Juarez Guimarães: Diretrizes de programa e compromissos do PT na luta pela superação da corrupção sistêmica no Brasil
O que se precisa é de maior rigor no combate à corrupção, não de mais arbítrio fora da lei para violar os direitos de uns e proteger os crimes de outros
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Introdução
1. Em seus 38 anos de luta para transformar o Brasil, o PT ainda não formou uma resolução programática que diagnostique, sistematize os fundamentos de sua identidade e relação antagonistas à corrupção e, principalmente, aponte os caminhos para superá-la na democracia brasileira. Pode-se provar e documentar que os governos Lula e Dilma promoveram os maiores avanços históricos e estruturais no combate à corrupção, embora ainda insuficientes, em toda a existência da república brasileira. Mas estes avanços não foram até agora elaborados como parte programática e estratégica do PT como partido socialista e democrático.
2. A aprovação de uma resolução programática de conjunto contra a corrupção é fundamental porque a mercantilização e a privatização da política e do Estado é cada vez mais a forma de reprodução do poder das classes dominantes na era neoliberal. Esta resolução é, frente à violenta e onipresente campanha de calúnias desencadeada, imprescindível para recompor as relações de confiança e legitimidade entre o PT e sua base cidadã entre os trabalhadores e o povo brasileiro. Ela também deve ser entendida como o principal instrumento de luta contra o processo em curso de criminalização do PT e de suas lideranças históricas.
3. Esta resolução compõe-se de três partes mutuamente configuradas: o diagnóstico e a formulação de diretrizes programáticas para superar a corrupção sistêmica no Brasil; a revisão crítica das relações do PT com as dinâmicas de corrupção presentes no Estado brasileiro e a reafirmação de nossos compromissos socialistas, democráticos e republicanos; a crítica ao caráter neoliberal, anti-republicano, anti-democrático e ineficaz da Operação lava-jato no combate à corrupção.
4. A relação e a coerência entre estas três dimensões são hoje incontornáveis. Sem assumir um diagnóstico e programa estratégico que reponha o PT como vanguarda histórica na luta contra a corrupção, a esquerda brasileira terá sempre que conviver com um importante déficit de credibilidade e legitimidade públicas. Sem uma revisão crítica pública, sincera e radical, de suas relações de adaptação à corrupção no Estado brasileiro, um programa de luta contra a corrupção não terá credibilidade. A crítica necessária à Operação Lava-Jato será acusada de obstrução e má vontade com o combate à corrupção sem tal programa. Por sua vez, uma revisão crítica do PT sem a crítica à Operação Lava-jato será inevitavelmente apropriada como uma confirmação dos seus juízos partidários e neoliberais.
5. O campo de posições que prevaleceu na prática no PT desde a crise de 2005 é aquele que prescreve um lugar marginal à luta contra a corrupção na agenda política, denuncia justamente o caráter seletivo e instrumental da ofensiva neoliberal e propõe a defesa dos acusados de corrupção no seio da esquerda em nome dos imperativos da luta de classes. As resultantes deste campo de posições são não se opor frontalmente e, em certa medida, se adaptar à privatização e corrupção do Estado, como ao financiamento empresarial das eleições, deixar o campo livre para os neoliberais transformarem cínica e instrumentalmente a luta contra a corrupção em um combate à esquerda e minar a credibilidade pública do PT como um partido republicano que luta coerentemente pelas causas democráticas e sociais dos trabalhadores.
6. Um segundo campo de posições, que acabou tendo forte peso na experiência dos governos Dilma é aquele que, a partir de uma posição pretensamente republicana mas na verdade adaptativa às concepções neoliberais que dirigem a Operação Lava-Jato, concedeu maior importância na agenda política à luta contra a corrupção, mas isolando-a do programa socialista e democrático e omitindo-se frente ao uso instrumental e seletivo das instituições estatais em seu processo de criminalização da esquerda.
7. Um terceiro campo de posições que é preciso fazer convergir neste Congresso é aquele que integra com centralidade a luta contra a corrupção na luta pela transformação socialista, republicana e democrática do Estado brasileiro, reorganiza criticamente os fundamentos e compromissos do PT contra a corrupção e acusa publicamente a Operação lava-jato como uma operação neoliberal,anti-republicana, anti-democrática e voltada centralmente para criminalizar a esquerda brasileira.
