Em greve, metalúrgicos da Renault apontam caminho da luta
Trabalhadores querem a reincorporação dos 747 companheiros demitidos em meio a negociações com a montadora. Líder da oposição lembra que lei estadual não permite demissões por empresas que recebem isenção fiscal. Sindicatos da categoria em todo o país promoverão atos em frente a concessionárias nesta quinta
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A fábrica Renault do Complexo Ayrton Senna, em São José dos Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba, continua paralisada. Surpreendidos por 747 demissões em plena negociação com a montadora, os trabalhadores só irão descruzar os braços quando as dispensas forem revertidas.
O Sindicato dos Metalúrgicos da Grande Curitiba (SMC) e a montadora discutiam uma forma de reduzir o quadro de 7,3 mil funcionários. Mas a fabricante francesa montadora decidiu, unilateralmente, fechar o terceiro turno de produção e promover a demissão em massa.
A Renault anunciou a decisão em 21 de julho, depois que os metalúrgicos reprovaram proposta de PDV (Programa de Demissões Voluntárias) apresentada para o desligamento de 800 pessoas da unidade. No fim do mesmo dia, em assembleia realizada na porta da fábrica, os trabalhadores aprovaram greve por tempo indeterminado até que seja estabelecido o diálogo entre a montadora e o sindicato.
Os operários já haviam sido submetidos à Medida Provisória 936, que permite suspensão do contrato de trabalho e redução de jornada e salário. Além de revogar as demissões, os metalúrgicos lutam para que o governo do Paraná cobre o cumprimento do acordo que deu incentivos fiscais à montadora.
Cálculos da época apontaram que o erário paranaense renunciou a R$ 1,9 bilhão com o adiamento e o financiamento do ICMS para a montadora. O benefício estava condicionado à geração de empregos. Por conta disso, as demissões são ainda mais abusivas, e têm ainda os agravantes de ocorrerem em meio à pandemia do novo coronavírus, e no momento em que crescem os casos de Covid-19 no estado.
O presidente do sindicato da categoria, Sérgio Butka, vai direto ao ponto: “São mais de 50 empresas que recebem incentivos fiscais dados pelo governo do Paraná. São mais de R$12 bilhões por ano e isso faz a diferença. O governo e a população estão ajudando essa empresa a se fortalecer no estado. E nós queremos como contrapartida a manutenção dos empregos na Renault”, diz o dirigente, para quem a montadora se comportou de maneira impositiva ao demitir servidores em meio às negociações.
A Renault recebeu vários incentivos fiscais para se instalar no Paraná. Agora, em meio à pandemia, quando o desemprego passa dos 12% e os trabalhadores estão mais desprotegidos, ela anuncia a demissão de 747 empregados. Já o governador Ratinho faz de conta que não é com ele
“A empresa rompeu as negociações com o SMC e foi radical em suas posturas”, acrescentou Butka. “Independentemente de qualquer coisa, queremos deixar nosso repúdio pela forma e tratativa que a empresa está dando ao povo do Paraná. Depois de usufruir de incentivos fiscais e se comprometer em gerar e manter empregos, agora está demitindo quase 800 trabalhadores”, lamentou.
A Renault começou a demitir funcionários em razão da baixa de 47% em sua produção no mercado de veículos. Em tom cínico, a montadora divulgou em nota em que afirma adotar “soluções de flexibilidade” desde o início da pandemia, para enfrentar a queda nas vendas e a falta de perspectiva de retomada do mercado. “Após realizar todos os esforços possíveis para as adequações necessárias e não havendo aprovação das medidas propostas, não restou outra alternativa”, defendeu-se a empresa.
A fabricante francesa é signatária de um acordo de boas práticas empresariais com a IndustriALL Global Union, federação sindical global que representa mais de 50 milhões de trabalhadores das cadeias de suprimentos dos setores de mineração, energia e manufatura em nível global, em mais de 140 países. Para a entidade, a decisão da montadora joga sobre os funcionários os erros cometidos pela própria empresa.
