Liana Cirne Lins: porque me filiei ao PT

Professora universitária da UFPE escreve carta aberta para contar sua trajetória de militância e porque decidiu se filiar ao Partido dos Trabalhadores

Reprodução/Facebook

Liana Cirne Lins

Em 2014, lembro de estar em uma audiência pública da prefeitura, convocada por pressão do movimento Ocupe Estelita.

Estava ouvindo as falas dos representantes do consórcio Novo Recife e da prefeitura, enquanto apresentavam a farsa de “redesenho” do projeto que quer destruir a paisagem e a memória do nosso Cais.

Em um momento, minha cabeça voou. Olhava atentamente para uma pessoa que estava à mesa. Conhecia sua trajetória política. Uma pessoa vinda da esquerda, que tinha uma história digna de militância desde os tempos da repressão.

A presença daquela pessoa ao lado dos interesses do capital e dos interesses rasteiros do projeto Novo Recife não era algo que eu pudesse compreender ou desculpar.

Não parava de me perguntar: o que fez com que aquela pessoa não soubesse o momento de dizer “BASTA!”? Por que ela não se retirava de lá, quando era óbvio o seu desconforto ao ficar do lado errado da história?

Essa cena grudou em minha cabeça. De lá para cá, muitas vezes recebi convites e pedidos para ingressar na política partidária e mesmo de disputar algum cargo eletivo. E em todas as vezes que disse não, lembrei dessa cena.

Eu não queria me transformar naquela pessoa. Uma pessoa tão afeita ao poder que não soubesse o momento de dizer BASTA. Uma pessoa iludida pela vaidade, a ponto de acreditar que era melhor sua presença lá, ao lado do poder e do capital, onde ela acreditava ter algum papel “redutor de danos”, do que ao nosso lado, denunciando as ilegalidades e a imoralidade do projeto.

Essa mentira, esse auto-engano, é algo que nunca quis correr o risco de contar para mim mesma.

Porque se existe alguma certeza que construí ao longo dos anos em minha militância política é que NÃO, não é melhor estar dentro de uma política institucional podre e corrupta do que estar do LADO DE FORA, pressionando, constrangendo, forçando limites.

Não queria fazer política comportada, do lado de dentro, sentada em algum gabinete e no ar condicionado. Meu lugar de fazer política sempre foi a RUA.

Além disso, aprendi que tinha uma vocação para fazer as coisas funcionarem bem deste jeito. Nunca precisei de mandato algum para fazer as coisas que faço. Simplesmente ocupei os espaços deixados vazios pelos políticos. E esses espaços são muitos.

Quando foi necessário impetrar a Ação Popular que suspendeu a tramitação do projeto Novo Recife, em 2012, impedindo sua aprovação, atuei como advogada em nome da cidade que abracei.

E quando o carnaval que me trouxe para Pernambuco estava sendo camarotizado, não era possível esperar que os políticos encontrassem uma solução, até porque eles eram a principal causa do problema. Então fiz o pedido de informações que levou a Prefeitura do Recife e o Governo de Pernambuco a cancelarem os vergonhosos camarotes VIP que ficavam no Marco Zero e na Torre Malakoff, num espaço roubado do povo e financiado com dinheiro público para bancar a folia de uma elite pernambucana. Bastou perguntar a lista detalhada dos gastos e o nome completo, com CPF, dos convidados. E, claro, o que eles haviam feito para merecer aquela honraria paga pela população.

Do mesmo modo, as sambadas de Maracatu, um de nossos mais belos patrimônios culturais, estavam submetidas à censura e ao racismo institucional do programa Pacto pela Vida. Ao lado de Maciel Salú, Mestre Barachinha, Siba, Anderson e muitos Mestres e Mestras do Maracatu, encontramos um caminho jurídico para passarmos da posição de “acusados” à de  “acusadores” e fizemos a representação contra o Governo de Pernambuco junto ao Ministério Público estadual, que levou à expedição da primeira Recomendação que tutelou as expressões culturais e religiosas de matriz africana em nosso estado. Junto com o Som na Rural, de Roger de Renor e de Niltinho, expulsamos a toda poderosa Rede Globo da Praça do Diário, onde ela mantinha um camarote que interditava o que no passado era o “Quartel General do Frevo”, para que pudéssemos voltar a ter um polo do frevo democrático e popular.

Com meus colegas professores e pesquisadores da UFPE, levamos o pedido de tombamento do Cais José Estelita para o então Ministro da Cultura, Juca Ferreira. Depois disso, fui convidada para participar da Cúpula das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, em Nova Iorque, em que se estabeleceram os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

E quando o golpe era iminente, junto a um grupo de vídeo-ativistas, fizemos as aulas que popularizaram as explicações sobre as ilegalidades do impeachment, tornando as arbitrariedades do golpe compreensíveis para uma parcela maior da população.

Sempre fiz política. E nunca precisei ser uma política profissional para isto.

Além do mais, sou mãe. Talvez nem todos entendam, mas quando uma mãe faz política, seus filhos também são envolvidos. Então, em algumas vezes em que fui cobrada a me dedicar à política de forma mais sistemática e ainda mais intensa, respondi que essa cobrança não era justa. Sou mãe, com meus compromissos de mãe, dos quais não quis e não quero abrir mão.

E então veio o golpe.

Vocês sabem o que aconteceu. Uma presidenta mulher, inocente, foi destituída do poder por um golpe machista, covarde, que dizia combater a corrupção que ajudava a aprofundar.

Fomos jogados para dentro do pesadelo golpista e direitos que foram conquistas históricas da classe trabalhadora e do povo brasileiro foram jogados na lata do lixo na velocidade em que se prepara macarrão instantâneo.