II Diretrizes de um programa socialista, republicano e democrático para superar a corrupção sistêmica no Brasil
8. Uma concepção socialista, republicana e democrática de combate à corrupção se define exatamente pela oposição aos fundamentos de uma concepção neoliberal sobre a corrupção. Esta define a corrupção como sendo um fenômeno basicamente entranhado na burocracia estatal cujo remédio seria exatamente a privatização, a mercantilização e a financeirização. Uma concepção socialista liga exatamente a atualidade e o crescimento da corrupção nas democracias ao neoliberalismo e suas dinâmicas de radicalização dos circuitos de privatização, mercantilização e financeirização típicos do capitalismo que capturam e corrompem o Estado. Pretendendo dissociar corrupção da própria ética do capitalismo, a concepção neoliberal trata este fenômeno no plano estrito de uma moralidade e de problema relativa à honestidade individual. Uma concepção republicana, organiza seus fundamentos a partir da noção da noção cidadã do interesse público, relacionando a corrupção exatamente ao ataque a esta cultura dos direitos e interesses públicos, com suas implicações na moralidade anti-cidadã. De forma coerente, uma concepção neoliberal da corrupção centra as suas propostas em uma cultura exclusivamente punitivista a ser arbitrada por critérios seletivos em nome do Estado, legitimando inclusive formas legais de macro-corrupção legalizadas e institucionalizadas. Uma concepção democrática de combate à corrupção centra as suas propostas na mobilização e nas formas legais e de controle institucional democrático e popular do Estado, inserindo a luta contra a corrupção no programa político das classes trabalhadoras.
9. É este fundamento socialista, republicano e democrático de combate à corrupção que permite diagnosticar a corrupção como produto das dimensões históricas patrimonialistas de construção do Estado brasileiro, baseadas em privilégios e super-lucros oferecidos aos grandes proprietários e capitalistas, atualizada desde a ascensão do neoliberalismo por dinâmicas de financeirização internacional, de privatização do Estado e de suas funções. As formas mais típicas como o clientelismo, o nepotismo, os privilégios corporativos e de classe foram atualizadas pela macro-economia política capitalista contemporânea, centrada em grandes transferências patrimoniais via privatização, na cultura da fuga à tributação via paraísos fiscais, na captura dos centros de regulação macro-econômica como o Banco Central e das agências reguladoras, na mercantilização da política e do processo de formação da opinião pública. Se o PMDB tornou-se o partido típico da corrupção fisiológica no Brasil, com suas honrosas exceções, o PSDB é por excelência a expressão mais típica da moderna corrupção e impunidade do capitalismo contemporâneo.
10. Esta raiz histórica e este circuito moderno e institucionalizado de reprodução da corrupção no Estado brasileiro explicam, no fundamental, o caráter sistêmico da corrupção no Brasil. Por caráter sistêmico, entendemos aquela corrupção que não é nem localizada nem incidental mas está entranhada, em graus variados a depender do grau de republicanização e de compromissos dos titulares dos cargos públicos, no próprio funcionamento do estado e de suas relações com os poderes econômicos dominantes. Por isso, ela afeta sistematicamente o governo federal, os governos estaduais e municipais e incide sobre os poderes executivo, legislativo e judiciário, inclusive sobre a Procuradoria da República. O próprio sistema de comunicação dominante no Brasil, formado por empresas midiáticas geradas e crescidas em relação de favorecimento com o estado, é profundamente marcado por seus compromissos com a corrupção sistêmica.
11. Desde a luta pelo impeachment do governo Collor, veio crescendo na consciência democrática, popular e cidadã brasileira a indignação contra a corrupção. Este sentimento se universalizou em todas as camadas sociais, regiões do país e idades. De forma não linear, veio também crescendo a desconfiança com o sentido anti-republicano das instituições de representação da democracia brasileira. Mais claramente desde 2005, com a direção intelectual e política do PSDB, sua influência nos sistemas corporativos da Justiça e principalmente das grandes empresas de comunicação, como a Rede Globo, este sentimento legítimo de indignação veio sendo sistematicamente canalizado para uma atribuição à esquerda da raiz da corrupção ( a tese do PT como o “partido neo-patrimonialista que tomou de assalto o Estado brasileiro), para a construção de uma cultura de ódio ao PT e suas lideranças históricas e, enfim, para um processo judicial de criminalização do PT que ganhou um sentido radical e violento com a Operação Lava-Jato.
