Juros: Bolsonaro quebra a economia e BC aprofunda a recessão

Desgoverno Bolsonaro perde o controle da inflação e BC “independente” aumenta taxa básica de juros. Medida, que vai travar de vez a economia real, só beneficia o rentismo

Márcia Pinheiro (arte)/Eduardo Corelli/Redes Sociais

Alta histórica dos juros só beneficia o sistema financeiro

A última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) “independente” em 2021 fechou com a esperada alta de 1,5 ponto percentual da taxa básica de juros da economia (Selic), de 7,75% para 9,25%. No primeiro encontro de 2022, avisou o órgão, haverá outro reajuste do mesmo grau, o que fará o indicador ultrapassar o patamar de julho de 2017 (10,25%) e agravará o quadro recessivo que o ministro-banqueiro Paulo Guedes insiste em dizer que é mero discurso da oposição.

Esta foi a sétima reunião consecutiva em que o BC “independente” decidiu pela alta. A escalada, de 7,25 pontos percentuais desde março, é o maior ciclo altista dos juros desde 2002, último ano do governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Tanto em 2002 quanto agora, o motivo é o mesmo: a perda de controle sobre a inflação.

Em 2002, a inflação anual chegou a 12,25%. Dezenove anos depois, a meta inflacionária de 3,75%, com tolerância de 1,5 p.p. para cima ou para baixo, já quase triplicou até outubro. O índice acumulado nos 12 meses anteriores chegou a 10,67%, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Brasil é líder de alta dos juros

Já os dados coletados pelo BIS, banco central dos bancos centrais, mostram que o ritmo de alta dos juros brasileiros é o maior entre os analisados, e o país voltou a liderar o ranking de juros reais. Apesar disso, a inflação brasileira está entre as três mais altas.

Entre as causas da carestia atual estão o real, desvalorizado pelo descrédito mundial do desgoverno Bolsonaro, e as altas constantes dos bens intermediários (insumos da produção). A política de dolarização dos preços da Petrobras termina o serviço, contaminando toda a cadeia produtiva e também o consumo na ponta.

Nesta sexta-feira (10), o IBGE anunciará o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) e o INPC Amplo de novembro, e as prévias mostram o avanço da carestia no mês. “Diante do aumento das projeções e do risco de desancoragem das expectativas para prazos mais longos, é apropriado que o ciclo de aperto monetário avance significativamente em território contracionista”, justifica o Copom em comunicado.

Por isso a projeção de nova alta na próxima reunião, em fevereiro. E pode ir além do já contratado. “O Copom enfatiza que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados para assegurar a convergência da inflação para suas metas, e dependerão da evolução da atividade econômica, do balanço de riscos e das projeções e expectativas de inflação para o horizonte relevante da política monetária”, alerta o comunicado.

Juros altos derrubam produção

A “evolução da atividade econômica”, no momento, segue em viés de baixa, com seguidas revisões negativas das projeções para o desempenho da economia – neste ano e no próximo, pelo menos. Em tempos de deterioração econômica como os atuais, com a inflação e o desemprego corroendo a renda dos trabalhadores e a poupança e o consumo em queda, juros altos inviabilizam investimentos e qualquer outra chance de recuperação da atividade da economia real.

O mesmo não ocorre no mundo virtual do mercado financeiro. A organização Auditoria Cidadã da Dívida estima que o custo da dívida pública federal, que beneficia principalmente grandes bancos e investidores, dá um salto de R$ 25 bilhões anuais no pagamento de juros a cada aumento de 1 p.p da Selic.

Em agosto, os títulos da dívida pública indexados à Selic alcançaram a fábula de R$ 2,518 trilhões. Economistas do Bradesco estimam que o pagamento de juros da dívida deve aumentar de R$ 438 bilhões para R$ 658 bilhões em 2022, enquanto políticas públicas de combate à fome e à miséria são exterminadas pelo desgoverno Bolsonaro.

Com a picardia típica de sua terra, o vice-líder da Minoria na Câmara dos Deputados, José Guimarães (PT-CE), mostrou a realidade invadindo a Bovespa, ilha da fantasia dos financistas brasileiros. “Viva nossos artistas que estão na resistência! ‘Vaca Magra’ é obra da artista cearense Márcia Pinheiro. A obra faz parte de um protesto contra a fome e a miséria no Brasil”, apontou o deputado em postagem no Twitter.

Ao aumentar seguidamente a taxa básica de juros, o Banco Central sinaliza ao mercado que está disposto a pagar taxas mais altas a grandes bancos e investidores. Estes, por sua vez, exigem taxas de juros mais altas também por outros tipos de títulos públicos. A cada ano, bilhões de reais saem dos cofres públicos a título de juros da dívida pública, concentrando ainda mais a renda e a riqueza no país.

O mercado financeiro, é claro, já aposta em nova sequência de altas em 2022. Ao Estadão, Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, disse que a expectativa é de alta de pelo menos 1,5 p.p, na primeira reunião do ano, porque a inflação de 2022 já estará acima do teto e da meta estabelecidos pelo BC “autônomo”.

“Vale destacar que o Banco Central também é o responsável por estimular o fomento da atividade econômica e do emprego, e por isso acreditamos que a taxa alcançará facilmente 11% em março”, ponderou o economista. Fomento da atividade econômica e do emprego é algo esperado há bastante tempo pela economia produtiva.

BC empurra país para a recessão

Um dia após cobrar de Jair Bolsonaro mais “liderança” para aprovar as reformas administrativa e tributária, o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Andrade, voltou à cena para lamentar a nova alta da Selic. Segundo ele, os últimos dois trimestres de retração do PIB deixaram evidente o quadro adverso da atividade econômica no país.

“Dessa forma, um aumento menos intenso da Selic, em conjunto com as elevações anteriores, já seria mais que suficiente para levar a inflação até a meta, sem que o Banco Central aumentasse a probabilidade de recessão”, avaliou Andrade.

Em nota, a CNI afirma ainda que decisão “vai de encontro a essa necessidade, aumentando o custo do financiamento e desestimulando a demanda, justamente em um momento em que muitas empresas ainda estão se recuperando”. Os indicadores de confiança, faturamento e produção da entidade já arrefecem neste último trimestre.

A retração também se evidencia a cada pesquisa ou indicador anunciados pelo IBGE. Nesta quinta-feira (9), seus pesquisadores anunciaram que, em outubro, as vendas do comércio caíram pelo terceiro mês consecutivo e a produção da indústria, pelo quinto mês seguido. Ambos os setores se encontram abaixo do nível anterior à epidemia.

“As empresas vão enfrentar em breve uma retração de demanda ainda mais significativa por conta dessa política monetária. Já dá para sentir esses sinais, e a tendência é de piorar a situação, porque os efeitos são defasados”, disse à Folha o gerente-executivo de Economia da CNI, Mário Sérgio Telles, antes mesmo do anúncio do Copom.

Telles explicou que, como esse movimento já está se refletindo na atividade, não há necessidade de aumentar o ritmo de alta de juros. “O efeito da retração de demanda sobre os preços pode surpreender. Talvez não seja necessária uma política monetária tão restritiva como está sendo sinalizada. O ajuste pode ser gradual para que o efeito sobre a atividade seja amenizado”, argumenta.

No mundo do trabalho, a pesquisa mensal do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) aponta que o salário mínimo necessário para suprir as necessidades de famílias de quatro pessoas deveria ser de R$ 5.969,17. O valor, que sofreu variação de 30% acima desde o começo da pandemia, representa 5,42 vezes o atual salário mínimo, R$ 1.100 desde janeiro. Cadê o Banco Central “independente”?

Da Redação

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