Parasita Bolsonaro vai ‘inaugurar’ obra de Lula e Dilma

Parasita de projetos alheios, o presidente vai pela primeira vez ao Ceará para inaugurar um trecho da Integração do Rio São Francisco e sobrevoar a ferrovia Transnordestina, dois empreendimentos emblemáticos dos governos do PT

Ricardo Stuckert

Lula tirou a Transposição de papel depois de um século de promessas

Muito comum em toda a América Latina, o chupim é um pássaro conhecido que deu nome a uma canção de Renato Teixeira (‘Vira bosta’) e “é provavelmente a ave mais odiada do Brasil, principalmente por causa de seus hábitos reprodutivos parasitários, pois nunca cuida de seus próprios ovos, sempre os botando nos ninhos de outras aves para que elas criem seus filhotes”, segundo o site Wikiaves.

Nesta sexta (26), o presidente Jair Bolsonaro fará um voo de chupim até Penaforte, no sul do Ceará, para inaugurar uma das obras-símbolo do governo Lula: um trecho da Integração do Rio São Francisco. Também sobrevoará um trecho da ferrovia Transnordestina, outro megaempreendimento iniciado no governo Lula.

Penaforte, cidade com nove mil habitantes, tem dez casos confirmados e três óbitos por Covid-19 registrados até esta quarta (24). Em todo o estado, já são quase cem mil casos confirmados, com 5.815 óbitos contabilizados pela Secretaria Estadual de Saúde.

Desgastado pelos mais de 50 mil óbitos por coronavírus e pelas investigações envolvendo a família, Bolsonaro aposta em viagens para inaugurar obras públicas como forma de tentar conter a deterioração da imagem. Será sua primeira visita ao Ceará, para participar do momento de chegada das águas do Rio São Francisco ao estado.

A intenção do presidente é construir pontes com a população do Nordeste, onde obteve menos votos nas eleições de 2018. Os políticos aliados da região lhe garantiram que o auxílio emergencial para trabalhadores informais, que ele inicialmente queria fixar em R$ 200, é tratado como o “dinheiro do Bolsonaro” pelos moradores do Nordeste.

Lula e Dilma em visita às obras da Transposição do São Francisco. Foto: Ricardo Stuckert

Durante um século houve uma parte da classe política brasileira que se conformava que uma parte do Brasil fosse rica e a outra parte do Brasil fosse pobre. Parece que estava escrito na Bíblia que nós, nordestinos, tínhamos nascido para sofrer. Parece que estava escrito em algum lugar que nós éramos uma raça de segunda categoria e, portanto, nós não deveríamos receber os benefícios que todos os 180 milhões de brasileiros têm direito de receber. Eu sei o que é essa discriminação

Lula

Parlamentares do estado que fazem oposição ao governador Camilo Santana (PT) comemoram o momento. “O presidente precisa conquistar o Nordeste e investir aqui. Ele tem de repetir algo que foi feito nos outros governos: cativar o povo. Os nordestinos precisam ver o lado trabalhador do Bolsonaro”, comentou o deputado federal Dr. Jaziel (PL), sem explicar o que esse “lado trabalhador” já produziu de própria lavra.

O cientista político e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Paulo Baía acredita que Bolsonaro tentará aumentar o ritmo de viagens para gerar agendas positivas e, também, prestigiar políticos regionais aliados que concorrem às eleições municipais. “A frequência de viagens deve aumentar, pois obras de infraestrutura são grandes e importantes para partidos fisiológicos e servirão, principalmente, para Bolsonaro dar prestígio e protagonismo a esses parlamentares”, apontou.

O cientista político Geraldo Tadeu Monteiro, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), acredita que a estratégia pode fracassar. “Já se passou um ano e meio, e a avaliação dele no Nordeste continua pior do que nos outros locais. O risco de essa agenda não surtir efeito algum é bem maior”, aposta.

Monteiro lembra que Bolsonaro ainda não visitou os locais mais atingidos pela Covid-19, o que também pode atrapalhar as pretensões dele. “Em nenhum momento, ele refere-se à pandemia. Está indo inaugurar obra que nada tem a ver com a situação sanitária do país, e segue na linha negacionista. Está tentando criar uma outra agenda positiva do ‘Brasil que trabalha e constrói’, indo de encontro ao discurso da pandemia, de isolamento, de prevenção e do alto número de casos e mortes”, ponderou.

Segundo o professor, os inquéritos judiciais que investigam aliados, as demissões ministeriais e a prisão de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro, deixaram o chefe do Executivo com uma margem menor para criar fatos.

“Ele está mais contido. Resolveu tentar uma manobra diversionista mais ampla. Com certeza, será um evento bem articulado para que não haja oposição e manifestações contrárias, mas, ao mesmo tempo, parece uma saída um pouco improvisada, indo para um lugar onde foi amplamente derrotado em 2018. O dividendo político que ele vai obter com a viagem é duvidosa, quase nula”, avalia o professor da Uerj.