12. A construção pública de um combate radical à corrupção sistêmica no Estado brasileiro integra, neste quadro, a luta pela retomada da hegemonia pela esquerda na luta democrática, vinculando-a às grandes diretrizes da luta pelos direitos democráticos e sociais do povo brasileiro. O desafio não é negar o sentimento público contra a corrupção sistêmica, que deve inclusive animar e integrar a luta histórica pela desprivatização do Estado brasileiro, mas de canalizar estes sentimentos para um sentido socialista, republicano e democrático. Esta reconstrução de uma hegemonia na luta democrática – vinculando a luta contra a corrupção à luta por reformas estruturais democráticas e populares – apóia-se na consciência popular já existente de que inclusive, à contra-pelo dos oligopólios de comunicação, foi favorável ao fim do financiamento empresarial das eleições, identifica que a corrupção grassa forte nos partidos que acusam o PT, como o PMDB e o PSDB, e já começa a formar a consciência que a criminalização do PT e da liderança histórica de Lula serve aos interesses dos que querem fazer guerra aos direitos dos trabalhadores e do povo.
13. A legitimidade histórica da esquerda brasileira em liderar a luta contra a corrupção, junto com lideranças democráticas e republicanas, está no fato de que, ao contrário dos partidos neoliberais e conservadores que são os campeões da impunidade, foi nos governos Lula e Dilma que foram tomadas as principais iniciativas históricas e estruturais de combate à corrupção. A capacidade sistêmica de combate à corrupção mudou de qualidade com a criação da Controladoria Geral da União e da Enccla ( Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro), que organiza a sinergia e o trabalho integrado das instituições e agentes públicos. Além disso, o investimento sem precedentes na capacidade operativa da Polícia Federal e o não impedimento da iniciativa processual do Ministério Público Federal contribuíram de modo decisivo. Na área da prevenção, foi aprovada a Lei da Transparência e o Portal da Transparência (premiados pela ONU), pela primeira vez foi monitorada sistematicamente pelo CGU a transferência de verbas federais para os municípios, foi regulada os contratos entre o Estado e as ONGs, foi criado o Sistema de Investigação de Movimentações Bancárias (SIMBA, fundamental para rastrear movimentações financeiras acima de um certo valor). Na área da punição, foram pela primeira vez afastados por processos sistemáticos milhares de funcionários públicos corruptos, foi aprovada a Lei de Ficha Limpa ( que pune crimes eleitorais) e, de modo inédito, a lei que pune civil e economicamente as empresas corruptoras.
14. Os grandes limites estruturais destas medidas foram a continuidade e crescimento do financiamento empresarial das campanhas eleitorais, o crescente fisiologismo do chamado presidencialismo de coalizão – que reproduziam os circuitos de corrupção – e a dificuldade de implantar medidas de prevenção à corrupção na regulação do sistema financeiro, em empresas estatais e de economia mista. Mas certamente o maior limite foi a incapacidade de vincular estas medidas institucionais inéditas de combate á corrupção com os movimentos sociais e lideranças que poderiam ir criando e aprofundando organicamente uma campanha pública e de sentido anti-neoliberal de combate á corrupção.
15. A primeira grande diretriz programática é a de enfrentar a macro-economia política da corrupção neoliberal. O diagnóstico da corrupção no Brasil demonstra que ela tem origem nos sistemas de caixa 2 típicos da cultura empresarial, avança nas dinâmicas de evasão fiscal, muitas vezes com cobertura legal ou explorando brechas legais,e se organiza através de circuitos financeiros desregulados rumo aos chamados paraísos fiscais. Esta massa de capital fraudulento e corrupto é quem organiza os principais circuitos de reprodução da corrupção – capturando, subornando, corrompendo – as instituições políticas do Estado brasileiro. Será necessário organizar um conjunto de diagnósticos para atualizar a compreensão destes fenômenos que certamente conduzirá a propostas que fundamentarão uma reorganização dos fundamentos de atuação do Banco Central (certamente a instituição menos republicana do Estado brasileiro, desde sempre capturado pelos interesses do grande capital financeiro), do Ministério da Fazenda e do Fisco, das grandes empresas estatais e das agências reguladoras. A reivindicação histórica de uma auditoria da dívida pública tem aqui o seu lugar.