Segundo o secretário-geral do IndustriALL, Valter Sanches, a companhia usa a pandemia como desculpa para dispensar os trabalhadores. “A Renault está infringindo várias questões, como uma lei estadual paranaense que não permite demissão em massa em empresas que recebem incentivos fiscais. Nossa entidade ainda tem dois acordos globais com a Renault, e um deles só permite uma reestruturação depois da negociação com sindicatos. E a decisão de demissão foi unilateral, estão se aproveitando do momento de pandemia para fazer os cortes”, apontou o dirigente.
Todo apoio a luta dos trabalhadores da Renault no Paraná! Uma empresa que recebe incentivos fiscais não pode fazer demissões, ainda mais nessa crise. Passou da hora do governador Ratinho Jr agir! pic.twitter.com/R98KwVqfCM
— Gleisi Hoffmann (@gleisi) July 28, 2020
Decisão é ilegal e pressiona o governador
O líder da oposição na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), Professor Lemos (PT), também afirma que as demissões desrespeitam Lei Estadual 15.426/2007 – criada pelo governador Ratinho Jr (PSD) na época em que era deputado estadual.
A norma de Ratinho afirma que “empresas que recebem incentivos fiscais de qualquer natureza para a implantação ou expansão de atividades no Estado do Paraná devem cumprir obrigatoriamente a manutenção de nível de emprego e vedação de dispensa”.
No caso, isso só não deve acontecer em caso de demissão por justa causa ou motivação financeira que interfira diretamente na continuidade da atividade econômica. De acordo com Lemos, a lei de Ratinho veda que demissões sejam feitas no modelo feito pela Renault.
A empresa argumenta que, como forma de suportar os colaboradores nesse momento, além das verbas rescisórias legais, que incluem indenização prevista na MP 936 – transformada na Lei 14.020 no mês passado – serão concedidos benefícios como: extensão do vale mercado integral até outubro de 2020; extensão do plano de saúde, mantendo a cobertura atual para o titular e dependentes até dezembro de 2020; além do programa de orientação para a recolocação no mercado de trabalho.
Segundo o Sindicato dos Metalúrgicos, a empresa impôs uma proposta entre os itens do PDV, que precisaria de 800 negociações para ser concretizada. Caso isso não ocorresse, as demissões seriam por meio de um Programa de Demissão Involuntária (PDI). Para o SMC, a proposta não atendia a reivindicação dos trabalhadores. A principal batalha da categoria está em buscar soluções para manutenção dos empregos dos funcionários.
Para quem permaneceu na fábrica, a proposta da montadora é de suspender reajustes nos próximos dois anos e pagar abono de R$ 3,5 mil. Com isso, as novas contratações só podem ser feitas em 2022, e com salário 20% menor do que o atual. Segundo o sindicato, a empresa garantia o percentual de redução de salário no líquido. Contudo, o SMC acredita que a Renault não quer mais negociar.
A Renault recebe um incentivo financeiro milionário há mais de 20 anos, com isenção de impostos para operar na região. Em 1997, a renúncia de ICMS foi de US$ 1,9 bilhão. Depois, em 2007, quando a isenção da época da instalação da fábrica chegou ao fim, foi promulgada a lei estadual 15426/2007, que garantiu a continuidade da isenção de impostos com a contrapartida da manutenção do emprego.
No orçamento de 2019, a renúncia para o setor automotivo do Paraná foi de R$ 997 milhões, segundo o jornal ‘Gazeta do Povo’. Nos últimos anos, a empresa ganhou milhões com recordes de produção e vendas no Brasil e mercado sul-americano, mas quando os lucros da empresa são ameaçados, as vidas dos trabalhadores e de suas famílias simplesmente deixa de ter importância.
