Entenda o Pacto Global para Migração desprezado pelo governo Bolsonaro

Para especialistas em relações internacionais, saída do acordo criado pela ONU aumenta possibilidade de reações que podem afetar os interesses brasileiros no mundo

O Pacto Global para Migração, documento internacional debatido no âmbito das Organizações das Nações Unidas (ONU), tem sido alvo recorrente de Jair Bolsonaro (PSL) e sua equipe governamental. Nesta terça-feira (8), o Ministério das Relações Exteriores pediu a diplomatas brasileiros que comunicassem à entidade que o Brasil saiu oficialmente do acordo. A informação foi divulgada pela rede de notícias BBC e ainda não foi oficializada pelo Itamaraty.

O Pacto, que começou a ser discutido em 2017, estabeleceu diretrizes para o acolhimento de imigrantes. Os países signatários se comprometem a dar uma resposta coordenada aos fluxos migratórios, a colaborar para que a garantia de direitos humanos não seja atrelada nacionalidades, e a adotar restrições à imigração somente como último recurso.

Estima-se que 258 milhões de pessoas vivam em um país diferente do seu país de nascimento – um aumento de 49% desde 2000 –, de acordo com números divulgados pelas Nações Unidas no mês passado.

Antes mesmo da posse, Ernesto Araújo, agora chanceler, afirmou que o Brasil deixaria o Pacto sob o novo governo. Na ocasião, em 10 de dezembro de 2018, o governo Temer (MDB) e representantes de outros 164 países aderiram ao acordo. Nove dias depois, a Assembleia Geral da ONU se posicionaria favoravelmente aos termos do Pacto por maioria: 152 foram favoráveis ao endosso da instância, 24 não se posicionaram, 12 se abstiveram e 5 foram contrários.

O último bloco foi formado por Estados Unidos, Hungria, Israel, República Tcheca e Polônia, todos países governador por conservadores. Já empossado, Bolsonaro prometeu ao secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, que a saída brasileira se efetivará. O enfraquecimento simbólico do Pacto interessa ao governo republicano de Donald Trump, que tem como uma das propostas a construção de um muro na fronteira com o México.

O novo governo brasileiro argumenta que o Pacto violaria a soberania nacional. O secretário-geral da ONU, António Guterres, rebateu o argumento, utilizado por diversos países contrários ao Pacto, afirmando que o documento não permite que as Nações Unidas imponham políticas ou sanções aos países signatários.

Catia Kim, advogada e integrante do Projeto Migrantes Egressas do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), explicou ao Brasil de Fato os pontos polêmicos em relação ao Pacto. O primeiro deles é que, formalmente, o documento não tem status de tratado internacional, portanto, não gera obrigações para o país no direito internacional e tampouco integra o ordenamento jurídico nacional.

“O pacto é uma carta de princípios, não tem um caráter vinculativo, como outros tipos de documentos, como tratado internacional. Ele não cria novos direitos, isso é muito importante destacar”, diz.

O objetivo do documento, segundo ela, é o de estabelecer “diretrizes e objetivos para políticas públicas locais para concretizar tratados que já existem”, tendo dois grandes eixos: o compartilhamento de informações e dados entre os países – incluindo para casos de tráfico de pessoas – e o aproveitamento do potencial social e econômico da migração para o desenvolvimento.

Como não há obrigações formais, também não há sanções. Entretanto, Kim alerta que a saída brasileira pode gerar “desconforto diplomático” e reações no campo da política internacional que podem afetar os interesses brasileiros nas relações exteriores.

“Abandonando, nós podemos, por exemplo, ter dificuldades para a vinda de mão de obra especializada de outros países [um dos temas do Pacto]. Se isso se tornar uma questão diplomática complexa, com parte dos países signatários pressionando para que o Brasil se mantenha, pode ser que haja eventuais problemas para brasileiros em outros países”, conjectura.

O presidente francês, Emmanuel Macron, afirmou que as posições do governo Bolsonaro sobre o Acordo Climático de Paris, também criticado pelo novo governo, poderiam inviabilizar um acordo comercial entre União Europeia e Mercosul.

Antes de tomar posse, o capitão reformado do Exército utilizou a França como suposto exemplo negativo do impacto da imigração. A mensagem foi rebatida pelo embaixador Francês nos EUA, o que pode indicar que a relação diplomática com o país europeu pode ser tensionada pelas opções de Bolsonaro e sua diplomacia.

Por Brasil de Fato

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