Especial: Bolsonaro mente e tenta culpar Dilma por preço dos combustíveis
Despudorado, o “mito mitômano” tentou responsabilizar os governos petistas pela política de dolarização adotada pela Petrobras após o golpe, que ele mantém até hoje
Publicado em
Em busca permanente de “culpados” que possam eximi-lo de responsabilidade sobre os preços pornográficos de combustíveis e gás, Jair Bolsonaro agora aponta a metralhadora giratória de fake news para a presidenta Dilma Rousseff. Na live dessa quinta-feira (30), mentiu descaradamente, acusando-a pela dolarização dos preços da Petrobras.
O fato real é que a política foi adotada em outubro de 2016, cinco meses após o afastamento de Dilma. Ministro do “apagão tucano” de 2001, Pedro Parente foi nomeado à Petrobras pelo usurpador Michel Temer em 19 de maio de 2016, uma semana após Dilma ser afastada. Em outubro de 2016, a Petrobras adotou a política que o desgoverno Bolsonaro mantém até hoje, a despeito da campanha de desinformação.
“O diesel tá caro, se for pegar a média mundial, está bem abaixo, mas nós somos produtores de petróleo”, começou o mito mitômano. “Acordos lá atrás, se não me engano, 2016, final do governo Dilma, teve a tal da lei da paridade. Ou seja, aumenta o petróleo brent lá fora, cotado em dólar, o preço do dólar aqui no Brasil é outro”, concluiu, sem o mínimo pudor.
Algumas horas antes, em viagem a Belo Horizonte (MG), terra natal de Dilma, Bolsonaro já havia culpado os governos petistas pela política de desinvestimentos que na verdade – novamente – foi adotada pela Petrobras após o golpe de 2016. Outra falácia.
“A Petrobras, que nós reclamamos do preço do combustível, reclamamos com razão. Só de refinarias que foram anunciadas e que não foram construídas – ou seja, não se beneficia um barril sequer de petróleo – o prejuízo deixado para nós foi de R$ 230 bilhões”, chutou. “Vocês estão pagando essa conta.”
Há pouco mais de cinco anos, em 27 de setembro de 2016, Parente se reuniu com Temer no Palácio do Planalto para anunciar a novidade que poderia “resultar na queda do preço do combustível no Brasil”. “O que é importante ressaltar é que, sendo uma política que tem como referência a paridade internacional, a mudança de preços não é só para subir, pode ser para descer também”, garantiu o então presidente da Petrobras.
Na mesma reunião, Parente apresentou o plano de investimentos da Petrobras para o período 2017-2021, que previa US$ 74,1 bilhões em investimentos nos anos seguintes. O valor, 25% menor que os US$ 98,4 bilhões previstos no plano do período anterior, anunciado em janeiro de 2016, era o prenúncio da dilapidação dos ativos da Petrobras, às custas da população.
Sob Dilma, a Petrobras tinha como regras básicas para determinar os valores dos combustíveis a convergência aos preços internacionais nos médios e longos prazos, reajustes sem periodicidade definida e decisão de preços a cargo da diretoria executiva da empresa. As refinarias estavam a plena carga, com 100% da capacidade e condições de suprir o mercado interno e praticar preços acessíveis à população.
Aumento de preços e entrega de patrimônio
A partir de outubro de 2016, as tarifas passaram a se basear no Preço de Paridade de Importação (PPI). A metodologia inclui nos custos a cotação internacional do óleo, frete, transporte, taxas portuárias, adicionados a uma margem para remuneração dos riscos da operação, entre eles a volatilidade da taxa de câmbio.
As decisões sobre os preços ficaram sob a responsabilidade de um grupo executivo que, além do presidente e do diretor de Refino e Gás Natural, tem a participação dos diretores financeiro e de relações com investidores. A visão estratégica dessa estrutura de tomada de decisão passou a ser fortemente pautada pela geração de resultados financeiros, e os preços eram revistos pelo menos uma vez por mês.
Oito meses depois, em junho de 2017, a política foi novamente alterada para aumentar a frequência dos reajustes. O argumento foi que as alterações ainda não eram suficientes para acompanhar a volatilidade crescente da taxa de câmbio e das cotações de petróleo e derivados.
Entre julho de 2017 e maio de 2018, a cotação do barril de petróleo saltou de US$ 45 para US$ 75, e o dólar saiu da casa dos R$ 3,20 para R$ 3,70. O resultado: entre julho de 2017 e agosto de 2018, os preços dos combustíveis nas refinarias da Petrobras foram reajustados 466 vezes, somando gasolina e diesel.
Ao longo dos 14 anos de governos Lula e Dilma, houve 28 alterações nos preços dos combustíveis. No caso do gás de cozinha, a PPI promoveu 10 reajustes no período, enquanto que nos governos petistas houve apenas uma remarcação, em 2015.
O impacto recaiu tanto sobre a população mais pobre (gás de cozinha) quanto setores assalariados e classe média (gasolina). A reação mais explosiva veio do setor de transporte rodoviário (diesel). A greve dos caminhoneiros, na última semana de maio de 2018, causou crises de desabastecimento que botaram o governo Temer nas cordas.
