“Fato mais grave desde a crise dos mísseis”, diz Celso Amorim
Para ex-ministro, Brasil deve ter cautela diante do assassinato individual de um líder. “Vejo com grande preocupação a possibilidade de um conflito maior”
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“Potencialmente estamos diante do fato mais grave em termos de uma possível confrontação entre dois Estados, desde a crise dos mísseis (em Cuba, início dos anos 1960).” Assim o ex-chanceler Celso Amorim descreveu, em entrevista à Rádio Brasil Atual, o assassinato, pelos Estados Unidos, do chefe da Guarda Revolucionária do Irã, Qassem Soleimani.
Amorim alerta: “É muito preocupante e muito importante que o governo brasileiro aja com cautela numa situação como essa, para não tomar um partido que nos custe caro. E não só em termos econômicos e comerciais, como já tem ocorrido, mas que nos custe caro em termos de segurança”, diz, ressaltando que China e Rússia já condenaram o ataque, assim como países europeus e os democratas americanos.
O ministro das Relações Exteriores do governo Luiz Inácio Lula da Silva, que chegou a ser indicado pela ONU para acompanhar um processo de desarmamento no Iraque no final dos anos 1990, destaca as reações “muito fortes” diante do assassinato decorrente do ataque norte-americano. “O líder supremo iraniano (Ali Khamenei) falou em vingar. Não é simplesmente uma ameaça política, vai além disso. Acho que corremos um risco muito sério. Foi uma ação muito leviana”, classifica Amorim.
“O assassinato individual de um líder é algo muito raro nas relações internacionais e sempre provoca reações muito fortes. E o Irã não é um país que fique com meias medidas”, explica. “Vejo com grande preocupação a possibilidade de um conflito maior. Penso que o Irã vai buscar alvos mais vulneráveis no Estados Unidos. Dificilmente fará um ataque frontal, mas deverá fazer algo que possa ser lido e entendido como uma resposta real a esse ataque.”
Região explosiva
Celso Amorim salienta que tudo está ocorrendo na região mais explosiva do mundo. “Tem ali Israel que pode ser tentado a aproveitar a situação para fazer algo que vêm querendo fazer há muito tempo que é atacar as instalações nucleares iranianas”, disse, lembrando que inclusive a presença do Irã no Iraque se fortaleceu por responsabilidade dos Estados Unidos. “O paradoxo disso tudo é que o Irã só está no Iraque com a presença que tem hoje por causa do ataque norte-americano ao Iraque, a derrubada do Sadam Russein”, reforça. “O ‘monstro’ foi criado pelo próprio Estados Unidos.”
O ex-ministro afirma que o assassinato de um líder de outro país não está sequer nas regras normais de um conflito armado. “Existem outros meios (do que atacar líderes diretamente). É muito diferente do que foram pressões convencionais, inclusive militares, entre países. Desde a crise dos mísseis de Cuba não vi nada semelhante”, reforça.
Diante da manifestação do chanceler iraniano que classificou o ato americano como “terrorismo internacional”, Amorim concordou que, em geral, as coisas não se passam dessa maneira. “O ataque direto, o assassinato planejado, focalizado, é difícil não classificar como terrorismo.”
Impeachment
Para o ex-ministro, Donald Trump pode ter tomado essa decisão como forma de tirar o foco do impeachment a que está exposto. “Há muito tempo que ouço que Trump estava esperando um presidencial moment, um momento presidencial. Um momento em que ele possa afirmar a liderança norte-americana, para mostrar que ele é que tem essa capacidade e nenhum outro. Acho que pode ter a ver com isso também.”
Mas, afirma, é paradoxal, já que o presidente dos Estados Unidos tem retirado tropas de outros países. “Essa ideia do ataque focalizado é meio falaciosa, porque a resposta vai acabar arrastando os Estados Unidos a manter mais tropas onde querem tirar.”