Lava Jato comete “desvio de função” ao firmar acordo com os EUA; entenda
Em entrevista ao Brasil de Fato, o cientista político William Nozaki, explica quais os problemas do acordo e ressalta: “O MP quer atuar como Poder Executivo e Legislativo”
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Um acordo firmado entre a força-tarefa da Lava Jato, a Petrobras e autoridades dos Estados Unidos na última semana tem sido alvo de críticas por diferentes motivos no Brasil. Segundo o documento, a estatal, onerada por casos de corrupção, terá que pagar mais de R$ 3 bilhões ao Ministério Público Federal (MPF) e às autoridades estadunidenses. Para a gestão do recurso, o MPF propõe a criação de uma fundação de direito privado, sob controle dos procuradores.
Nesta terça-feira (12), os membros do MPF anunciaram que fizeram uma nova proposta às partes, suspendendo a criação da fundação devido à repercussão negativa do acordo.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp), William Nozaki, explica passo a passo quais são os problemas daquele acordo e ressalta que o “há um desejo do Ministério Público de atuar como Poder Executivo e como Poder Legislativo”.
Nozaki é diretor-técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (INEEP), que emitiu uma nota técnica criticando o acordo firmado entre a Petrobras, o MPF e as autoridades monetárias estadunidenses.
Brasil de Fato: O que se pode dizer sobre o histórico da relação entre a força-tarefa da Lava Jato, a Petrobras e os Estados Unidos, desde que a operação foi deflagrada, há cinco anos?
William Nozaki: Esse é um bom começo de conversa, porque o pano de fundo do que foi proposto no âmbito do acordo do Ministério Público Federal, das autoridades monetárias americanas e da Petrobras está inscrito na maneira como tem sido tratada a centralidade estratégica da Petrobras depois da descoberta do petróleo – do pré-sal, especificamente –, e como isso colocou a empresa no centro de um conjunto de interesses geopolíticos e geoeconômicos que nos obrigam a revisar a própria história da última década.
No centro dela, o que temos é a emergência da Petrobras como uma empresa estratégica central para o Brasil, e isso trouxe novas demandas geopolíticas. A articulação desses atores ou a centralidade desse processo começa a se explicitar há uma década, quando, em 2008, a Petrobras passa por um primeiro processo de espionagem industrial. Ela sofre um furto de dois contêineres contendo notebooks e HDs com informações sobre o pré-sal. Isso acontece um ano antes de se conformar uma conferência entre o Departamento de Justiça dos Estados Unidos e integrantes da Polícia Federal, do Ministério Público e do Judiciário brasileiro para tratar de procedimentos de combate à corrupção e à lavagem de dinheiro.
Isso caminha para a organização de um acordo de parceria, em 2010, no âmbito de uma iniciativa chamada Bridge Project, o “Projeto Pontes”, que tentava estabelecer trocas de experiências de combate à corrupção e lavagem de dinheiro entre o Brasil e os Estados Unidos. E justamente o participante da delegação brasileira nesse encontro foi o juiz Sérgio Moro.
Tem alguns outros elementos interessantes nesse percurso e que chamam a atenção também. Sobretudo a partir de 2013, quando a denúncia do [Edward] Snowden revelou que havia documentos que mostravam como a presidenta Dilma [Rousseff (PT)], alguns ministros e altos dirigentes do governo, assim como a rede privada de computadores da Petrobras, eram alvo de espionagem. E um outro elemento que merece destaque nesse percurso é que tudo isso serve como antessala para a Lava Jato, que vai se instaurar em 2014. Ela se instala a partir de um conjunto de conexões com as autoridades judiciais e monetárias americanas e um conjunto de indícios sobre a relação entre a análise da indústria petrolífera brasileira e do pré-sal.
Se por um lado a gente não pode estabelecer nenhuma relação imediata de causa e consequência entre uma coisa e outra, porque a gente não tem prova, por outro lado tem uma coincidência temporal que é muito sintomática. E que precisa ser observada com atenção, porque ela vai revelar pontos de articulação que foram se explicitando mais recentemente nesse acordo que foi feito entre o Ministério Público Federal, as autoridades monetárias americanas e a Petrobras.
Leia a Entrevista completa aqui.
Por Brasil de Fato