Fernando Haddad: fascismo
Sexo e religião são temas recorrentes do discurso fascista
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Uma certa sociologia crítica, nos anos 1940-50, não tomava o fascismo como forma de organização do Estado ou forma de organização da economia. Preferencialmente, encarava o fascismo como forma política em movimento, considerando a propaganda fascista, em si, objeto de consumo e satisfação.
Para ela, o discurso fascista é astuciosamente ilógico e pseudoemocional, relegando ideias e programas políticos a um papel secundário quando comparados ao impacto psicológico que almeja. Os fascistas apresentam-se como altruístas e incansáveis, pequenos grandes homens que louvam o movimento diante de uma audiência de pobres —mas honestos— de bom senso —mas não intelectuais.
O líder é apresentado como alguém tão frágil como seus irmãos, mas que se fortalece ao confessar sua condição sem inibição. Ele evita formulações que posteriormente tenha que reafirmar, refugiando-se numa imprecisão retórica de caráter totalitário, já que imune às limitações de programas bem delineados.
Os fins são substituídos pelos meios, promovidos pelo discurso fascista que ataca fantasmas e não oponentes reais, sem empregar uma lógica argumentativa, senão um fluxo organizado de ideias que se vinculam por frágil associação. A despeito de seu caráter regressivo, o discurso fascista não é irracional em seu todo. Conscientemente planejado, suas distorções fantásticas o situam no campo da “irracionalidade aplicada”. Há loucura no método.
O discurso fascista viola os tabus que foram impostos ao cidadão “comum”, refletindo-o. Já o líder fascista é levado a sério justamente porque, pela desinibição, arrisca-se a passar por tolo —o que o distingue e pelo que é recompensado. Ele verbaliza o que seus seguidores pensam e sentem, mas não podem exprimir. O fascismo não é, portanto, o resultado de uma hipnose de massa ou mera manifestação do inconsciente. Sua sobriedade cínica denuncia a participação exagerada do “eu” de cada um dos seus seguidores.
Sexo e religião são temas recorrentes do discurso fascista. A indignação com a obscenidade nada mais é do que uma fina racionalização, propositalmente transparente, do prazer que histórias escandalosas proporcionam aos ouvintes. A religião, por sua vez, é invocada para ser colocada a serviço da atitude ritualística do fascismo que dispensa qualquer conteúdo dogmático específico. O fascismo se interessa pelo “corpo”, não pelo “espírito” da religião.
O fascismo se reduz, assim, ao culto do existente, que transforma até a doutrina cristã em slogans de intolerância a tudo que o ameace.
Faz pensar.
Fernando Haddad é professor universitário, ex-ministro da Educação (governos Lula e Dilma) e ex-prefeito de São Paulo.
Artigo originalmente publicada na Folha de S. Paulo