João Santiago: O PT e o PT na história do Brasil
O PT é, apesar de tudo, a maior e mais efetiva experiência democrática da história brasileira
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O que somos daquilo que queremos ser e em que medida somos responsáveis por aquilo que nos tornamos? O PT e o PT na história do Brasil
“Transformar militantes,
com seus vícios e costumes,
Em educadores populares,
não é uma tarefa de curto prazo.
Exige tempo, paciência e crença no ser humano”.
(SANTIAGO, 2008, p 45)
A história do Brasil é uma constante presença de ditaduras, escolas de opressões de opressores, e exclusões, exílios e malvadezas que por si só, retratam este infame regime político. A nossa ausência de cultura democrática, o forte fundamentalismo religioso, a alienação política quase como identidade nacional e a corrupção como ideologia disfarçada de virtude, nos faz uma república de bananas com a síndrome de vira lata. O PT nasceu clandestino, perseguido e de parto normal e no meio de tudo isso.
O que vem dizendo o Presidente Lula é de extrema importância para o momento de muitas perguntas e incertezas em que vive o PT hoje. Diz Lula: “eu sempre tive uma convicção de que eu não podia errar!” A questão é que tem pouca gente no partido, perguntando e se perguntando, por quê? “Nenhuma “ordem” opressora suportaria que os oprimidos da terra todos passassem a dizer: “por quê?””. (FREIRE, 2006, p 87). O fato é que o PT não apenas se afastou dos seus princípios, das suas fontes originais e dos seus ideais, mas, sobretudo a partir de suas executivas os nega e na prática os esqueceu. E que fontes e princípios e ideais são estes? As bases proféticas, os princípios de diálogo, de esperança e de confiança. Os ideais de solidariedade e de companheirismo, para citar apenas alguns.
Os núcleos, antigas oficinas de construção de militantes e de sonhos, onde se esperançava a esperança, foram, quando não abandonados, resumidos a extensão daquilo que se tornou a principal patologia partidária: o mandatismo, que por sua vez, faz dos mandatos o único meio de existenciamento partidário, a única forma de se expressar. O único lugar de decisões, porque nem discussões existem, apenas acordos.
Quem não tem um mandato, ou não está exilado (cooptado?) por um deles, não tem voz, não tem vez e não existe, portanto, para o PT hoje. Essa é uma verdade não aceita e, portanto não assumida, mas que vem asfixiando a utopia socialista petista. Vivemos o paradoxo de ter excelentes parlamentares e gestores, até bons mandatos, mas que, na prática, prescindem do partido e que, grosso modo, o veem mais como um mal necessário. Difícil encontrar alguém que o defenda. O mandatismo loteia, fatia as composições executivas, de forma que, na maioria das vezes, o partido são os mandatos. Onde deixamos a nossa principal identidade de formar opinião, de fazer o debate político-ideológico na sociedade? Cadê a formação política? Ainda sabemos o que é Trabalho de Base? Para que servem mesmo os mandatos? Qual é a função das executivas municipais, estaduais e nacional? Os núcleos são coisas do passado? O PT também vive o “Pós-verdade?”.
A professora Liana da Frota Carleial nos adverte que, “Pós-verdade foi definida, então, como um adjetivo “que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e às crenças pessoais”. Assim, aos poucos, a verdade torna-se irrelevante e a manipulação passa a ser regra do jogo político”. (CARLEIAL, 2016, (org.) p 4).
A derrota do PT não está ou estará tanto nas denúncias de corrupção contra meia dúzia de três ou quatro de seus membros, seja ou não eles culpados, por mais que elas sejam estendidas a todos os militantes pela mídia demoníaca. Antes poderá está na incapacidade do próprio PT de exorcizar os demônios que o cercam e que estão dentro dele. Aqueles que nos acusam e nos condenam, o fazem não porque queiram ou representem o bem, ou por causa de nossos erros, mas porque estão sob o espírito maligno do ódio, da discórdia e do poder pelo poder.