Ao mesmo tempo, a política de desinvestimentos da Petrobras dilapidou o patrimônio. Após atingir o pico histórico de US$ 48 bilhões em 2013, puxados pela exploração do pré-sal, os investimentos recuaram em todos os segmentos de negócios, mas em especial no de refino, transporte e distribuição. O setor, que em 2013 recebeu US$ 14,2 bilhões, ou 30% do total de investimentos, em 2017 recebeu US$ 1,2 bilhão, ou 9%.
Ganham os concorrentes, perde toda a população
A redução em 25% a 30% da capacidade das refinarias da Petrobras, subutilizando o seu funcionamento, vendendo unidades e investindo na extração e venda de óleo cru, abriu espaço para a chegada de empresas importadoras. Concomitantemente, a Petrobras passou a se concentrar mais na exploração e produção e exportação de óleo cru do que no refino e na agregação de valor que o refino traz para esse conjunto de atividades.
De 2016 a 2018, o número das empresas privadas, nacionais e internacionais no país subiu 30%. Em 2017, 78,6% das importações de gasolina e 95,7% de diesel foram feitas por empresas privadas.
Isso não impediu que, em março de 2018, a entidade representativa dos importadores de combustíveis entrasse com ação no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) contra a Petrobras. A alegação foi de que a estatal estava praticando menos do que deveria os Preços de Paridade de Importação.
Com o mercado na mão dos concorrentes, ganharam os refinadores norte-americanos, os “traders” internacionais, os importadores de capital privado e as distribuidoras privadas. Perde até hoje a maioria dos brasileiros, que consome, direta e indiretamente, os combustíveis com preços majorados. Também perdem a União e os estados, com os impactos recessivos e da arrecadação causados por preços elevados dos combustíveis.
Temer avançou sobre o patrimônio da Petrobras o quanto pode. Em novembro de 2016, ele sancionou, sem vetos, a Lei nº 13.365, a partir de projeto de lei do senador José Serra (PSDB-SP), relatado pelo colega Romero Jucá (MDB-AP), que acabou com a exclusividade da Petrobras na operação do pré-sal. Então presidente, Dilma era contrária ao projeto de Serra e o vice Temer, favorável.
Em julho de 2018, a Medida Provisória (MP) 795/2017, editada por Temer, conhecida como “MP do trilhão”, foi transformada na Lei 13.586/17 pelo Congresso Nacional. A lei isenta empresas estrangeiras do setor de petróleo de pagar impostos na importação de produtos como plataformas, máquinas e equipamentos. O prejuízo para os cofres públicos nos próximos 20 anos é estimado em R$ 1 trilhão.
Financista especializado em mercados de capital, Pedro Parente tentara, durante o governo FHC, mudar o nome da Petrobras para “Petrobrax”, que considerava mais “palatável” para o mercado financeiro internacional.
Parente vendeu mais de US$ 15 bilhões em ativos da empresa, entre eles a malha de gasoduto do Sudeste NTS e 28% de participação na BR Distribuidora – totalmente liquidada em 2021 por Bolsonaro e seu ministro-caixeiro viajante Paulo Guedes. É o desgoverno Bolsonaro que quer entregar o controle de 8 das 11 refinarias da Petrobras.
O “sonho da privatização” bolsonarista
Em janeiro de 2019, Bolsonaro nomeou Roberto Castello Branco para a presidência da petrolífera. Logo que assumiu, ele mostrou a que veio: “Meu sonho sempre foi privatizar a Petrobras”. Ano passado, afirmou que a Petrobras obteve o maior lucro da história (R$ 40 bilhões) em 2019.
Castello Branco omitiu que o lucro foi obtido pelo resultado da venda de ativos da empresa, e não pelo desempenho. Em 2019, a companhia registrou a menor geração operacional de caixa em dez anos e encerrou o balanço com capital de giro negativo.
Em fevereiro deste ano, Castello Branco foi ejetado da cadeira e substituído pelo general Joaquim Silva e Luna. A disparada dos preços de gás e combustíveis derrubou a popularidade de Bolsonaro e custou a cabeça do economista indicado por Paulo Guedes. Mas a dolarização e a dilapidação do patrimônio público se mantêm.
Em dezembro de 2019, Bolsonaro sancionou a Lei nº 13.956, que permite à Petrobras vender até 70% dos direitos de exploração das áreas de cessão onerosa. Isso significa repassar para empresas estrangeiras o direito de exploração de cinco bilhões de barris do pré-sal. No regime de cessão onerosa, a União só recebe 10% dos royalties sobre a produção de petróleo. A taxação é inferior à do regime de partilha, onde se paga 15%.
Nesta semana, a Petrobras anunciou mais uma alta (8,9%) no preço do diesel. Mas para a Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), ainda há defasagem de 14% no valor. Dados do portal Global Petrol Prices, que monitora o valor do diesel em 167 países, apontam que a média mundial do preço é US$ 1,072 (R$ 5,83, pelo câmbio de hoje). O preço do litro no Brasil, segundo o site, é US$ 0,873 (R$ 4,751).
E olha que o preço do diesel vem subindo praticamente sem parar desde maio do ano passado. Segundo dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP), naquele mês, o preço médio no Brasil do litro do diesel na revenda chegou a R$ 3,037. Em agosto deste ano, antes do novo aumento, estava em R$ 4,611 — avanço de 51,8%. “Vocês estão pagando essa conta” foi a única verdade dita por Bolsonaro nesta quinta-feira.
Da Redação