José Machado: Ousar mudar, ousar vencer – por uma reestruturação partidária para valer

Se não houver disposição de reconhecer os erros – e de corrigi-los – não será possível contornar o desânimo e a descrença nas bases partidárias

Filipe Araújo/Instituto Lula
Tribuna de Debates do PT

Lula discursa na abertura do Congresso Estadual

É necessário aguardar o fechamento do balanço dos congressos estaduais para se ter uma ideia cabal das perspectivas em relação à fase nacional do 6º Congresso.

Antes mesmo desse balanço, as primeiras notícias dão conta, contudo, de que a CNB seguirá sendo a força majoritária interna do partido para o próximo período, o que não constitui nenhuma surpresa.

O ponto de interrogação é se no curso do processo congressual alguma centelha acendeu ou acenderá nas hostes da CNB que a faça compreender, de uma vez por todas, que seguir orientando o partido nos moldes atuais é um total contrassenso. Se não houver disposição humilde de reconhecer os erros – e de corrigi-los – não será possível contornar o desânimo e a descrença impregnados nas bases partidárias. Em outras palavras, a pergunta da própria corrente em sua tese – “…o que o PT precisa fazer agora para entusiasmar sua militância e a sociedade?” – ficará sem resposta.

É necessário haver por parte da corrente majoritária uma nova postura – uma postura de liderança – para alcançar a propalada e imprescindível unidade partidária. Há que exercer com sabedoria uma hegemonia saudável, através do estímulo ao diálogo e do esforço para recepcionar e absorver respeitosamente as críticas e proposições que emanam das demais forças internas, organizadas ou não. Impor uma derrota acachapante e surfar na vitória, sem fazer concessões e sem negociar avanços, seria uma demonstração de nanismo político e contribuiria para agravar, em vez de solucionar, a crise interna.

As expectativas que cercam o 6º Congresso com relação a uma profunda reforma interna do partido são enormes, mas a montanha pode parir um rato. O que se espera não são promessas vãs do tipo “visitação anual aos filiados”, “distribuir panfletos para os filiados”, etc., porque isso é chover no molhado, não porque sejam medidas necessariamente erradas, mas porque não alcançam o cerne do nosso problema, não inovam em nada. Ou do tipo “…criar instrumentos de consulta e decisões através da internet para que os filiados e filiadas, além de participar das mobilizações conjunturais, possam contribuir e opinar sobre as decisões do Partido”, simplesmente porque não há o que se criar o que já foi criado e incorporado, inclusive, ao Estatuto: há que se implementar, ora bolas.

Portanto, para além das promessas vãs, os avanços concretos que se espera do 6º Congresso dizem respeito à aprovação de mecanismos verdadeiramente inovadores, que alterem radicalmente o padrão de funcionamento do partido.

Primeiramente, trata-se de aprovar medidas que empoderem as instâncias de base, como os núcleos e setoriais. Sem conferir a essas e outras instâncias poder real de impulsionar o processo decisório interno não haverá estímulo para a sua existência e funcionamento.

Em segundo lugar, há que se engendrar mecanismos que possibilitem aos movimentos sociais e aos intelectuais e simpatizantes em geral influenciar a formação da opinião e o processo decisório internos.

Em terceiro lugar, há que se aprovar medidas que solucionem o déficit de implementação no partido. Medidas relevantes aprovadas no mais alto nível coletivo e incorporadas até mesmo no Estatuto simplesmente não são implementadas e não se presta contas disso. Um exemplo é o da Ouvidoria, órgão de cooperação do partido incorporado no Estatuto, tal como rezam os artigos 249 e 250:

“Art. 249. A Ouvidoria é órgão de cooperação do Partido e será criada em nível nacional e estadual, com a finalidade de contribuir para manter o Partido sintonizado com as aspirações do conjunto de seus filiados e filiadas e com os setores sociais que pretende representar, promovendo, sempre que necessário, debates sobre o projeto político partidário.

Art. 250. As Comissões Executivas Estaduais e Nacional serão responsáveis pela criação das respectivas Ouvidorias, providenciando os meios adequados ao exercício de suas atividades, observadas as normas de funcionamento a serem definidas pela instância nacional.”

Por que esse órgão de cooperação do Partido, “…com a finalidade de contribuir para manter o Partido sintonizado com as aspirações do conjunto dos seus filiados e filiadas e com os setores sociais que pretende representar…” não saiu do papel? Por que se desrespeita a lei partidária maior?

Essas e outras perguntas e considerações poderiam ser feitas a guisa de desvendar o padrão inapropriado de gestão partidária que se logrou construir ao longo de quase quatro décadas de existência do partido.

Desde logo, fica evidente que a prestação de contas para a coletividade partidária é falha ou inexiste. Estamos em pleno processo de realização do 6º Congresso do PT e a direção ainda não fez o balanço político e administrativo-financeiro da sua gestão, ou se fez, escondeu-o da coletividade partidária, mantendo-o intramuros. Paradoxalmente, as 10 teses apresentadas avançaram propostas para a reorganização partidária desconhecendo tal balanço, sequer acusando a sua inexistência, daí o “chover no molhado”, daí levar o 6º Congresso a debater propostas que já foram exaustivamente discutidas e sobre as quais já houve deliberações em conclaves anteriores. É como se fosse uma eterna fuga para frente. Se alguém tivesse paciência de revisitar as atas de diretórios nos três níveis, as atas de encontros e congressos, descobriria, pasmo, que a eterna discussão sobre a aproximação das direções com as bases militantes ressuscita o tempo todo, que deliberações são tomadas e nunca implementadas.