Como nos lembra o biblista Ildo Bonh Gass, “Para o Evangelho de João, as autoridades judaicas e romanas que condenaram Jesus estão sob a dependência de satanás, são filhos do diabo” (BONH GASS, 2013, p 58). Quando ouvimos e vemos do que a elite brasileira tem sido capaz de fazer com a democracia, a gente entende melhor a maldição que este país vive sob a mesquinhez de suas elites. Diante da melancolia (Kafkiana?) em que vive o PT, mas, sobretudo, diante do isolamento e da solidão em que ele se encontra, precisamos aprender com o personagem Gregor Samsa de “A Metamorfose” de Franz Kafka, “Vamos, Gregor, força” (KAFKA, 2006, p33) e adotarmos como grito de guerra de uns para com os outros. Vamos, companheiro, força! Vamos, companheira, força! Que lugar nós reservamos para intelectuais orgânicos como Frei Betto, que iluminam e estimulam a nossa Inteligência amorosa e o nosso espírito revolucionário? “Minha esperança não se ancora em teorias políticas, ideologias ou promessas eleitorais. Tem raiz ética: mais que qualquer corrupção, envergonha-me, como ser humano, a miséria coletiva. Todos têm direito a uma vida digna. A desigualdade social me repugna. É uma ofensa à condição humana” BETTO, 2006, p 127). Faltam-nos semeadores de sonhos e de utopias, como Frei Betto. Despojados de interesses pessoais e de competição.
O que fazemos de nossos mártires em vida? São homens e mulheres cujas histórias são salmos de caminhada, testemunhos de resistência, de luta e de ética. O que fazemos de Patrus Ananias (MG), de Eduardo Suplicy (SP), de Dr. Rosinha (PR), José Pimentel e Elisiane (CE), Wellington Dias (PI), Manuel da Conceição (MA), Olívio Dutra (RS), e inúmeros outros e outras que como dizia Florestan Fernandes, “foram coerentes até o fim”. Como anda a nossa solidariedade com os/as perseguidos pela onda bestial de direita e antipetista, antipobre e antidemocracia que jamais deu trégua nem ao PT, nem ao petismo, tampouco aos mais pobres? Quando acusam, perseguem e torturam um/a dos/as nossos/as companheiros/as, nosso silêncio e nossa omissão é quem primeiro os condena.
Os acusadores, covardes como lhes é comum por índole, descobriram cedo que não somos mais capazes de correr riscos, seja uns pelos outros, ou pelo partido. Por isso vomitam ódio e ensinaram a população comer este vômito como se fosse o Maná que cai do céu. O Lula pode muito! Muito mais do que muitos de nós acredita, mas ele não pode tudo sozinho. O estado de letargia, a acefalia em que se encontra o PT é preocupante. Imagine, por exemplo, hipoteticamente que fiquemos seis meses sem os diretórios municipais e estaduais. Que falta eles nos fazem? O personagem (metafórico?) da novela de Leon Tolstói, me incomodou e me fez escrever este texto. Vejamos um trecho,
O morto jazia, como os mortos sempre jazem, pesadamente, seus membros endurecidos afundados dentro do caixão, a cabeça recostada eternamente no travesseiro, sua testa de cera amarelada, com sulcos acima das têmporas afundadas, sobressaía-se, como acontece nos mortos, e o nariz proeminente parecia pressionar fortemente o lábio superior. Estava bastante diferente da última vez que o vira, mas, como sempre acontece com os mortos, o rosto estava mais bonito e principalmente mais expressivo do que quando vivo (TOLTÓI, 2011, p.10).
Tenho visto e principalmente ouvido nossas lideranças parlamentares, sobretudo, pregarem um dos pregos na cruz de nossos mártires. “Quem errou tem que pagar, tem que ser preso mesmo”, dizem isso por aqui, por exemplo, sobre o Zé Dirceu, de quem, com raríssimas exceções, não são dignos nem de segurar o seu chapéu. O Zé já está condenado a prisão perpétua, sem que nenhuma prova se tenha apresentado contra ele. Apenas as convicções da republiqueta de Curitiba e os caprichos de um playboy-justiceiro e mimado, bancado pelo PSDB e pelos Estados Unidos.