16. A segunda grande diretriz programática seria a de aprofundar a limitação e a regulação do controle do poder econômico nas eleições, na esteira da aprovação da proibição do financiamento empresarial. Além de propor estabelecer medidas atualizadas de punição ao caixa 2, de impor tetos à contribuição de pessoas físicas, o PT deveria dar o exemplo na construção de novas diretrizes de gestão republicana das finanças partidárias, rumo ao auto-financiamento, da transparência, da gestão colegiada e participativa de seus recursos.
17. A terceira grande diretriz programática seria a de estabelecer padrões e procedimentos mais democráticos e republicanos de controle cidadão de todas as instituições do Estado brasileiro, no plano do executivo, legislativo e judiciário. A natureza corporativa do Estado brasileiro gerou decerto um conjunto de privilégios em várias áreas, como no judiciário e mesmo no legislativo, que são incompatíveis com uma democracia republicana. Se no plano federal uma série de medidas foram tomadas para garantir transparência, auditoria e mecanismos de correção, nos planos estaduais e municipais em geral o carecimento de prevenção à corrupção é escandaloso. O quadro de controle democrático de gestão nas empresas públicas, é muito aquém do mínimo necessário. Seria preciso estabelecer novos padrões e procedimentos democráticos e republicanos de controle, adaptados as diferentes instituições, que pudessem gerar uma nova cultura republicana de prevenção e controle da corrupção.
18. A quarta grande diretriz programática é a de enfrentar as raízes profundas da corrupção que unem as grandes empresas de mídia e o Estado brasileiro, que está vinculada à luta mais geral pela democratização do processo de formação da opinião pública. A grande massa da publicidade dos governos no Brasil não serve ao interesse público mas é mera propaganda que serve para gerir relações de interesse com os oligopólios de mídia. O trânsito ilegal, segundo a própria Constituição, entre políticos e proprietários de empresas de comunicação é permanente. Concessões, financiamentos e investimentos do Estado brasileiro devem ter como perspectiva um sistema público e pluralista de comunicação e não a reprodução de oligopólios, orgânicos ao neoliberalismo e aos interesses rentistas, em completa contradição com os interesses fundamentais do povo brasileiro.
19. A quinta grande diretriz programática é a de estabelecer o equilíbrio entre o sistema punitivo da corrupção e o devido processo legal e as liberdades e garantias constitucionais. No Brasil, passou-se de um sistema de garantia da impunidade para a apologia de uma concepção policial de combate à corrupção, baseada na seletividade, na instrumentalização partidária e no arbítrio das jurisprudências, dos juízes e do Ministério Público. Até mesmo o Ministério Público e a Polícia Federal passaram a se auto-atribuir prerrogativas que são incompatíveis com o Estado democrático. É o aprofundamento desta concepção socialista, republicana e democrática de combate á corrupção – que faz interagir a prevenção, o controle e a punição – que cria a legitimidade para criticar e construir alternativas à concepção policial que hoje governa a cobertura dos oligopólios de mídia e o senso comum dos brasileiros.
20. A formulação de um programa e de uma campanha pública nacional permanente de combate à corrupção não deve ser pensada como uma atribuição apenas do PT e dos partidos da esquerda brasileira. É preciso fazer convergir para ela uma frente de forças partidárias, movimentos sociais, lideranças culturais e religiosas, tradições acadêmicas de pesquisa e de conhecimento especializado. Poderia ser pensada a realização de encontros ou conferências anuais, estabelecendo metas, prioridades, unificando diretrizes, estabelecendo circuitos de comunicação de massa e fortalecendo no campo democrático-popular, socialista e republicano, a liderança política e a hegemonia no combate à corrupção histórica e sistêmica no Estado brasileiro.
21. Mas este programa de combate à corrupção não ganhará credibilidade sem um movimento público reflexivo e auto-crítico de como o PT se relacionou nos últimos anos com circuitos e práticas presentes no Estado brasileiro, que reproduzem os circuitos de corrupção.
