Leia a Carta das Mulheres da Amazônia por Resistência e Territórios Livres

O documento foi elaborado durante o Fórum de Movimentos de Mulheres da Amazônia, que aconteceu em Manaus, nos dias 21, 22 e 23 de junho

Cleuton Mendonça

Fórum de Movimentos de Mulheres da Amazônia

O Fórum de Movimentos de Mulheres da Amazônia, uma iniciativa das secretarias Estaduais e Nacional de Mulheres do PT, movimentos sociais e dos povos da Amazônia, aconteceu nos dias 21, 22 e 23 de junho, em Manaus, e teve como objetivo o debate em defesa do meio ambiente e das pautas femininas como combate à violência e feminicídio.

No encontro foi elaborada a “Carta das Mulheres da Amazônia” que fala da conjuntura política, do modelo de desenvolvimento que as mulheres querem na região, e da defesa permanente pela liberdade do ex-presidente Lula.

Confira a íntegra da Carta

Mulheres da Amazônia: Resistência e Luta por Territórios Livres, Feministas, Sustentáveis e pelo Bem Viver

“Basta uma crise política, econômica e religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados.”
Simone de Beauvoir

Nos dias 21, 22 e 23 de junho de 2019, a Secretaria Nacional Mulheres do PT, as Secretarias Estaduais e mulheres de Movimentos Sociais dos Estados que compreendem o território Amazônico (Roraima, Acre, Pará, Rondônia, Amapá, Maranhão, Amazonas, Mato Grosso e Tocantins) reuniram-se no Fórum de Movimentos de Mulheres da Amazônia, em Manaus-AM, para construir estratégias de ação e marcos de articulação para defesa dos povos e dos territórios Amazônicos, diante de um contexto de sistemático avanço de ideais fascistas, neoliberais, fundamentalistas, racistas, lgbtfóbicos e misóginos, tanto no território brasileiro como na América Latina e no mundo.

A chegada ao poder do atual governo, que tem executado uma agenda neoliberal no Brasil caracterizado por uma constante ameaça à existência dos povos da Amazônia, além dos sistemáticos ataques à democracia e aos direitos socioassistenciais e previdenciários conquistados ao longo das últimas décadas, vêm aprovando medidas nocivas à vida de nossa população. Como expressão desta política destacam-se o pacote de veneno para a agricultura, ampliação da mineração em áreas de proteção ambiental, a tentativa de facilitação da posse de armas (o que ampliaria os conflitos agrários e a grilagem de terras) e o enfraquecimento do fundo da Amazônia, administrado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES. É importante destacar que este governo só ganhou viabilidade eleitoralmente graças ao golpe jurídico-parlamentar de 2016, e comprometido em potencializar os projetos políticos mais retrógrados, de forma autoritária, que não respeita os princípios democráticos.

Nesse contexto, é preciso lembrar o que significou a colonização da Amazônia e que a invasão das terras indígenas, a aculturação e a implantação de um regime escravocrata deixaram profundas marcas no território e no povo amazônico. Como expressão deste processo, estes povos foram afetados diretamente pelo acirramento de uma cultura de machismo, racismo, lgbtfobia, feminicídio, do tráfico de mulheres, etnocídio, violência no campo, trabalho escravo e extermínio da juventude negra e indígena. E o atual cenário é novamente transposto de discursos de ódio, propagados por conservadores e fundamentalistas nas esferas de decisão pública, com o intuito de subtrair a cultura remanescente, o território e as riquezas da Amazônia.

Assim, é imprescindível debatermos as especificidades da diversidade humana e suas implicações pós-colonização no contexto amazônico. A precarização das condições de trabalho e de vida, de violência e de violações de direitos das mulheres negras, indígenas, quilombolas, jovens e LGBTs, desordenamento territorial e a crescente favelização das periferias urbanas, gestão inadequada de resíduos sólidos e a falta de infraestrutura e equipamentos públicos em geral são exemplos mais visíveis das consequências do modelo de colonização e de intervenção nas culturas amazônicas. Desta forma, é urgente e necessário rechaçar a PEC 80/2019, que propõe alterar a base conceitual e jurídica das reformas agrária e urbana, rasgando o estatuto da terra, o estatuto das cidades e os artigos 181 e 186 da constituição federal de 1988 (que asseguram a função social da propriedade).

Entretanto, é necessário rememorarmos que historicamente os povos da Amazônia protagonizaram os maiores focos de resistência neste país. Na atualidade, essas populações estão permanentemente em mobilização, atuando nas comunidades, nas cidades, no campo e nos espaços de controle social em resistência ao atual cenário de desmonte imposto pelo governo federal. Neste território de contrastes e diversidade ambiental, cultural, linguística e humana, vasto e complexo, criou-se uma pluralidade de ideias e pensamentos que convergem na luta das mulheres pela defesa dos territórios e dos Direitos Humanos, sob uma perspectiva feminista, através da mobilização e participação popular.