Mas, mesmo solidário com o martírio de Zé e de Lula, do PT e de muitos petistas que ainda se mantêm capazes de “amar as pessoas como se não houvesse amanhã”, reconheço que estamos pagando pelo que fizemos de bom. O PT está vivendo o martírio vivido por todos, pessoas ou instituições que ousaram lutar contra a ganância, o egoísmo, a injustiça e assumir a causa dos pobres. Está bem que não foi o PT, mas o Lula o grande defensor dos pobres, se não erradicando a miséria, mas mostrando que isto é possível. No âmbito teológico-pastoral, nós levamos a cabo o que dizia o Papa Paulo VI, na Encíclica Populorum Progressio, “Ajudar o homem a passar de situações menos humanas a mais humanas” (PP nº 20). É isto o que os desumanizados pela ganância não suportam e não compreendem. Mas os desumanizados pela miséria e pela exclusão não esquecerão.
Concluindo esta reflexão resta-nos continuar acreditando no ser humano e na sua capacidade de fazer o bem. O PT tem grande responsabilidade e, mesmo desconfiando, a população pobre brasileira tem grande gratidão aos treze anos de governo com democracia e liberdade gerando inclusão social. Terá o PT a capacidade de praticar a exigência freireana feita a qualquer liderança revolucionária, a humildade de admitir que também errou, descobrir aonde e fazer o caminho de volta para recomeçar?
Estarão dispostos os mandatos a se colocarem a serviço da reconstrução da identidade partidária, em que o nós ressuscite, reconhecendo que os inimigos da justiça e da liberdade, estão nos partidos de direita, na mídia e no judiciário, ilhas de privilégios e impunidades, e não nos grupos de base que vivem à margem da discussão filosófica e ideológica partidária? Às vezes sendo acusada de ser contra o “Projeto do Partido” e, até pouco tempo, contra o governo? Admitiremos que por falta de saber escutar, de por ignorar o diálogo, não temos, sequer, projeto e que o partido não soube diferenciar-se do governo, confundindo-se frequentemente com ele? O PT é, apesar de tudo, a maior e mais efetiva experiência democrática da história brasileira. Isto ninguém nos tira, mas, o que faremos com isso? Lembremos o incrível Wandré, para encerrar esta reflexão. “Vem, vamos embroa, que esperar não é saber. Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. É hora de profetizar e de assumir a maturidade política. Assumir as responsabilidades, inclusive pelos erros, como adultos admitirmos que somos seres inacabados.
Referências
– BETTO, Frei. A mosca azul – Reflexão sobre o Poder. Rio de Janeiro: Rocco, 2006.
– CARLEIAL, Liana Maria da Frota; OPUSZKA, Paulo Ricardo; KANUFRE, Rosana Aparecida Martinez (Orgs.). Políticas e Ações Deliberativas em Curitiba: diálogo – confiança – mediação. Curitiba-PR: Prefeitura Municipal de Curitiba – Instituto Municipal de Administração Pública, 2017.
– FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra 44ª edição, 2006.
– GASS, Ildo Bonh. Satanás e os Demônios na Bíblia. São Leopoldo-RS: CEBI,2013.
– KAFKA, Franz. A Metamorfose – seguido de O VEREDICTO. Floresta-RS: Coleção L&PM Pocket, vol. 242, 2006.
– SANTIAGO, João Ferreira. Chuvas de Prata – Reflexões de um Poeta. Curitiba-PR: Editora e Gráfica Popular, 2008.
– TOLTÓI Leon. A Morte de IVAN ILITCH. Coleção L&PM POCKED, Porto Alegre-RS: vol. 16, 2011.
Por João Santiago, teólogo, poeta e militante, membro e assessor das CEBs e do CEBI no Paraná, filiado ao PT há mais de trinta anos, mestre em Teologia e Especialista em Assessoria Bíblica e membro do Grupo “Base e Luta” do PT de Curitiba, para a Tribuna de Debates do 6º Congresso. Saiba como participar.
ATENÇÃO: ideias e opiniões emitidas nos artigos da Tribuna de Debates do PT são de exclusiva responsabilidade dos autores, não representando oficialmente a visão do Partido dos Trabalhadores