Foi preciso que uma publicação estrangeira reconhecesse o que Haddad vem fazendo em SP
O Wall Street Journal – conservador, pertencente a Murdoch – disse que em cidades mais mentalmente arejadas Haddad seria reconhecido como um “visionário urbano”. Mas São Paulo, minha São Paulo,…
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O Wall Street Journal – conservador, pertencente a Murdoch – disse que em cidades mais mentalmente arejadas Haddad seria reconhecido como um “visionário urbano”.
Mas São Paulo, minha São Paulo, a cidade onde nasci e onde hei de morrer, bem, a cidade hoje é um monstro. Era uma cidade popular, corintiana, à frente do resto do país em dinamismo, pujança e capacidade de trabalho.
Virou uma cidade reacionária, raivosa, preconceituosa e, sob muitos aspectos, obtusa. Haddad inventou a bicicleta em São Paulo, e você pode dizer: demorou.
São Paulo quase não anda por causa de congestionamentos monstruosos, que entre outros efeitos poluem criminosamente a cidade. Era óbvio que a cultura da bicicleta tinha que surgir como resposta ao pesadelo cotidiano de motores parados e motoristas neurotizados.
Sim, era óbvio. Londres, Paris, Nova York – todas as grandes metrópoles do mundo fizeram isso, no rastro dos exemplos extraordinários de Copenhague e Amsterdã.
Mas o que fizeram os antecessores de Haddad, notadamente Serra e Kassab? Nada.
Kassab, pelo menos, não se vangloria de ser um cérebro à frente de seu tempo. Mas Serra sim. E a verdade é que, você vendo sua folha corrida, Serra é exatamente o oposto.
Ele nunca fez nada que prestasse. São Paulo, sob ele, foi a cidade das árvores e faróis destruídos a cada chuva, dos pernilongos em festa – e dos automóveis caoticamente ocupando as ruas. Quando Serra falou em mobilidade urbana quando prefeito?
São Paulo virou a cara de Serra, em suma. Se Serra teve sempre maciço apoio da imprensa para gerir bisonhamente São Paulo, Hassad enfrentou desde o início um brutal ataque.
Ele teve, de saída, uma iniciativa brilhante para enfrentar um dos dramas paulistanos: a desigualdade. Montou um plano segundo o qual o IPTU de bairros periféricos seria reduzido em troca da elevação da taxa das zonas mais ricas.
Já aí ele mereceria aplausos. Mas aconteceu o oposto. A imprensa crucificou Haddad, e os paulistanos mais abastados reagiram de uma forma pateticamente egoísta e míope.
Só que Haddad estava certo. Assim como está coberto de razão na bicicleta.
Passada esta fase sinistra de São Paulo, superado o ódio dos que batem panelas e vestem roupas da CBF para manifestações pedir a volta dos militares, se verá o quanto Haddad acertou ao criar a cultura da bicicleta entre os paulistanos.
É possível, e até provável, que ele não consiga se reeleger em 2018. Será uma pena, uma imensa pena para a cidade.
Caso ele não ganhe um segundo mandato, será por causa de suas virtudes – por ser um visionário urbano, como definiu o WSJ, numa terra tão reacionária.
(Artigo inicialmente publicado no dia 24 de setembro de 2015, no Diário do Centro do Mundo)
Paulo Nogueira é diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo