Eugênio Aragão: por que golpistas usam MP para intervir em universidade

Ex-ministro da Justiça fala sobre o uso político do Ministério Público para desrespeitar a autonomia universitária

Lula Marques

Eugênio Aragão: ”É evidente a pertinência entre as matérias tratadas no inquérito e nas ações, ainda mais que parte das fake news continham agressões verbais ao próprio TSE, colocando em dúvida a lisura do escrutínio”

Não resta mais dúvida, para quem tem um mínimo de capacidade de reflexão crítica, que o Brasil está descendo ladeira abaixo na qualidade de sua governação política. Os dados não disfarçam, apesar da mentira pregada dia a dia pelos golpistas em torno de seu chefete Michel Temer.

Aumentam os índices de violência na sociedade, espelhados na taxa de homicídios por 100 mil habitantes; aumenta a população carcerária em função da suspensão de um decreto de indulto pela presidente do STF e a insensibilidade de juízes e promotores com a explosiva situação social; aumentam os subempregos legalizados em virtude do massacre promovido aos direitos trabalhistas; diminuem drasticamente os investimentos públicos, principalmente por conta de uma política fiscal irresponsável e sem compromisso com o país e, no mesmo passo, aumentam as endemias pelo descaso do grupelho que se aboletou no Planalto para com a aquisição e aplicação sistemática de vacinas à população.

Em resumo: estamos ao Deus dará e só está feliz quem especula com o capital financeiro improdutivo.

Temos o pior dos cenários para as futuras gerações, largada nas mãos de um ministro da educação que de educação entende tão pouco quanto um jogador de luta livre deve entender das sutilezas de uma cerimônia do chá.

A mais nova do mendoncinha-pula-cerca (sim, o dito ministro “da educação” golpista ficou célebre por fugir de alunos e se debandar de uma universidade pública pelos fundos, pulando a cerca que delimitava seu campus!) é a censura política a atividades acadêmicas em total desrespeito a e ignorância da autonomia universitária.

Como não gostou do uso da palavra “golpe” no programa de disciplina de curso de Ciência Política, absolutamente adequada para qualificar a deposição fraudulenta da presidenta Dilma Rousseff, acionou o ministério público contra a universidade e o professor.

Pouco se lhe deu de examinar a ementa e o programa, até porque o semi-analfabeto censor disso nada entende. Mas, se tomasse um pouquinho seu tempo para isso, ao invés de receber ator de filme pornográfico, logo verificaria a exatidão científica da proposta de ensino, propedeuticamente esforçada em explicar o uso do termo “golpe”, para, depois, examinar as varias facetas do processo político que redundou na tomada do poder pelo arrastão de trombadinhas de que o sedizente ministro “da educação” faz parte. Tudo com rigor metodológico e calçado em rica bibliografia.

O que chama mais atenção, porém, na iniciativa de mendoncinha-pula-cerca é o descarado uso do ministério público para anular a autonomia universitária. Para o interlocutor de ator pornô, magistério superior é caso de polícia. Se alguém ainda titubeasse sobre se o aparelho judiciário é ou não é parte do esquema do golpe, aqui vai a prova: é merecida a confiança que angariou junto a atores como o censor de disciplinas.

Já há tempos membros do ministério público se arvoram em reitores de universidades públicas sem ter titulação para tanto. Metem-se em tudo: às favas com a autonomia universitária inscrita na constituição! Autonomia que vale é só a dos meganhas togados do parquet. O resto é bobagem, porque ninguém pode barrar sua atuação. São incontrolados e incontroláveis. E se vangloriam disso. Podem até mesmo legislar em causa própria, concedendo-se vantagens muito distantes do que a lei prevê. Para quem pode tudo isso, chutar a autonomia universitária é “peanuts”!

É por isso que dão palpites a conteúdo e avaliação nos concursos públicos de professor; determinam relógio de ponto para docentes, mesmo se eles não tem sala de trabalho em suas faculdades; julgam reitores pelo valor da lata de lixo que a prefeitura do campus adquiriu para sua residência oficial; discordam da legalidade de financiamento de pesquisas e cursos com recursos da reforma agrária, quando beneficiam lavradores sem terra; metem seu bedelho na discussão sobre políticas de cota… e por aí vai. Hoje, para alguém administrar uma universidade, basta que faça concurso para procurador da república!

E os membros dessa casta parajudicial têm majoritariamente os mesmos valores de Temer, mendoncinha-pula-cerca et caterva. Do alto de suas redomas de bem-estar social, têm bronca de petista e de povo. Só gostam mesmo é de paneleiros de camiseta da seleção quando protestam contra a PEC 37. Não é à toa que seu outrora líder inconteste, Rodrigo Janot, não tenha mexido um dedo para obstar a violência contra a constituição, quando a presidenta Dilma Rousseff foi destituída.

Pelo contrário: colocou lenha na fogueira, abrindo inquérito contra a chefe de estado, acusando-a de ter indicado ministro do STJ para passar a mão na cabeça de Marcelo Odebrecht. Claro que a acusação infundada não foi longe, mas deu munição aos estilingues dos trombadinhas em arrastão. Dizem que, a essa altura, o então PGR estaria piscando os olhinhos para o chefete do golpe, ávido por mais um mandato à frente de sua instituição-corporação, com ou sem lista associativa que o calçasse.

Merece, com certeza, o esforço acadêmico de ensino, pesquisa e extensão o momento ímpar de nossa vida política. A engrenagem do golpe é assaz complexa para ser explicada em poucas linhas d’um ensaio. A prova maior dessa complexidade está aí: a tranquilidade de mendoncinha-pula-cerca ao clamar pelo socorro dos procuradores da república, na certeza de que, como no golpe, não o deixarão na mão.

Por Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça para o DCM

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