O primeiro-secretário da Assembleia, deputado Luiz Cláudio Romanelli (PSB), disse que há alternativas legais à demissão, e muitas empresas, de menor porte, têm encontrado soluções para manter seus empregados. “O próprio programa emergencial de manutenção de empregos é um instrumento para evitar a demissão. Temos também a própria legislação trabalhista que prevê o lay-off, quando é possível também, durante um período, afastar o trabalhador. Ou seja, dá para adotar muitas alternativas antes que tenhamos a demissão”, argumentou.
“Se a Renault quer demitir seus empregados, ela tem de abrir mão dos incentivos fiscais que recebe. Porque esse dinheiro é do povo do Paraná, e a contrapartida é a manutenção dos empregos”, defende o deputado estadual.
“Mexeu com um, mexeu com todos”
Desde que a mobilização começou, sindicatos, parlamentares e organizações de trabalhadores de outros países (Inglaterra e Coréia do Sul) transmitem mensagens de apoio pelas redes sociais.
A presidenta nacional do Partido dos Trabalhadores, Gleisi Hoffmann, manifestou em seu perfil no Twitter a indignação com a manobra da montadora. “Todo apoio à luta dos trabalhadores da Renault no Paraná! Uma empresa que recebe incentivos fiscais não pode fazer demissões, ainda mais nessa crise. Passou da hora do governador Ratinho Jr agir!”, defendeu a deputada federal pelo PT do Paraná.
Outros deputados do partido também se manifestaram. “Todo apoio e solidariedade à greve dos trabalhadores da Renault do Paraná, em luta contra centenas de demissões e a truculência da empresa”, escreveu Rui Falcão (PT-SP).
“A Renault recebeu vários incentivos fiscais para se instalar no Paraná. Agora, em meio à pandemia, quando o desemprego passa dos 12% e os trabalhadores estão mais desprotegidos, ela anuncia a demissão de 747 empregados. Já o governador Ratinho faz de conta que não é com ele”, lembrou Enio Verri (PT-PR).
“Não é possível que num momento tão dramático da vida nacional. Um momento que nós temos mais de 85 mil pessoas mortas pelo coronavírus, onde o desemprego ronda todas as famílias brasileiras, a Renault seja insensível e promova a demissão de 750 pessoas de forma unilateral”, lamentou o deputado estadual Tadeu Veneri (PT).
A CUT Nacional e demais centrais sindicais divulgaram nota se solidarizando com os trabalhadores. No documento, afirmam que é preciso “mostrar à sociedade a insensibilidade social da empresa, principalmente nesse sério momento de pandemia, em que as perdas de emprego e de renda são ainda muito mais preocupantes e podem levar famílias inteiras a riscos sociais muito graves”.
“Não há como admitir uma situação destas. É desumano sob qualquer ótica. Demissões já não devem existir em qualquer cenário. Com uma pandemia a situação torna-se ainda mais grave e soma-se a este fato os incentivos fiscais. É um crime contra estes trabalhadores e trabalhadoras, é um crime contra as famílias destas pessoas e é também um crime contra o contribuinte paranaense, que renunciou aos impostos para a criação de empregos”, apontou o presidente da CUT Paraná, Márcio Kieller.
Em reunião na terça (28), dirigentes sindicais que formam o movimento nacional Brasil Metalúrgico resolveram promover nesta quinta (30) uma série de atos contra as demissões em frente às concessionárias Renault de todo o país.
O Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e Região iniciou a onda de protestos já na terça. “Neste momento, não vamos aceitar demissões de empresas que têm condições de manter os empregos, que recebem incentivos fiscais do Brasil e mandam seu lucro para fora do país”, alertou o secretário-geral da entidade, Gilberto Almazan, durante o ato em frente a uma loja da montadora.
O lema dos companheiros de Curitiba, “Mexeu com um, mexeu com todos”, foi reforçado no ato por Almazan. “É importante deixar claro que nós vamos continuar fazendo protesto em todo o Brasil e até fora para que a empresa reveja a posição dela e recontrate esses trabalhadores demitidos”, destacou o líder, ecoando a disposição de luta de todo o movimento trabalhista brasileiro.
Da Redação