Impacto da inflação é maior para mais pobres e causa endividamento recorde
Refém dos bancos, famílias consomem menos, em busca da sobrevivência em meio ao desemprego e à informalidade. Sem investimento, economia não deslancha
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O Índice de Preços ao Consumidor – Classe 1 (IPC-C1), que mede o impacto dos preços entre famílias com renda mensal de até 2,5 salários mínimos quase dobrou entre novembro e dezembro, de 0,56% para 0,93%. A alta nos alimentos, em especial da carne – que subiu 17,7% no mesmo período –, deve continuar pressionando a inflação para os mais pobres em 2020. Esse comprometimento de uma parcela maior da renda com gastos essenciais tem levado ao aumento do endividamento.
De acordo com Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), divulgada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), 65,6% das famílias têm algum tipo de dívida, a maior parte – 79,8% – no cartão de crédito. Trata-se do maior nível desde janeiro de 2010, quando a começou a pesquisa.
No ano de 2019, o IPCA acumulado ficou em 4,31%. Alimentos e bebidas pesaram mais no bolso e o preço da carne saltou 32,4%.
Segundo a economista Marilane Teixeira, pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas (Cesit-Unicamp), é um cenário “perverso”, que combina estagnação econômica – baixo crescimento – e elevação dos preços. Com as altas taxas de juros cobradas pelos bancos, as dívidas viram “uma bola de neve”, o que compromete ainda mais a capacidade de consumo das famílias. Sem consumo, as empresas produzem menos e não contratam, reforçando o círculo vicioso da economia, que se mantém a partir da informalidade e empregos precários, que pagam os menores salários, nos setores de comércio e serviços.
“Cada vez mais as pessoas comprometem a sua renda com alimentos e para fazer frente a outras despesas, precisão se endividar. No cartão de crédito e para o cheque especial, as taxas mensais variam de 3% até 16% ao mês, o que representa 498% anualmente. É um círculo totalmente vicioso. A indústria não está gerando empregos. Os setores que estão gerando empregos são os setores do comércio e serviço, mas de forma vulnerável, a maior parte por meio de aplicativos”, destacou a economista em entrevista à Rádio Brasil Atual, nesta sexta-feira (10).
A atividade industrial e os números da balança comercial brasileira também revelam números desanimadores para 2020. Em novembro, a indústria teve o pior resultado desde novembro de 2015, com queda de 1,2%, segundo dados do IBGE. De acordo com o ministério da Economia, a balança comercial registrou superávit de 46,7 bilhões, em 2019, pior resultado desde 2015.
O quadro econômico ainda é agravado, segundo Marilane, pela falta de investimento público, que também chegou ao menor patamar histórico. Apesar das reformas trabalhista e da Previdência, a enxurrada de investimento privado também não veio, o que torna leva a professora a projetar um panorama desanimador para a economia brasileira no próximo ano.
“O cenário é muito negativo, e a possibilidade que isso se reverta em 2020 é muito pequena, também por conta das instabilidades no cenário internacional. Teríamos que ter um Estado que retomasse a atividade econômica, a partir da retomada do investimento público e da ampliação das políticas públicas, o que infelizmente, com esse governo, é praticamente impossível de acontecer. Vamos precisar de um outro tipo de política econômica para que a situação possa se alterar.”