Feminicídio: pelo menos 21 casos aconteceram na primeira semana de 2019
Para a Secretária Nacional de Mulheres do PT a situação é ainda mais preocupante com a eleição de Bolsonaro que possui um histórico de discursos de ódio contra as mulheres
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O ano de 2019 começou com dados desumanos que mostram um altíssimo número de feminicídios no Brasil, e isso só na primeira semana. Segundo o levantamento feito pelo pesquisador e doutor em Direito Internacional pela USP, Jefferson Nascimento e divulgado pelo Brasil de Fato, foram contabilizadas e mapeadas ao menos 21 mortes e 11 tentativas de assassinatos de mulheres noticiados na imprensa até o dia 6 de janeiro.
A situação é preocupante, os dados sobre feminicídios vem crescendo nos últimos anos, só em 2017, o país concentrou 40% dos casos da América Latina, de acordo com a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).
Para a Secretária Nacional de Mulheres do PT, Anne Karolyne, se os índices de feminicídios já se encontravam altos depois do golpe, esse momento torna a situação ainda mais grave para as mulheres, porque “antes e durante as eleições já havia um clima de ódio e intolerância que culminaram em diversas manifestações femininas contra as falas machistas de Bolsonaro. Desde o começo ele estimulou o ódio contra as mulheres, inclusive no caso da sua agressão contra a Maria do Rosário, e a misoginia fica clara na forma que ele fala”.
Ela explica que as consequências dos discursos do Bolsonaro são mais perigosas agora que ele foi eleito e possui diversas propostas que colocam em risco a vida das mulheres, como a flexibilização da posse de armas. “A nossa preocupação é que se os homens sem armas já matam as mulheres em casa, imagina com a facilidade de ter a arma ali? Isso é legalizar o feminicídio. A flexibilização da posse de armas é um ataque a vida das mulheres”.
Segundo a secretária, esse momento pede a fortificação da unidade para enfrentar as medidas do novo governo de retirada de direitos que afetam principalmente as mulheres. “A nossa pauta mais forte sempre foi, e especialmente agora é a luta pela nossa vida, e nosso maior desafio é conseguir inverter esses índices que já marcaram o início do ano, e a gente sabe que esse governo ultraconservador embora pregue a questão da família não tem compromisso com a luta das mulheres, por isso precisamos resistir”.
A advogada e socióloga, Fernanda Emy Matsuda, também falou sobre os receios acerca dos riscos a vida das mulheres no governo Bolsonaro e criticou seus posicionamentos arcaicos. Em entrevista ao Brasil de Fato, ela explica que as concepções do presidente podem acabar com a construção de políticas dirigidas às mulheres.
Para ela já houve muita perda com a extinção do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos no governo de Michel Temer (MDB). Com Bolsonaro tende a piorar, já que as propostas para as áreas vão se centralizar no Ministério da Mulheres, da Família e dos Direitos Humanos.
“A mulher deixa de ser sujeito de direito dentro desse novo modelo institucional. A mulher é um componente da família. E muitas vezes, em detrimento dos seus direitos, a política para as mulheres acaba privilegiando o interesse da família. É como se a mulher tivesse que sacrificar sua integridade física, mental e seu direito a uma vida livre de violência em prol desse modelo familiar que se coloca e que é imposto por uma sociedade extremamente machista”, declarou.
A maior parte dos feminicídios ocorridos no início desse ano aconteceu na região sudeste, principalmente nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, e foram cometidos por homens que possuíam algum tipo de relacionamento com a vítima, geralmente namorados ou ex-maridos.
Segundo a pesquisa “Raio X do Feminicídio em São Paulo“, divulgada pelo Ministério Público (SP), 66% dos casos de assassinatos de mulheres são cometidos dentro do ambiente familiar.
Fernanda declarou haver grande interesse por parte da mídia em não noticiar casos de feminicídio, e explicou a importância em não classificar esses crimes como “atos passionais”, pois ao fazer isso, a imprensa tira a atenção de um problema que na verdade é estrutural.
“Quando a gente fala em crime passional, parece que a gente está falando de uma situação em que houve uma explosão, um descontrole emocional, uma descarga de raiva e violência que culminou na morte, na fatalidade. Mas não é isso o que acontece. Esses casos que têm sido divulgado na imprensa mostram que as mulheres vinham há muito tempo, ao longo do relacionamento e da sua vida, sendo vítimas dessa violência”.
3 em cada 10 mulheres assassinadas já haviam sido agredidas
Um estudo inédito do Ministério da Saúde, obtido pelo Estadão, analisou os registros de óbito e atendimentos na rede pública entre os anos de 2011 e 2016 e revelou que três em cada 10 mulheres vítimas de feminicídio eram agredidas com frequência.
A diretora do Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis do Ministério da Saúde, Maria de Fátima Marinho Souza em entrevista ao Estadão, explicou que “vimos que essas mulheres já tinham recorrido aos serviços de saúde, apresentando ferimentos de agressões, se medidas de proteção tivessem sido adotadas, talvez boa parte desses óbitos pudesse ter sido evitada.”
A pesquisa comparou o risco de morte por violência entre mulheres que em algum momento já haviam ido a hospitais e outros locais de serviços de saúde em razão de agressões e entre as que não tinham histórico, e mostrou resultados alarmantes, principalmente no caso de adolescentes, em que o risco de morte por suicídio ou homicídio é 90 vezes maior entre as que já haviam relatado ter sofrido agressões.
Segundo a pesquisa, no período analisado, morreram três mulheres por dia que já haviam acionado algum serviço de saúde por ter sofrido violência.
Lei do feminicídio
Em 2015, a ex-presidenta Dilma Rousseff sancionou a lei que torna hediondo o crime de feminicídio. A pena prevista é de reclusão de 12 a 30 anos, podendo ser aumentada em um terço para o assassino se a vítima estiver grávida ou no pós parto.
A juíza Hermínia Azoury destacou ao Brasil de Fato a importância da lei, mas explica a necessidade de implementar também ações de prevenção e formação. “Essa mudança de paradigma é complicada, mas é possível. Eu sempre bato na mesma tecla, em 25 anos de magistratura e 16 anos de Defensoria Pública: tem que começar pela Educação. E mudança de cultura é uma coisa que tem que ser trabalhada de forma gradual e passando pela Educação”.
Apesar da explicação de especialistas, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL) insiste que alunos do ensino médio não precisam “saber sobre feminismo, linguagens outras que não a língua portuguesa ou história”.
Junto com seu pai, Jair Bolsonaro, o deputado apoia o projeto Escola Sem Partido e é contrário a discussões de gênero nas escolas públicas.
Da Redação da Secretaria Nacional de Mulheres do PT com informações do Estadão e Brasil de Fato