádio CBN, nesta manhã, o presidente Lula teceu duras críticas à atuação do BC, às vésperas da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) – e em meio a previsões de congelamento da taxa básica de juros da economia (Selic), a segunda mais alta do mundo.

“Nós só temos uma coisa desajustada no Brasil neste instante: é o comportamento do Banco Central”, disparou. “Essa é uma coisa desajustada: um presidente do Banco Central que não demonstra nenhuma capacidade de autonomia, que tem lado político, e que, na minha opinião, trabalha muito mais para prejudicar o país do que para ajudar o país. Porque não tem explicação a taxa de juros do jeito que está. Acho muito triste, porque o Brasil não precisa disso”, lamentou Lula.

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O economista Paulo Nogueira Batista Junior destacou que parte dos problemas enfrentados pelo governo Lula em sua relação com a atual gestão do BC se devem, justamente, à mudança na legislação que obriga o presidente da República eleito a conviver, pelos primeiros dois anos de gestão, com a indicação para a autoridade monetária feita pelo governo anterior.

“Cria-se uma incongruência o mandato não coincidente [entre presidente da República e do BC], que suscita problemas constantes para o governo”, alertou.

Além disso, o economista alertou para o fato de a mudança na legislação promover a autonomia do BC apenas em relação ao governo eleito, mas não em relação aos interesses financeiros privados.

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“Os problemas que o BC enfrenta na sua atuação são extraordinariamente importantes para a sociedade. Não são de caráter puramente técnico, são de economia política. Envolvem incertezas enormes, têm repercussões muito importantes para a sociedade, sobre o nível de atividade de emprego, distribuição da renda, inflação. Por exemplo, hoje, no Brasil, praticamos juros reais extraordinariamente altos. O que isso significa? Afeta negativamente a economia, o nível de atividade, o investimento, provoca o desequilíbrio das contas públicas”, apontou.

Além disso, Paulo Nogueira Batista Junior aponta que a PEC 65/2023 acabará agravando os problemas que já existem na situação atual, além de ser passível de ser considerada inconstitucional por tratar do regramento dos servidores do órgão, competência privativa do presidente da República.

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Na avaliação do economista André Lara Resende, a proposta em debate no Senado representa um profundo retrocesso nas atribuições do BC. Segundo ele, seria uma regressão de aproximadamente 100 anos na legislação, ameaçando a “cuidadosa evolução da organização do sistema financeiro brasileiro e das autoridades monetárias do BC”.

“Essa PEC é um primeiro passo para a possibilidade de voltarmos a um quadro de fragmentação fiscal, balcanização fiscal, onde a Lei de Diretrizes Orçamentárias se torna, mais uma vez, uma peça de ficção completamente irrelevante”, disse.

O economista ainda pontuou que o debate deveria caminhar no sentido de desenhar a atuação da autoridade monetária para os desafios do século 21, como a digitalização da moeda e o sistema financeiro baseado quase que integralmente em transações digitais imediatas.

Autonomia não pode ser usada para atuar politicamente 

O diretor jurídico da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), Edison Vitor Cardoni, afirmou que os senadores deveriam refletir acerca da atuação política de Roberto Campos Neto e se manifestações dadas em eventos não contribuem para a piora do cenário econômico do país, além de contrariar a legislação que trata da autonomia do BC.

“O Senado deveria refletir se está conforme a lei o presidente do BC participar de palestra no exterior sinalizando para onde vai a taxa de juros. Esse é o papel do presidente do BC autônomo? Está correto o presidente do BC antecipar em dois anos e meio sua participação numa campanha eleitoral, circular em jantares políticos e declarar que a situação econômica sofrerá nos próximos anos forte deterioração e poderá atrapalhar [o governador de São Paulo] em uma eventual vitória em 2026. Essa não é uma discussão ideológica, é uma discussão concreta”, disse.

Lula sempre foi fiscalmente responsável

O senador Jaques Wagner (PT-BA), líder do Governo no Senado, defendeu a atuação da gestão Lula nos campos econômico e fiscal. Para o senador, Lula tem dado provas inequívocas da responsabilidade fiscal do atual governo.

“Acompanho o presidente Lula desde o primeiro governo. Não busquem ali um irresponsável fiscal. Não existe essa figura na cabeça do Lula. A única coisa que ele disse é que não vai colocar o torniquete na área social, como foi colocado no governo anterior. Não há populismo”, disse.

Além disso, o presidente Lula, lembrou Wagner, tem feito críticas a algo pertinente à liturgia do cargo de presidente do BC, não à autonomia do órgão.

“Não me consta que o presidente do Fetderal Reserve (comparativamente, o Banco Central dos EUA) saia em favor de quem quer que seja, participando de ato político. Se a autonomia é para isso, está sendo mal utilizada. Não estão compreendendo o que quer dizer a autonomia do BC”, enfatizou.

O senador Renan Calheiros (MDB-AL) reforçou as críticas ao presidente do BC e afirmou que as manifestações de Campos Neto têm, sistematicamente, interferido no mercado de câmbio.

“A autonomia do BC deve ser para todos. Para a política, o mercado, as autoridades. Não sei se a independência do BC se compatibiliza com os posicionamentos do atual presidente do banco. Quando ele vai vestido de pijama, votar no dia da eleição, a indicar em qual candidato estava votando. Quando ele vai participar de uma reunião no governo de SP e se colocar como provável futuro ministro de um futuro candidato à Presidência da República. Essas coisas precisam ser discutidas”, alertou.

Tramitação

A PEC 65/2023, de autoria do senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO) está em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. O relator da proposta, senador Plínio Valério (PSDB-AM), entregou relatório favorável ao projeto no último dia 12 de junho. Agora, texto aguarda inclusão na pauta do colegiado para ser apreciado pelos senadores.

Do PT Senado

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