Erik Bouzan: Somos milhões de ‘Ana Júlia’

Secretário da Juventude Petista SP fala sobre os ‘sintomas’que apontam para o desenvolvimento de uma nova força política de esquerda no país

Alessandro Dantas
Tribuna de Debates do PT

Estudante Ana Júlia discursa no Senado

O recente discurso da secundarista paranaense Ana Júlia tomou o cenário político brasileiro e virou símbolo das ocupações das escolas e universidade de todo o país. O movimento estudantil se levanta contra a autoritária Reforma do Ensino e a PEC 241(agora PEC 55), conhecida como PEC do Fim do Mundo. Inspirados nas vitoriosas ocupações do ano passado em São Paulo contra a re(des)organização escolar de Alckmin, o movimento já tomou proporções nunca antes vistas e incomoda os golpistas do Governo Federal.

Como da primeira vez, o protagonismo secundarista revela uma juventude altamente engajada, consciente e disposta à radicalização, jogando por terra o estereótipo de uma juventude “apolítica” e desinteressada. O que se vê, ao contrário, é uma geração de lutadoras e lutadores que surgiu independente dos principais partidos e movimentos sociais.

Desta vez a pluralidade das ações (escolas, universidade, câmara entre outros) e a dimensão territorial transformaram o movimento no embrião da resistência organizada contra os retrocessos neoliberais. Não à toa, a brutalidade e o autoritarismo com que as manifestações estão lidando estão cada vez maiores e perigosas.

Prisões, violência física e psicológica, perseguições, dentre uma série de atos de exceção do Estado, tudo com o aval, quando não orientado, do Governo de setores do Judiciário. Mesmo assim o movimento resiste e cresce cada vez mais. Como disse uma militante: “Estamos acostumados com a perseguição e a violência cotidiana do Estado, porquê iriam nos intimidar?”

É evidente o surgimento de novos atores sociais, que ainda não se transformaram em força política, em campo organizado, mas que emergem com grande velocidade. Ainda está em sua fase inicial de organização, dito o de “conscientização”, e por isso mesmo suscetível ao “horizontalismo dogmático”, reação à crise de representação e a certo elitismo das esquerdas, que também reproduz boa parte da saturação do sistema político. Esse fenômeno, para além de endeusamentos e demonizações, precisa ser assimilado, pois a sua evolução é iminente. Resta saber se conjuntamente ao atual campo progressista ou sem campos opostos.

No Chile a eleição em 23 de Outubro agora de Jorge Sharp, liderança do movimento estudantil chileno de 2011, à prefeito de Valparaíso, terceira maior cidade chilena, é emblemática. Fruto de um processo aberto, composto por diversos novos movimentos sociais, essa e outras candidaturas se transformaram num bloco antagônico às coalizões de direita e centro-esquerda tradicionais chilenos. Sharp e as outras candidaturas desse novo campo foram escolhidos por um processo de prévias abertas. Mesmo assim, os chamados novos movimentos já enfrentam processos de divisões e divergências políticas.

Em um momento de revés das esquerdas, sob forte ataque do bloco liberal-conservador, o movimento estudantil mostra pra quem ainda tinha dúvidas que a história é dinâmica e a resistência ao golpe e às reformas neoliberais serão muito maiores do que imaginavam.

Não tenhamos dúvidas: as primaveras estudantis e feministas e as mobilizações contra o golpe e pelo Fora Temer são sintomas que apontam para o desenvolvimento de uma nova força política de esquerda no país. Apesar dos setores “pé atrás” com as forças ditas mais tradicionais, a aproximação e a troca de experiências entre esses campos serão importantes para a reorganização das esquerdas. Ou seja, a produção de uma síntese entre eles dará a força e a organização necessárias para a construção de um novo projeto político capaz de se tornar alternativa real de poder e transformação da sociedade.

Tal como a toupeira, animal com problemas de visão que circula embaixo da terra sem fazer alarde e surge onde menos se espera, o caminho da reorganização das esquerdas será árduo, confuso e aos poucos. As próprias contradições capitalistas e a radicalidade da investida golpista trarão os elementos necessários. A única certeza é que milhões de Anas Julias surgirão.

Erik Bouzan, secretário estadual da Juventude Petista SP, para a Tribuna de Debates do VI Congresso. Saiba como participar.

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