Juros altos impedem o crescimento e a geração de empregos, diz Guilherme Mello
Ao Jornal PT Brasil, secretário de Política Econômica sustenta que regime fiscal melhorou ambiente macroeconômico, mas alerta para efeitos da Selic: “Há indícios claros de impacto negativo, em particular, na indústria”
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Em menos de seis meses de gestão, o governo federal fez o dever de casa, organizando o orçamento e preparando o terreno para uma retomada do crescimento brasileiro. Antes mesmo de ter a aprovação concluída no Congresso – o texto final ainda deve passar por nova analise da Câmara – o novo regime fiscal já garantiu o ambiente macroeconômico ideal para o desenvolvimento, avalia o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello. O que falta? Uma redução imediata dos juros pelo Banco Central, hoje o maior entrave à atividade produtiva no país.
Em entrevista ao Jornal PT Brasil, nesta sexta-feira (23), Mello reafirmou que as condições para uma queda da taxa Selic estão dadas há algum tempo, inclusive pela segurança das novas regras fiscais e dados como o crescimento do PIB (já acima de 2%, segundo projeções do mercado) e queda da inflação.
“Ele [o novo regime] já tem, por exemplo, reduzido as expectativas de juros futuros, melhorado a taxa de câmbio e o ambiente macroeconômico”, elencou o economista, ao falar das regras fiscais. Mello comentou a retirada do Fundeb e dos recursos do Fundo do Distrito Federal, assim como repasses para a ciência e tecnologia e inovação, além do cálculo da inflação no orçamento de 2024, que garantem mais espaço para investimentos.
“É uma alteração importante, na forma de inclusão no orçamento do crescimento da inflação. Ele permitiu que o governo envie um projeto de lei orçamentário, já considerando a inflação completa do ano”, explicou Mello. “Assim, o governo coloca, de forma condicionada, um limite maior de gastos, já considerando a inflação do ano todo”.
“São mudanças que não alteram a estrutura do regime fiscal, mas que têm algum impacto no funcionamento dele, em particular, 2024, que é o primeiro ano de funcionamento”, justificou o economista.
Juros afetam crédito e investimento
Os juros do BC do bolsonarista Roberto Campos Neto, no entanto, continuam como o grande freio de mão ao crescimento, na visão do economista. “Quando a taxa Selic está alta, os bancos tomam dinheiro a uma taxa também alta, o ponto de partida já está alto. A partir daí, o juro final, que é cobrado ao consumidor, fica ainda mais alto. Então, ela tem um impacto bastante significativo no mercado de crédito, no custo do crédito”, argumentou.
“Hoje, para um empresário industrial tomar crédito para comprar uma máquina, ele paga entre 18% e 22% de taxa de juros ao ano. Isso significa que a rentabilidade, a lucratividade que ele vai ter, decorrente da aquisição dessa máquina, tem de ser superior a 20%, o que não é comum”, exemplificou.
Esse é o motivo, segundo Mello, pelo qual os empresários optam por não investir em qualquer projeto. “Eles pensam, “bom, se meu lucro vai ser menor do que a taxa de juros que eu pago, eu não vou investir”. Aí não investe, não contrata, não amplia a produção, não aumenta a produtividade, a economia não cresce, empregos não são gerados”, explicou.
Arrecadação e pagamento de juros da dívida
“Com isso, o governo também arrecada menos, porque, quanto mais a economia cresce, gira e empregos são gerados, maior é a arrecadação do governo”, sustenta. “Quanto maior é a arrecadação do governo, mais ele pode investir em infraestrutura, educação, saúde. Portanto, quanto maior a taxa de juros, menor o crescimento, arrecadação e investimento na área social”.
Nessa conta, apontou o economista, entra o efeito mais nefasto da Selic: o pagamento de juros da dívida pública por parte do governo. “[Com isso], o governo está transferindo mais dinheiro para os detentores da dívida, em geral, as famílias mais ricas do país”, lamentou.
Taxa de juros mais alta do mundo
“Estamos em um cenário em que a taxa de juros real, descontada a inflação, é a mais alta do mundo. E ela tem aumentado cada vez mais porque a inflação tem caído e as expectativas de inflação futura também”, descreveu Guilherme Mello, antes de fazer um alerta: “Quando você mantém a taxa de juros e a inflação cai, a diferença entre uma e outra aumenta. Ou seja, a taxa de juros real, aquela que importa para decisão de investimento e tomada de crédito, aumenta”.
“Vemos isso com muita preocupação, porque a economia brasileira, apesar de ter tido um bom resultado no primeiro trimestre, dá indícios claros de um impacto negativo dessas taxas de juros na economia, sobre as famílias, empresas, em particular, na indústria, mas também no investimento em geral”, advertiu Mello.
Impacto negativo dos juros está se avolumando
“Mesmo a agricultura tem sido impactada por essas taxas de juros muito elevadas”, chamou a atenção o economista. “Os impactos negativos estão crescendo e se avolumando. E, na nossa opinião, sem motivo, porque a inflação tem caído, no acumulado de 12 meses já está dentro da meta”, afirmou, lembrando que o Brasil hoje é um dos países com a menor taxa de inflação do mundo.
“A manutenção da taxa de juros afeta a distribuição de renda, o potencial de crescimento, a geração empregos, a situação financeira das empresas, das famílias”, ressaltou. “Já passou da hora de você flexibilizar a política monetária e reduzir a taxa de juros, porque as incertezas que existiam no passado, inclusive acerca da política fiscal, desapareceram do horizonte”, garantiu Mello.
“A percepção dos investidores sobre o Brasil melhorou muito e isso se traduz como? A taxa de juros no futuro caiu, o prêmio de risco do Brasil (custo) caiu muito, a taxa de câmbio se valorizou, o que mostra um interesse dos investidores estrangeiros no Brasil. Mas a economia vai ter muito mais dificuldade de deslanchar, de crescer de maneira sustentável com esse nível de taxa de juros”, avisou.
Ele argumentou que o próprio mercado financeiro já sinalizou, pela taxa de câmbio e a curva dos juros futuros, que o Banco Central teria de iniciar a redução da taxa Selic. “O comunicado não deixou isso claro”, afirmou o economista, ao se referir ao fato de que o Copom ignorou a leitura dos próprios agentes do sistema financeiro, que esperavam por uma redução ou um aceno sobre quando aconteceria a queda do indicador.
O economista encerrou a entrevista defendendo uma harmonização entre as políticas fiscal e monetária. “Se uma for em uma direção e a outra, noutra, é como um carro que vai pra frente mas o pneu de trás dá ré”, comparou.
“E nós chegamos em um ponto propício, adequado, onde os riscos foram retirados do horizonte, o país voltou a crescer, a inflação caiu, a taxa de câmbio se valorizou, a expectativa dos investidores melhorou, o risco país caiu, a curva de juros está mais baixa… tudo apontando para a possibilidade de harmonização dessas políticas”.
Da Redação