“Energia é soberania, energia é segurança nacional”, defende Clarice Ferraz

Em entrevista ao Jornal PT Brasil, economista e diretora do Instituto Ilumina explicou como as privatizações no setor elétrico estão prejudicando os serviços e ferindo o direito dos consumidores

Reprodução/TvPT

Ferraz alerta: privatizações afetam a qualidade do serviço e não reduzem o custo da tarifa

“O que interessa é energia barata, segura, e não ter apagão. Energia é soberania, energia é segurança nacional, energia é literalmente o que vai mover a economia”. A reversão das privatizações no setor elétrico, o impedimento da abertura de novos processos, a defesa dos trabalhadores e dos direitos dos consumidores têm na economista e diretora do Instituto Ilumina, Clarice Ferraz, uma voz potente.

Em entrevista nesta sexta-feira, 17, ao Jornal PT Brasil, ela expôs como as demissões em massa das empresas privatizadas estão prejudicando os serviços e também a falácia do discurso privatista que começou na década de 1990. Os resultados, diz ela, mostram que não houve vantagens para a população.

“Agora está bem claro que o setor privado não foi bom. Tivemos três exemplos recentes: é apagão, gente! Aquele discurso de abertura de mercados e competitividade há 30 anos, agora podemos perguntar: melhorou a tarifa? Melhorou a qualidade dos serviços? Você vai realmente entregar para alguém cujo objetivo é distinto do serviço com a qualidade que a população precisa? Eticamente não pode porque é um serviço público. Está na Constituição que o Estado deve prover que as pessoas tenham acesso a esses serviços. Porque eu vou entregar para quem não vai me entregar? Não pode!”, bradou Clarice, que é também professora.

Toda a estratégia por trás das privatizações não está a serviço da população e nem do desenvolvimento do país, o que ela considera bastante perigoso. “Há um grande poder de mercado que tem o poder de desestruturar todo o funcionamento do país, não é menos do que isso, eu não estou exagerando”, afirmou a pesquisadora ao falar da precarização do serviço com graves consequências como apagões e morte de trabalhadores.

O que está acontecendo é um movimento de demissão muito forte na perspectiva de redução de custos. Segundo a economista, o trabalhador não é visto como uma parte essencial e fundamental desse processo, mas é ele quem está na ponta operando o transformador, colocando a linha, trocando equipamentos que prendem os cabos dos postes, muitos deles enferrujados. Com as demissões em massa, ocorre falta de mão de obra, que é sinônimo de falta de manutenção.

Além disso, as empresas ficam com trabalhadores menos especializados e que, por terem menos experiência, estão mais em risco. “Do outro lado estamos nós, consumidores. Tudo isso afeta a qualidade do serviço e o custo da tarifa”, observa a economista, ao citar os enormes prejuízos com o transtorno e desconforto com a falta de energia que as distribuidoras não vão pagar.

Experiências anteriores devem nortear análises

A população deve examinar melhor o que aconteceu em outras experiências de privatização pois havia e ainda há um discurso forte de que elas são vantajosas para os consumidores. Ela observa que o raciocínio para se entender a questão não é sofisticado. O setor de energia, diz, tem que trabalhar com novas tecnologias, investimento e inovação de infraestrutura, e o capital privado, que quer a remuneração de curto prazo, não tem como se interessar.

Não é da natureza dele investir nesse setor que tem uma remuneração mais longa e que não se sabe exatamente como vai ser o retorno. “Tem que pagar cientistas, físicos, matemáticos, químicos para gerar tecnologia. Tudo passa por investimento em universidades e por todos os trabalhadores, toda essa cadeia precisa se desenvolver, quem faz isso é setor privado? Não é!”, destacou a pesquisadora da segunda geração da ong Ilumina, criado por funcionários de Furnas.

“Então isso sai muito caro, essa economia tosca, essa economia que oprime, humilha e sobrecarrega o trabalhador. Tudo se traduz em precarização da mão de obra e sobretudo na falta de mão de obra”, ressaltou, ao fazer uma análise da mídia tradicional que tem uma responsabilidade muito grande na criminalização de tudo que é público ou coletivo. “Então vem essa coisa de que o privado é eficiente e o que é público é ineficiente e inchado. Mas cadê os dados?”, questionou, ao dizer que esta não é mais uma conversa teórica porque há muitos dados para serem analisados.

Iniciativa privada não tem função social e não atende zonas distantes

Tradicionalmente quem financia investimento com risco e incerteza associados é um setor público, diz Clarice, porque é o perfil de quem tem a legitimidade de assumir esse risco em nome da sociedade. “Ponto! Está descrito na literatura e na nossa experiência histórica. Quem financia investimento que tem risco e incerteza é o setor público”, salientou, ao pontuar que há ganho de escala mas “eles não querem atender as zonas mais distantes que já tem problemas de infraestrutura. Não é do perfil da empresa privada, ela não tem função social, é preciso entender isso”, alertou.

A empresa pública tem função social e não pode ser deficitária, mas ela não tem só o lucro como objetivo. “Tem que entregar o serviço de qualidade, tem que prestar o serviço de saneamento e dar o acesso a toda a população”, afirmou, ao falar do processo de descarbonização e sua importância para o setor elétrico. “Temos abundância de renováveis. O que é melhor para os consumidores? Para a indústria?”

A venda da Eletrobras, na opinião de Clarice, sabotou o projeto de transição energética do Brasil. Ela espera que o presidente Lula reveja o processo que foi extremamente lesivo para o país.

“Nós perdemos o controle dos reservatórios, perdemos o controle de mais de 40% das linhas de transmissão. Tudo isso está na mão de uma empresa privada que não está interessada em investir, que está interessada em ter grandes lucros”, assinalou, ao explicar que transição energética significa descarbonizar. “Significa que no final do processo foi gerada eletricidade de forma limpa.

Com a privatização, não se sabe por quanto a empresa vai vender e até mesmo se vai querer vender a energia que tem porque não há mais essa obrigação.

A Eletrobras era a empresa pilar do setor elétrico brasileiro e tinha a garantia da segurança do abastecimento. Uma mega empresa que tem geração, tem transmissão, tem a maior inteligência e que tem maior conhecimento setorial.

“Era pública. Agora não, ela é privada, não persegue outro objetivo que não seja lucro, então ela não tá nem aí, ela não tem compromisso nenhum com a transição. Ela não tem compromisso nenhum de estar entregando e operando os reservatórios da melhor maneira para fazer um sistema que no final chegue com a energia mais barata. Como foi feita essa privatização ignorando tudo o que foi feito no setor elétrico nos últimos 30 anos, ignorando toda a experiência internacional, sem debate no Congresso, em ritmo de urgência?”, criticou.

Da Redação

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