III Auto-críticas e compromissos do PT em sua relação com o sistema de corrupção e privilégios do Estado brasileiro
22. Ao mesmo tempo que denuncia a campanha caluniosa de criminalização orquestrada pelos oligopólios de comunicação, dirigida pelos partidos neoliberais e conservadores, de que o PT organizou um inédito e gigantesco circuito de corrupção no Brasil, este Congresso vem se dirigir ao povo brasileiro e aos trabalhadores no sentido de esclarecer, fazer auto-críticas e assumir compromissos públicos e inabaláveis em relação ao combate à corrupção e aos privilégios.
23. O principal erro cometido pelo PT foi o de ter aceitado na prática o paradigma já vigente na democracia brasileira do financiamento empresarial das campanhas eleitorais. O dinheiro das grandes empresas e bancos esteve já no centro da eleição de Collor de Mello e das duas eleições de FHC nos anos noventa. Nas eleições presidenciais de 2002, o PT usou, mesmo em menor proporção, o financiamento empresarial. Nas eleições seguintes, a partir de suas relações no governo central do país, o PT, assim como todos os grandes e médios partidos brasileiros – PSDB, PMDB, PSB, PDT, PP, PTB, DEM etc – passou a contar, de modo central e cada vez mais, com o financiamento empresarial para disputar as eleições.
24. Esta dependência crescente do PT em relação ao financiamento de grandes empresas e bancos é triplamente contraditória com a sua identidade, programa e prática como um partido do socialismo democrático. Com a sua identidade porque a sua base social majoritária é composta de trabalhadores e pobres explorados pelo capitalismo, que têm interesses históricos absolutamente contraditórios com aqueles dos grandes capitalistas. Com o seu programa já que o financiamento empresarial cria relações de compromisso que limitam, distorcem e até podem inverter o sentido da aplicação do programa de transformação do PT. Além disso, o financiamento empresarial altera a própria vida democrática do PT, trazendo para o seu interior as inevitáveis conseqüências do poder econômico sobre a sua democracia interna.
25. O segundo erro fundamental cometido pelo PT, principalmente a partir das eleições de 2010 quando se centralizou na aliança eleitoral com o PMDB, foi o de sua relação com o chamado presidencialismo de coalizão, isto é, o sistema vigente no funcionamento dos poderes executivos que demandam a formação de maiorias fisiológicas para o exercício do governo. No governo do país, o PT passou a se relacionar com partidos que têm a corrupção e o acesso a privilégios como o próprio centro de suas atividades. Acordos parlamentares estritamente necessários para governar passaram a se tornar alianças eleitorais e partidárias com estes partidos, que não tinham nem têm identidade programática com a esquerda e até com a centro-esquerda. Por esta via, a corrupção encontrou canais para se reproduzir em órgãos, empresas e agências em governos de coalizão liderados pelo PT.
26. Se a ação penal 247 já teve como centro relações de financiamento eleitoral com o PTB, a corrupção na Petrobrás investigada pela Operação Lava-Jato envolve principalmente diretorias da estatal controladas pelo PMDB e pelo PP, que reproduziram esquemas de corrupção já presentes desde os governos do PSDB. Mas o alvo dos oligopólios da mídia e do processo excepcional de perseguição jurídica que se seguiram nos dois casos foi sempre o PT.
27. Um terceiro campo de erros do PT refere-se ao seu processo de acomodação, em seu crescente processo de institucionalização, aos privilégios existentes nos cargos dirigentes e de representação do poder executivo e legislativo. A aceitação destes privilégios confronta diretamente os princípios éticos de um partido socialista e republicano, como no caso dos super-salários, da aposentadoria especial, da proliferação não justificada de cargos e verbas especiais, enfim, dos mecanismos de emendas parlamentares com quotas orçamentárias dirigidas a cada parlamentar, em dimensões que reproduzem, em maior ou menor grau, práticas clientelistas.
28. Neste ambiente de vultosos financiamentos empresariais, de relações sistemáticas com partidos completamente corrompidos, membros do PT, sem autorização ou conhecimento das instâncias diretivas do partido, podem ter permitido o desvio de dinheiro público e até mesmo utilizado recursos ilícitos para enriquecimento pessoal. Há hoje inúmeros casos de petistas, dirigentes partidários ou ocupando cargos públicos, acusados publicamente. Garantido o direito de defesa e a presunção de inocência até prova em contrário, estes petistas devem ser objeto da formação de um juízo partidário, responsável e rigoroso, e se, comprovadas a sua culpa, deveriam ser expulsos do PT.