Ao agradar parlamentares aliados, Bolsonaro também tenta se blindar no Congresso de um eventual processo de impeachment, caso os desdobramentos da prisão do policial militar reformado Fabrício Queiroz agravem a atual crise política.

Queiroz foi preso em um imóvel em Atibaia (SP) pertencente ao advogado Frederick Wassef, responsável pelas defesas de Flávio e de Bolsonaro até o domingo passado (21). Além de o policial reformado ter sido preso preventivamente, há mandado de prisão contra a mulher dele, Márcia Aguiar, que foi assessora de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

Obras da Transposição do São Francisco. Foto: Reprodução

Projeto São Francisco e Ferrovia Transnordestina

Em 4 de junho de 2007, o Batalhão de Engenharia do Exército iniciava as obras de construção do Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional (Pisf). O projeto consiste na alteração do curso de pequena parte da vazão do rio para perenizar mais de mil quilômetros de cursos d’água em 390 municípios de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte.

O Projeto do São Francisco se conjugaria a outras ações de convivência com a seca, como a construção de adutoras e abdutoras no Piauí, na Paraíba e em Alagoas, o Eixão e Cinturão das Águas, no Ceará, e o Programa 1 Milhão de Cisternas, em todo o semiárido. Parte do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC), o projeto se tornou a maior obra de infraestrutura no país.

Quando concluído, o projeto vai garantir o abastecimento de água de grandes centros urbanos da região, como Fortaleza, Juazeiro do Norte e Crato no Ceará, Mossoró no Rio Grande do Norte, João Pessoa e Campina Grande na Paraíba, Caruaru em Pernambuco, e de centenas de pequenas e médias cidades da região do Semi-árido.

Em 26 de julho de 2011, a então presidenta Dilma Rousseff publicou o Decreto nº 7.535, criando o programa Água para Todos, que reuniu medidas preventivas e corretivas contra a seca no âmbito da Integração do São Francisco. Também conhecido como Programa Nacional de Universalização do Acesso e Uso da Água, o plano estabeleceu parcerias com governos estaduais e municipais para levar água a pelo menos 750 mil famílias.

Segundo dados do Ministério da Integração Nacional, entre 2011 e março de 2015, foram construídas mais de 933 mil cisternas, resultado quase 25% acima da meta. Foram 823 mil cisternas voltadas para o consumo e outras 110 mil cisternas para a produção de alimentos. O investimento foi de R$ 4,2 bilhões.

Outra grande obra dos governos do PT para o Nordeste é a Ferrovia Nova Transnordestina, que terá capacidade de transportar 30 milhões de toneladas de carga por ano, por 2.278 quilômetros de extensão, dos quais 1.728 quilômetros de novas vias, passando por 33 municípios pernambucanos, 19 piauienses e 29 cearenses.

Também parte do PAC, a Transnordestina inicia-se no município de Eliseu Martins (PI), e vai até o município de Salgueiro (PE). Neste ponto, ela bifurca-se em dois traçados: um em direção ao Porto de Pecém, no Ceará, e o outro em direção ao Porto de Suape, em Pernambuco. O projeto prevê a interligação com a Ferrovia Norte-Sul a partir de Eliseu Martins até Estreito (MA) e ainda a remodelação de 550 quilômetros de ferrovia entre os municípios de Cabo (PE) e Porto Real do Colégio (AL).

O marco zero da Ferrovia foi lançado em 6 de junho de 2006, em Missão Velha (Ceará). Na ocasião, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que ela seria um marco a mais na redenção do Nordeste.

“Durante um século houve uma parte da classe política brasileira que se conformava que uma parte do Brasil fosse rica e a outra parte do Brasil fosse pobre. Parece que estava escrito na Bíblia que nós, nordestinos, tínhamos nascido para sofrer. Parece que estava escrito em algum lugar que nós éramos uma raça de segunda categoria e, portanto, nós não deveríamos receber os benefícios que todos os 180 milhões de brasileiros têm direito de receber. Eu sei o que é essa discriminação”, afirmou Lula.

“Eles precisam saber que este país nunca mais voltará a ser o mesmo, este país conquistou o direito de progredir, este país conquistou o direito de se desenvolver. O povo aprendeu, não apenas a gritar que está com fome, mas o povo aprendeu a ir atrás da comida. E este povo quer apenas o quê? O nosso povo, ele quer apenas o direito de trabalhar, o direito de estudar, o direito de criar sua família”, garantiu o então presidente, que concluiu o pronunciamento fazendo uma constatação que se confirmaria anos depois: “Quando a gente tenta criar um novo Brasil, os defensores do velho Brasil vão ficando irritados, vão ficando nervosos”.

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