Inflação alta e renda baixa derrubam ações de redes varejistas
Sem dinheiro e endividados, consumidores reduzem as compras ao mínimo, e estagnação do comércio faz títulos desabarem. Alta dos custos é repassada aos preços
Publicado em
A incapacidade do desgoverno Bolsonaro em deter o avanço da inflação, com a consequente queda da renda da população, transformou as ações das grandes redes do comércio varejista, antes “cisnes” das bolsas de valores, em “patinhos feios” dos analistas. O salto das vendas pela internet observado no início da pandemia tornou-se agora um grande tombo das ações negociadas no mercado financeiro.
Em 18 meses, as ações da Via Varejo, dona de Ponto Frio e Casas Bahia, recuaram 82%, e as da Americanas, 80,23%, aponta reportagem do jornal O Globo. No mesmo período, os papéis do Magalu acumularam queda de 87,91%. Após valorizarem 91.300% entre 2015 e 2020, os papéis do Magazine Luiza recuaram 71% somente em 2021. Este ano, até a quarta-feira, a queda era de 54,3%.
O baixo desempenho tirou a presidente do conselho da Magalu, Luiza Trajano, da lista de bilionários da Forbes, e a fez divulgar um vídeo pedindo a volta dos clientes. A rede obteve uma receita de R$ 8,762 bilhões no primeiro trimestre, contra R$ 8,252 bilhões no mesmo período de 2021 – crescimento (6%) abaixo da inflação.
LEIA MAIS: A estagnação de Guedes: inflação e endividamento travaram compras em maio
A situação também é ruim para Via Varejo. As ações caíram 67,5% em 2021, e neste ano a queda chega a 47,6%. As receitas encolheram 2% no primeiro trimestre em relação ao mesmo período de 2021, enquanto o lucro líquido desabou 90%.
O “boom” do comércio eletrônico após a pandemia perdeu força rapidamente neste ano, com a alta dos custos logísticos (frete mais caro devido aos combustíveis dolarizados) e de mídia. Os primeiros recuos, inesperados, ocorreram já em abril (-6,4%) e maio (-1%), aponta a empresa de pesquisas MCC/Neotrust. Os analistas previam desaquecimento, mas não recuos seguidos.
E quanto mais clientes nas classes C e D, maior o impacto sobre as vendas. A combinação de desemprego, inflação e taxa básica de juros (Selic) em dois dígitos limitou as compras dessas pessoas ao estritamente necessário. Em maio, o volume de vendas acumulou queda de 0,4% em 12 meses, revela a Pesquisa Mensal de Comércio (PMC), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“A receita pode crescer porque o preço dos produtos subiu também, mas essas empresas estão vendendo menos em quantidade. Então, não compensa a inflação”, explica o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) William Eid.
Se dificultam as intenções de consumo da população, os juros altos também elevam as despesas das empresas. O estrategista em renda variável da Senso Corretora, João Augusto Frota, lembra que a maior concorrência internacional no e-commerce ano passado fez algumas empresas brasileiras reduzirem a margem de lucro. Mas agora a alta dos custos as pressiona a repassar as despesas aos preços.
“Vimos um impacto muito forte em despesas para essas empresas, porque elas trabalhavam alavancadas financeiramente”, diz Frota. “O mercado já sabe que a inflação vai arrochar ainda mais o consumidor em 2023, além de pressionar as despesas. O efeito vai ser no consumo”, conclui o analista.
Alavancagem insustentável em tempos de economia parada
Chefe de pesquisas da Guide Investimentos, Fernando Siqueira lembra que as chamadas empresas de crescimento, que buscam crédito no mercado para se expandir, custam caro para os investidores. Estes só apostam nelas se houver perspectiva de ganho.
“Na média, as empresas do Ibovespa valem 12 vezes o lucro que elas geram. No caso das empresas de crescimento, essa proporção é de 20 a 30 vezes”, enumera o economista. “O Magazine Luiza chegou a cem vezes seu lucro, porque se considerou que iria crescer muito. Esse nível não é sustentável.”
As Lojas Americanas são um exemplo. Embora tenha elevado a receita líquida em 28,4%, frente a uma alta de 17% das despesas, as ações caíram 58,2% em 2021 e recuam 44,2% este ano. “Era uma empresa muito cara, negociada de 50 a 100 vezes o lucro, e que não estava crescendo tanto para justificar isso”, afirma Siqueira.
LEIA MAIS: Inferno de Bolsonaro: 97% da população economicamente ativa devem 1 triilhão
As varejistas de moda são exceção. Após as quedas das vendas devido às medidas restritivas da pandemia, consumidores agora precisam de roupa para trabalhar e para os filhos, que cresceram.
As redes que focaram em classes mais altas foram as mais beneficiadas. Os papéis da Arezzo, por exemplo, acumularam ganho de 13,9% em 2021 e avançam 4% este ano. A Renner, depois da queda de 37,4% em 2021, apostou em coleções premium e agora vê as ações acumularem alta de 10% desde janeiro.
A Riachuelo, por sua vez, teve desvalorização de 31% em 2021 e de 16,7% este ano. A C&A, voltada para a classe média, amargou queda de 52,3% no ano passado e, desde janeiro, de 56,2%.
A inadimplência é outra preocupação. Entre maio de 2021 e maio de 2022, a “lista suja” do Serasa Experian cresceu em quatro milhões de pessoas. Em maio, 66,6 milhões de consumidores, ou 31% da população, não conseguiram pagar suas contas.
LEIA MAIS: Com perda de renda, inadimplências continua crescendo no comércio
Ao jornal Valor Econômico, Tulio de Queiroz, diretor financeiro da Guararapes, dona da rede Riachuelo, afirmou que “houve percepção de aumento de inadimplentes, como reflexo da questão macroeconômica”, já no primeiro trimestre.
No período, o percentual de títulos vencidos sobre a carteira total de concorrentes do ramo têxtil como as Lojas Renner atingiu 22,1% nos primeiros três meses do ano, contra 19,1% em 2021. Na C&A, a inadimplência do cartão próprio foi de 5,3% – uma alta de 4,2 pontos percentuais em comparação ao primeiro trimestre do ano passado.
Da Redação, com informações de O Globo