29. O PT não poder admitir em seu interior qualquer conivência com a corrupção, conviver com quem corrompe ou é quem é corrompido. Esta convivência legitimaria o juízo condenatório dos brasileiros aos 99 % ou mais da imensa comunidade de petistas que são honestos e, mais do que isso, dedicam e dedicaram suas vidas às grandes causas do socialismo e da democracia, da liberdade e da justiça. Mas seria um crime ainda maior permitir a calúnia e a condenação de inocentes. O juízo partidário, responsável e rigoroso, é aqui absolutamente necessário devido às deformações acusatórias do processo juridicamente corrompido de criminalização da esquerda pela Operação Lava-Jato. Por isso, o primeiro passo é cumprir a resolução já tomada no… de formar uma Comissão de Ética, a qual deve, de forma pública, processar as informações, formar o juízo e orientar decisões a serem tomadas democraticamente pelas instâncias partidárias.
30. O segundo passo seria o de reconstruir a cultura financeira do PT, coerente com a sua defesa do financiamento público e da auto-sustentação promovida a partir do apoio de seus militantes, filiados e simpatizantes. Esta auto-sustentação não ocorrerá se não houver, desde já, iniciativas que promovam a total transparência das receitas e gastos do PT e uma direção colegiada e participativa das finanças do partido. Este esforço vincula-se diretamente ao necessário e incontornável processo do PT de buscar suas bases sociais, suas relações com os movimentos sociais, de retomar o sentido de suas energias militantes, de reconstrução de seus espaços democráticos de militância e decisão.
31. O terceiro passo se vincula a um necessário redirecionamento à esquerda da política de alianças do PT, estabelecendo uma nítida separação entre alianças estratégicas e programáticas e acordos pontuais. Estas alianças estratégicas e programáticas devem se referenciar também no critério programático da luta contra a corrupção, convergindo para a luta pela reforma política que quebre as dinâmicas fisiológicas e corruptoras hoje predominantes na política brasileira.
32. O quarto passo necessário é a aprovação de um conjunto de resoluções que afirmem e atualizem os compromissos do partido em não aceitar privilégios corporativos no exercício das funções legislativas e de governo. O sentido destas medidas deve se combinar com propostas que, como a proibição de um número indefinido de arsocial e cidadão da militância socialista, evitando a cristalização de lideranças profissionais, verticalizadas e concentradoras de poder de mando.
IV Crítica ao caráter neoliberal, anti-republicano, anti-democrático e insuficiente da Operação lava-Jato
33. O maior risco que a crítica programática socialista, republicana e democrática que a esquerda brasileira deve fazer à Operação Lava-Jato é a de que ela seja confundida com o diagnóstico, contra todas as evidências, que a corrupção não é um problema grave e sistêmico da democracia brasileira ou, pior ainda, que está se postulando a impunidade dos corruptos. Seria um erro crasso também centrar a crítica apenas no caráter seletivo da Operação Lava-Jato, exigindo que ela exerça seus métodos e sua dinâmica punitiva ao PSDB e ao PMDB do golpista Temer. Isto significaria legitimar o processo de criminalização conduzida de forma implacável pela Operação lava-Jato contra a esquerda brasileira.
34. A crítica programática socialista à Operação Lava-Jato é a de que a sua concepção, o seu processo e os seus métodos foram construídos à medida para servir politicamente ao golpe neoliberal que derrubou o governo democraticamente eleito da presidenta Dilma Roussef. Os inúmeros e escandalosos vazamentos seletivos de informações sobre proteção judicial sempre nos momentos politicamente convenientes ( como, por exemplo,nos dias finais do segundo turno das eleições presidenciais de 2014, em clara concatenação com a campanha de Aécio Neves, ou legitimando midiaticamente a decisão arbitrária do ministro Gilmar Mendes de se opor à posse de Lula, então ainda não réu), a decisão de adiar o afastamento de Cunha da presidência da Câmara Federal para pós o impeachment da presidência, a proteção ao governo golpista adiando ou procrastinando a investigação de denúncias diretamente contra Temer, seus principais ministros, contra os principais dirigentes do PSDB que dão sustentação ao seu governo, são evidência de que a Operação lava-jato esteve desde sempre vincada aos objetivos de desestabilizar a democracia brasileira. A destruição da Petrobrás, os ataques ao BNDES, da engenharia nacional, do projeto da construção de um submarino nuclear, a permanente deslegitimação da política e dos “políticos” em seu conjunto, favorecem claramente um programa neoliberal e os interesses geo-políticos dos EUA. Há hoje fartas evidências de que agências norte-americanas participaram desde o início da montagem da Operação Lava-jato.