Embora os discursos oficiais afirmem o protagonismo exclusivamente masculino neste processo de resistência, sabemos que as mulheres sempre assumiram as linhas de frente nas mobilizações sociais e organização política, através do empoderamento coletivo e na defesa da democracia e dos diretos em tantos momentos importantes da nossa História. O exemplo mais simbólico é o Empate no Acre, quando as mulheres, carregando seus filhos no colo, lideravam os enfrentamentos contra a derrubada da floresta, enfrentando latifundiários, madeireiros e, não raramente, o próprio Estado.

Nessa perspectiva, é importante unificarmos nossas vozes enquanto mulheres da Amazônia que lutam e resistem à opressão e à discriminação. Somos indígenas, negras, quilombolas, mulheres de tradição de matriz africana, das águas, da floresta, da fronteira, da cidade, da periferia, do campo, lésbicas, bissexuais, transexuais, com deficiência, jovens, idosas e mães engajadas na luta social. Construímos um ideal de uma Amazônia cultural, social, ambiental e economicamente justa. Estamos em todos os espaços e juntas somos capazes de movimentar a sociedade a partir da percepção de um bem viver amazônico, na perspectiva das mulheres, por uma vida digna, segura e com o pleno exercício da cidadania para seu povo, por nossos irmãos e irmãs e pelas gerações futuras.

Nós, mulheres dos movimentos sociais da Amazônia, assumimos o Empate dos Povos da Amazônia – Em Defesa da Soberania Nacional e dos Diretos – como nossa principal frente de luta, constituindo a forma de reação aos grandes projetos desenvolvimentistas que ameaçam nossos territórios e que visam o avanço da expansão agrícola, pecuária, de hidrelétricas, da mineração e das indústrias. Da mesma forma que o Empate do Acre foi o instrumento que historicamente uniu os povos da floresta em defesa dos seus territórios e da sua biodiversidade, precisamos retomá-lo para fazer frente aos avanços dos projetos, nacionais e internacionais, que visam transformar a Amazônia, suas florestas e os territórios indígenas, quilombolas e de reforma agrária em um deserto sem vida.

Nós, Mulheres, somos sim, resistência nos diversos territórios e continuaremos em luta, defendendo a economia e a política baseada na valorização e no respeito às diversidades culturais e necessidades dos povos que não privatizam a vida, a natureza e o acesso aos bens comuns. Reafirmamos que nossos modos de vida na Amazônia são a mais genuína resistência ao avanço do capital e a prova de que outro modelo de sociedade é possível: o bem viver. Defender a Amazônia é garantir não só a nossa existência, mas contribuir para o equilíbrio ambiental e para as existências das atuais e das futuras gerações do nosso maior território chamado Terra.

Os movimentos que subscrevem este manifesto se unem na construção do Empate dos Povos da Floresta, passam a compor, como um espaço de debate e organização, o Fórum de Movimentos de Mulheres da Amazônia e estabelecem como agenda e metas deste encontro:

• Constituição do Fórum de Mulheres da Amazônia, com encontros bienais e diálogos permanentes;
• Participação e fortalecimento da Marcha das Margaridas;
• Participação e fortalecimento da Marcha das Mulheres Indígenas;
• Participação e fortalecimento da Marcha das Mulheres Negras;
• Ampliação do debate de candidaturas de mulheres feministas de movimentos sociais para 2020;
• Interiorização dos debates sobre direitos das mulheres e formação de novas parcerias para ampliação e fortalecimento do Fórum de Mulheres da Amazônia;
• Oposição, denúncia e resistência às ações que afetam os povos da Amazônia e o nosso território em todos os espaços;
• Mobilização constante e integrada ao Empate dos Povos da Floresta;
• Realização campanha continua de combate à violência contra as mulheres e contra o feminicídio;
• Ampliação do debate sobre a Reforma Agrária e garantia da demarcação das terras dos povos tradicionais sob a perspectiva feminista;
• Fortalecer a campanha Lula Livre nos Estados e Municípios;
• Ampliar o debate do Bem Viver;
• Rearticular o Movimento Articulado das Mulheres da Amazônia – MAMA nos Municípios e Estados;
• Articular os partidos de esquerda com o movimento sindical e social;
• Consolidação do fórum dos movimentos de mulheres da Amazônia, nos municípios e estados realizando encontros regionais;
• Ampliar o debate da Agroecologia e segurança alimentar e nutricional na Amazônia;
• Fortalecer a economia solidária como contraponto ao capitalismo neoliberal, enfatizando práticas como cooperativismo e autogestão nas relações de produção, comercialização e formação;
• Reforma Urbana na Amazônia Legal;
• Elaborar plano de resíduos sólidos e de saneamento ambiental;
• Motivar as ações de novos grupos de mulheres com formação política, elaboração de políticas públicas e resistências.
• Fortalecer o projeto Elas por Elas nos Estados e municípios, com foco nas eleições 2020;
• Fortalecimento de espaços que valorizem as construções geracionais das mulheres da Amazônia, incentivando a maior participação de jovens mulheres nos espaços de poder.

LULA LIVRE!
Manaus, 24 de junho de 2019.

Da Redação da Secretaria Nacional de Mulheres do PT

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