Não obstante o anterior, é forçoso reconhecer que a CNB, em sua tese, ainda que parcialmente, enfrenta o problema ao propor, de forma inovadora, que as ações partidárias derivadas do processo de planejamento coletivo, plural e unitário, serão conduzidas pela Executiva Nacional de forma ampla, através de constituição de núcleos dentro da Comissão Executiva Nacional:

  • O Núcleo Político, composto pela Presidência, as cinco Vices Presidências nacionais por região do país (a serem criadas, visando garantir a representação cultural e sociopolítica do País na executiva nacional, com a atribuição de articular e integrar o PT regionalmente, propor políticas de desenvolvimento regional sustentável e discuti-las amplamente com a sociedade civil, bem como promover a articulação inter-regional dessas políticas), os líderes das bancadas na Câmara e no Senado, a Secretaria Geral, a Secretaria de Relações Institucionais e a Secretaria de Relações Internacionais.
  • O Núcleo Organizativo composto pelas Secretarias de Finanças e Planejamento, pela Secretaria de Organização e pela Secretaria de Comunicação.
  • O Núcleo de Formação e de Elaboração composto pela Secretaria Nacional de Formação Política, pela Secretaria Nacional de Desenvolvimento Econômico e pela Secretária Nacional de Coordenação Regional; que funcionará de forma articulada com a Fundação Perseu Abramo e a Escola Nacional de Formação.
  • E, finalmente, um Núcleo de Mobilização composto pelas Secretaria Nacional de Mobilização, Secretaria de Movimentos Populares, pela Juventude do PT e pelos Setoriais.

A CNB acredita que, “…funcionando em Núcleos a Executiva Nacional reforçará seu caráter colegiado o que deverá se refletir em decisões e encaminhamentos mais coletivos.”

A proposta em questão merece ser apreciada e aprovada no 6º Congresso. É preciso cuidar, porém, para que haja a devida integração entre os novos entes propostos, para a qual deve concorrer, direta e incisivamente, por vocação, a Secretaria Geral, que precisa ser fortalecida e reestruturada. É preciso cuidar, enfim, para que essa boa ideia saia do papel e das boas intenções.

Uma lacuna presente na proposta refere-se à ausência da explicitação dos vínculos e mecanismos sistêmicos que conformam o sistema de planejamento e gestão estratégicos que será necessário instituir ou reestruturar, associado ao imprescindível mecanismo de prestação de contas das atividades previstas no plano, de responsabilidade da CEN. Sem o binômio plano-prestação de contas, assentado no princípio democrático da transparência, nenhuma estrutura de gestão, por mais bem desenhada que seja, funcionará apropriadamente.

Outra lacuna é a ausência de considerações sobre a necessidade de dotar a alta direção de instrumentos típicos de Estado Maior, como a Sala de Situação, extremamente importantes para dar maior potência e agilidade à formulação e gestão da intervenção política, face a situações complexas e desafiadoras como a que vivemos. Às vezes fica a impressão de que a direção maior decide sobre bases frágeis e quase sempre reativamente.

Sugere-se aqui que o 6º Congresso aprove peremptoriamente uma resolução tornando obrigatória, para todos os níveis de direção, a apresentação, num prazo não superior a 30 dias após a posse das direções executivas, de plano de ação política e administrativo-financeira correspondente ao tempo de mandato. O plano de ação será então submetido à consulta pública, no site oficial do partido, por prazo determinado, após o qual, também respeitado prazo, o colegiado de direção respectivo o aprovará. A resolução deve também obrigar as direções a apresentarem prestação de contas anual sobre a implementação do plano. Através desse mecanismo trivial de empoderamento da gestão compartilhada toda a coletividade petista, e além dela, vai saber nitidamente o que está acordado e prometido e o que foi ou está sendo implementado, o que não foi implementado e por que.

A CNB propõe que todas as propostas de mudanças na estrutura partidária, aprovadas no 6º Congresso, devam ser levadas para discussão de planejamento e regulamentação, com vistas à incorporação no Estatuto, num Seminário a ser convocado. Aí mora o perigo, de dito Seminário ser jogado para as calendas ou até mesmo não vir a se realizar, dado o histórico de déficit de implementação vigente no partido. Para evitá-lo, é imperioso que o Congresso imponha um prazo rigoroso para a realização desse Seminário, e também os critérios para garantir que seja bem participativo, sendo de todo interessante que o mesmo seja precedido de seminários locais e regionais.

Para concluir, o que se buscou sustentar aqui é que o 6º Congresso ao tratar da reestruturação partidária deve focalizar nas suas resoluções medidas de empoderamento e de transparência, de planejamento e gestão, de pesos e contrapesos, com vistas a integrar o partido e viabilizar uma democracia interna de alta intensidade. Isso fará a diferença, pois de boas intenções o inferno está cheio.

P.S. Lula encheu nossa alma no seu depoimento em Curitiba. Em sua homenagem, e por gratidão, devemos oferecer-lhe um partido cada vez melhor.

José Machado, ex-deputado e ex-prefeito de Piracicaba (SP), para a Tribuna de Debates do 6º Congresso. Saiba como participar.

ATENÇÃO: ideias e opiniões emitidas nos artigos da Tribuna de Debates do PT são de exclusiva responsabilidade dos autores, não representando oficialmente a visão do Partido dos Trabalhadores

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