Entenda como lidar com a ecoansiedade, provocada pelas mudanças climáticas
Em entrevista à SNMPT, a psicóloga clínica Isabella Rocha explica por que as mulheres são as mais afetadas com as alterações no clima
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Nos últimos anos, o mundo tem enfrentado uma série de episódios de catástrofes ambientais, com graves transformações da geografia dos continentes. Recentemente, por exemplo, choveu no Deserto do Saara, um dos locais mais secos do mundo e cuja paisagem tem se tornado verde. Cientistas explicam que a causa da chuva inesperada pode estar relacionada ao aumento da temperatura no Oceano Atlântico. Outro episódio que chama a atenção da comunidade científica é o aceleramento do degelo da geleira Thwaites – chamada de “Geleira do Juízo Final” -, na Antártica, e pode estar em um caminho irreversível de colapso.
Fora isso, no Brasil, nos últimos anos, episódios de enchentes, como a que devastou o estado do Rio Grande do Sul, em abril, têm se tornado cada vez mais comuns. Nas últimas semanas testemunhamos o feito das queimadas que se alastraram no Cerrado, no Pantanal e na Amazônia, poluindo o ar do país e assustando milhares de pessoas.
Com isso, jornais noticiam com maior frequência as consequências dos efeitos do clima extremo que resultam em desastres naturais cada vez mais catastróficos. A partir desses casos, é muito comum que surja uma sensação de angústia e medo do futuro. A este sentimento, dá-se o nome de ecoansiedade.
Para explicar melhor os efeitos que as mudanças climáticas têm imprimido na sociedade, em especial nas mulheres, a Secretaria Nacional de Mulheres do PT entrevistou a psicóloga clínica e psicanalista em formação Isabella Rocha. Ela tem estudado a forma com que os impactos ambientais têm repercutido na psiquê humana.
Segundo Rocha, a ecoansiedade é a angústia vivenciada a partir da consciência da situação climática do planeta. “Apesar de essa expressão já existir há um tempo, ela começou a repercutir mais quando foi utilizada pela American Psychological Association (APA) em 2017, que a conceituou como “um medo crônico de sofrer um cataclismo ambiental”. Ela se manifesta no corpo como qualquer outra angústia e desconforto emocional: pode se converter em dores físicas ou manifestações psicossomáticas, ideias obsessivas e rituais compulsivos”, explica.
A psicóloga ainda alerta que a negação ou o conformismo em relação ao assunto não isenta o indivíduo de sofrer emocionalmente com isso, pois aquilo que não é elaborado e encarado de frente volta como sintoma, como os citados: “Assim, é importante olharmos para a maneira como nosso psiquismo funciona frente ao que está acontecendo (de forma individual e coletiva) juntamente com a elaboração de estratégias para melhorar a situação climática global. Uma coisa está relacionada à outra.”
Mulheres seguem como as mais afetadas
Na avaliação de Rocha, as mulheres são, de fato, mais afetadas pelas mudanças climáticas e suas consequências. Ela destaca que as desigualdades de gênero estruturais e contextualizadas historicamente também recaem negativamente sobre as mulheres neste aspecto.
“De acordo com a Fundação das Nações Unidas, por precisarem se preocupar em maior escala com aspectos de: garantir comida, água, energia e recursos vitais, e principalmente, estarem sobrecarregadas com a necessidade de cuidar (seja de jovens, adultos ou idosos), tudo isso as coloca em maior risco de sofrer os impactos. E mais, elas sofrem mais com complicações de saúde física e mental com eventos como enchentes, secas, ondas de calor”, detalha a pesquisadora.
Ela ainda destaca a opressão de gênero, enfrentada por aquelas que integram espaços de destaque nos debates ambientais: “Essas mulheres líderes ambientais ativas têm suas vozes silenciadas ao se posicionar como representantes de suas comunidades e países, sofrendo altas taxas de violência de gênero e agressões com o intuito de descredibilizar seu ativismo.”
A entrevistada também observa que, quando se trata sobre ecoansiedade, é preciso pontuar o aspecto da interseccionalidade e o que este tema acarreta. Vale reforçar que o conceito pode ser entendido como uma ferramenta analítica que discute a indissociabilidade dos marcadores sociais na experiência das mulheres negras, e neste caso das mudanças climáticas deve-se destacar as mulheres indígenas, ribeirinhas e quilombolas.
“Quem é o sujeito que sofre? Certamente um jovem classe média com ar condicionado, piscina, acessibilidade, carro, umidificador vai ter uma experiência diferente de um morador de bairro periférico, com infraestrutura precária e sem nenhum desses privilégios. Podemos dizer que, além do racismo e da vulnerabilidade socioeconômica, ainda há uma sobreposição de opressões em relação à falta de saneamento básico, à demarcação de terras, à insegurança e à vulnerabilidade do próprio território. Então, a ecoansiedade e o enfrentamento da incerteza perante a permanência de nossa espécie no planeta é algo que afeta todos nós, mas em níveis completamente desiguais”, contextualiza Rocha.
Impacto das catástrofes ambientais na saúde mental na população
“As catástrofes ambientais têm impactado a saúde mental das pessoas há algum tempo, e isso vem se agravando muito atualmente. Entre secas extremas, enchentes desproporcionais e sensações térmicas que não imaginávamos até algum tempo atrás, estamos sofrendo com as mudanças climáticas. Além da situação climática realmente estar se agravando cada vez mais, há um fenômeno denominado de “infodemia”, que vem sendo falado mais desde a pandemia”, informa a psicóloga.
Segundo ela, infodemia significa o excesso de informações sobre um determinado assunto, criando uma certa obsessão sobre o assunto: “Isso não necessariamente gera uma mobilização, mas certamente impacta a saúde mental. Quando pensamos em excesso de informações, é inevitável englobar fake news, boatos e conspirações, fatos distorcidos, e por consequência, muito negacionismo em relação ao assunto. Dito isso, este excesso de informações, confiáveis ou não, misturado à ideia de apocalipse disseminada no senso comum, gera grande impacto na saúde mental de todos nós como sociedade, a questão é pensar: o que vamos fazer com isso?”
A psicóloga defende que a melhor forma de atenuar os sintomas é tomar atitudes perante ao que está acontecendo, e que atitudes individuais são importantes, mas é impossível levar a alguma mudança global significativa se não for algo coletivo, tomando a indústria e o sistema como principais focos a serem enfrentados e a análise pessoal.
Meio ambiente deve ser prioridade
Por fim, Rocha afirma ser fundamental que haja atuação consistente e lúcida do poder público, para que “não seja omisso ao que está acontecendo e coloque a sustentabilidade ambiental a longo prazo como prioridade na agenda política”.
Ela argumenta que ações de investimento em educação ambiental, fomento da participação popular em espaços dialógicos e deliberativos, políticas de diminuição da emissão de CO2 de grandes indústrias, políticas de adequação em áreas vulneráveis são fatores importantes para manter o tema na agenda pública dos governos e da sociedade.
“Além disso tudo, quando falamos de questões ambientais e climáticas, é muito recente e ainda prematuro lembrar da saúde mental neste contexto, é algo que está começando a ganhar alguma visibilidade e designação de importância. Então, para enfrentarmos a ecoansiedade conjuntamente com a questão climática, precisamos de informação para conseguir identificar, se conscientizar, elaborar e se engajar por meio de estímulos do governo de disseminação do que isso significa, fomento de pesquisas na área e investimento em assistência psicossocial”, defende.
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Marina Marcondes, da Redação Elas por Elas, com informações do UOL e BBC Brasil