35. A crítica republicana à Operação Lava-Jato é aquela que evidencia a gritante e pública partidarização do sistema jurídico que, não sem contradições internas, a tem dirigido. Como bem tem denunciado a equipe de advogados do presidente Lula, inclusive com processo na ONU, trata-se de um caso típico processo de lawfare, de perseguição política com métodos judiciais. A chamada força-tarefa de Curitiba ( os procuradores , a equipe da Polícia Federal) é publicamente partidária do PSDB, o juiz Moro freqüenta assiduamente convenções públicas do PSDB, articula-se com oligopólios de mídia claramente orientados politicamente, através da liderança escandalosa e ostensiva do Ministro tucano do STF, Gilmar Mendes, este órgão omitiu-se gravemente em julgar o mérito juridicamente infundado da decisão do Congresso Nacional que cassou o mandato democrático de Dilma Roussef, a Procuradoria Geral da República omite-se, contra todas as provas públicas, de acusar a corrupção dos principais líderes nacionais do PSDB.
36. A crítica democrática á Operação Lava-Jato é aquela que denuncia o seu sistemático e arbitrário processo de desrespeito ao devido processo legal e aos mínimos direitos humanos dos acusados, como previsto em qualquer código democrático do direito internacional. Vazamento permanente de informações sob segredo judicial, presença ostensiva do juiz como acusador e formador de juízos prévios ao processo, escutas telefônicas não autorizadas, invasão e violação dos direitos dos advogados de defesa, prisões preventivas não justificadas sob qualquer critério previsto em lei, pressões indevidas para forçar delações, depoimentos coercitivos exercidos arbitrariamente, abusos ostensivo por parte dos procuradores do direito de acusar publicamente sem provas, humilhação e execração pública de acusados ainda não julgados com direito de defesa. A operação Lava-Jato se fez juridicamente em regime de estado de exceção legitimada por uma campanha midiática alimentada e instrumentalizada diariamente para legitimar o arbítrio e o desrespeito à lei.
37. A excepcionalidade dos métodos da Operação Lava-Jato, justificada para combater a corrupção, só fez aumentar a corrupção. Ela contribuiu decisivamente para levar ao governo do país a maior equipe de políticos corrompidos que se tem notícia na história brasileira, apoiados na Câmara Federal e no Senado por maiorias que certamente merecem o título das bancadas mais conservadoras, mais corruptas e anti-populares da república brasileira. As negociatas, privatizações, favores fiscais, incentivos fiscais, concessão de privilégios, feitas no curto mandato do golpista Temer já superam dezenas de vezes o valor do que se apurou na investigação da corrupção na Petrobrás.
38. Estas quatro denúncias – a do caráter neoliberal, partidarizado, violador dos direitos humanos e do devido processo legal e ineficaz – da Operação Lava-Jato justificam o diagnóstico de que o combate à corrupção no Brasil não pode ficar nas mãos destes juízes e procuradores que agem arbitrariamente para proteger a corrupção dos partidos que mais corrompem o Brasil. O juiz Moro já perdeu escandalosamente a legitimidade para julgar. O que se precisa é de maior rigor no combate à corrupção, não de mais arbítrio fora da lei para violar os direitos de uns e proteger os crimes de outros. O que se precisa é de uma estratégia para aprofundar o combate à corrupção e que se oriente para combater prioritariamente a corrupção praticada pelos grandes capitalistas – que fraudam, subornam, corrompem, capturam o Estado brasileiro – e não para destruir a economia do setor público do Brasil. O que se propõe, enfim, é a refundação dos critérios republicanos da Justiça no Brasil, não a sua partidarização e sua escandalosa submissão aos interesses de um partido.
Por Juarez Guimarães, professor da UFMG, para a Tribuna de Debates do 6º Congresso. Saiba como participar.
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