Fome atingiu 15% dos lares brasileiros no fim de 2020
Estudo aponta que mais de 31 milhões de pessoas se encontravam nessa condição no último trimestre do ano. Situação vem piorando desde o golpe contra Dilma Rousseff, em 2016
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Na era Bolsonaro, tudo o que é ruim pode piorar. Após levantamento da Rede Penssan, apresentado no último dia 5, identificar 116,8 milhões de brasileiros em situação de insegurança alimentar e 19 milhões passando fome no ano passado, outro estudo, coordenado pelo Grupo de Pesquisa Alimento para Justiça, aponta 59,4% dos domicílios, ou 125,6 milhões de pessoas, na mesma condição entre agosto e dezembro de 2020.
A pesquisa ‘Efeitos da pandemia na alimentação e na situação da segurança alimentar no Brasil’ revela ainda que 15% desses lares, ou 31,7 milhões de pessoas, chegaram a relatar falta ou redução da quantidade de alimentos até para as crianças. Essa é a condição que caracteriza insegurança alimentar grave, o termo técnico para a fome.
Alimentos mais caros foram os mais afetados: 44% dos domicílios reduziram o consumo de carne, 40,8% reduziram o consumo de frutas e 40,4% reduziram o consumo de queijo. Quase um terço (36,8%) teve que diminuir as compras de hortaliças e legumes. O ovo sofreu redução, mas menor: 17,8% dos lares passaram a comprar menos ovo, enquanto 18,8% aumentaram o consumo, o maior crescimento da lista.
Beneficiários do Bolsa Família são os mais atingidos
Beneficiários do Bolsa Família são os que enfrentam os maiores níveis de insegurança alimentar no país, com 88,2%. Destes, 35% passam fome e outros 23,5% convivem com nível moderado de insegurança alimentar. Casas com crianças de até 4 anos apresentam índices ainda mais críticos do que a média nacional: 70,6% em insegurança alimentar, com 20,5% passando fome.
O Grupo de Pesquisa Alimentos por Justiça: Poder, Política e Desigualdades Alimentares em uma Bioeconomia é formado por acadêmicos da Universidade Livre de Berlin, e a pesquisa foi desenvolvida em conjunto com pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Universidade de Brasília (UnB).
Eles concluíram que as instabilidades socioeconômicas foram agravadas pela pandemia e acentuaram desigualdades alimentares, especialmente o acesso a alimentos saudáveis. O estudo associa o baixo consumo desses alimentos ao surgimento de doenças crônicas.
A pesquisa também revela que, sem o auxílio emergencial de R$ 600, a insegurança alimentar teria sido ainda maior. Entre os entrevistados, 52% contaram com ao menos uma parcela do benefício. Para 63% deles, o dinheiro foi usado para comprar comida, e 27,8% o utilizaram para pagar contas básicas e dívidas.
Golpe e Bolsonaro expandiram a fome no país
Os resultados confirmam ainda o retrocesso ao passado de insegurança alimentar no Brasil desde o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, em 2016. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2017-2018 a taxa estava em 36,7%, se distanciando da série histórica medida desde 2004, quando a insegurança alimentar estava em 34,9%. O índice caiu para 30,2% em 2009 e chegou ao piso de 22,6% em 2013.
Antes da pandemia, os domicílios nessa condição já consumiam de forma irregular (menos de cinco vezes por semana) carnes (72,6%), hortaliças e legumes (67,2%), frutas (66,5%) e queijos (62,5%).
“Faz ao menos quatro anos que vemos o aumento da insegurança alimentar. Isso significa que uma criança pequena passou a primeira infância inteira em situação de insegurança alimentar moderada ou grave”, afirma Renata Motta, professora de sociologia da Universidade Livre de Berlim e coordenadora do estudo, resgatando os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad 2017-2018), que evidenciou o aumento da fome no país.
“Há três anos, quando submetemos a proposta do projeto, o Brasil vivia uma situação muito diferente da de hoje. Ainda que naquele momento já tivéssemos evidências da piora da situação da segurança alimentar e nutricional, o país ainda era referência nas suas políticas e gestão de promoção da segurança alimentar”, afirmou Marco Antonio Teixeira, sociólogo e coordenador científico do grupo de pesquisa, durante a apresentação do levantamento.
Na avaliação de Renata Motta, para além dos efeitos da pandemia, o quadro é agravado por decisões políticas que desde 2016 desmantelaram estruturas do Estado e políticas públicas destinadas a reduzir a insegurança alimentar no Brasil.
A socióloga cita como exemplos as extinções do Ministério de Desenvolvimento Agrário, em 2016, por Michel Temer – um dia após o afastamento de Dilma – e do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável (Consea), em 2019, por Jair Bolsonaro – no dia em que tomou posse. “O que estamos vivendo são as consequências dessas escolhas”, conclui.
Da Redação