E, sim, foi um golpe financiado pelo capital internacional, com o auxílio luxuoso de uma mídia golpista e de um judiciário partidarizado.

Mas foi especialmente com a participação ativa de um congresso corrupto, reacionário e hipócrita, comprometido exclusivamente com seus financiadores de campanha e seus corruptores, que esse golpe se concretizou.

Lembram de Tiririca dizendo “Você sabe o que faz um deputado federal? Eu também não. Vote em mim que eu vou contar pra vocês”?

Pois é, Tiririca. Se tem uma coisa que o povo brasileiro aprendeu nesse curto período de golpe é o que faz um deputado federal.

O povo brasileiro aprendeu o que é ser traído e enganado. Aprendeu que quando um deputado vota lá em Brasília, a gente paga o preço desse voto aqui. Na nossa casa, no nosso emprego, no banco em que a gente tem conta.

E eu também aprendi uma lição. Que a política do lado de fora tem um limite.

No ano passado, quando vi nossa Presidenta cair, sem ter cometido qualquer crime de responsabilidade, quis – quis muito, com todas as minhas forças – estar ao lado dela, para brigar ao lado dela.

Quis fazer política do lado de dentro.

E por que no Partido dos Trabalhadores?

Em 2014, pouco antes das eleições, escrevi um post dizendo que eu queria ser oposição ao governo de Dilma. Queria lutar por pautas sustentáveis. Tinha severas críticas ao incentivo à aquisição de automóveis através de redução do IPI, enquanto os modais alternativos de transporte continuavam subestimados.

Queria fazer oposição à forma como o programa “Minha Casa Minha Vida” estava desassociado de uma política de habitação que fosse construída pela participação popular e democrática, reproduzia critérios higienistas de moradia e deixava o capital privado determinando as políticas de habitação.

Tinha críticas aos empréstimos aos bancos, às concessões às grandes empresas de capital privado, como a JBS, aos equívocos quanto à questão indígena. Eram muitas as críticas.

E não eram críticas apenas minhas, obviamente. Dentro do próprio partido, a disputa de sentidos do que significava ser PT sempre foi imensa. E com um número considerável de correntes internas, muitas foram as disputas para que o governo rompesse as alianças conservadoras e avançasse nas pautas mais progressistas e populares.

Com tudo isso e por tudo isso, pedi o voto em Dilma Rousseff no primeiro turno das eleições de 2014. Queria muito MAIS do governo petista. E querer mais não poderia me fazer ter menos.

Foram trinta e seis milhões de pessoas que saíram da linha da miséria e deixaram de sentir fome. Não sei vocês, mas para mim esse número é comovente. 36 milhões de pessoas que não tinham o que comer e foram alçadas a uma condição de dignidade humana.

O Partido dos Trabalhadores não apenas é o maior partido de esquerda da América Latina.

É o partido que nos permitiu concretizar sonhos de inclusão social e igualdade. De começar a escrever uma outra história do Brasil, uma história que, se teve as tintas da elite que sempre mandou no país, foi pela primeira vez escrita também com todos os grupos historicamente oprimidos e excluídos.

É o partido no qual quero lutar para ter meu país de volta!

Para restaurar a democracia, resgatar nossos direitos que foram surrupiados pela corja golpista e restabelecer a normalidade institucional rompida pelo golpe.

E mais: para assegurar que o nosso próximo governo, que não tenho dúvidas de que será novamente um governo petista, com Lula mais uma vez à frente do comando de nossa nação, mais uma vez eleito com o voto soberano do Povo, reassuma seus originários compromissos populares e progressistas.

Em primeiro lugar, para retomarmos nosso patrimônio natural: o petróleo e o pré-sal, bem como nossa mais importante estatal, a Petrobrás. E devolvermos ao povo brasileiro não apenas nosso patrimônio, mas a garantia de que os recursos advindos da sua extração estarão comprometidos com a educação pública de qualidade, como era antes do golpe.

E para avançarmos em todas as pautas que foram estagnadas pelas alianças conservadoras firmadas nos primeiros governos do PT.

São muitas as vozes dentro do Partido dos Trabalhadores. Mas o coro maior, o coro supremo que estas vozes erguem é pelo compromisso inquebrantável com os trabalhadores e trabalhadoras, homens e mulheres, negros e negras, movimentos sociais, centrais sindicais.

Estas são as alianças que devem ser firmadas no futuro governo de restauração democrática que o Partido dos Trabalhadores deverá firmar.

Me somo a esta luta coletiva e conjunta para assumirmos e cumprirmos estes compromissos.

Devemos garantir que as vozes de oposição e de crítica vindas do povo e dos movimentos sociais e, inclusive, vindas de nosso próprio partido, não sejam jamais silenciadas em nome da governabilidade.

Precisamos entender que quanto mais potentes forem essas vozes de crítica oriundas da esquerda, mais avançaremos em nossos programas. A “real politique” não pode ser uma ideologia de silenciamento das demais ideologias.

Devemos resgatar a luta contra a corrupção, uma luta que historicamente foi do PT, instituir a tolerância zero com a corrupção, inclusive e especialmente entre os nossos próprios quadros.

MAIS IMPORTANTE: Devemos retomar nossa BANDEIRA VERDE E AMARELA, que os golpistas hipocritamente tomaram para si, enquanto vendiam nosso país para os gringos.

Nosso coração é VERMELHO, mas nossa bandeira é nossa pátria brasileira e nenhum – nenhum! – golpista vai tomar nosso país de nós!

Finalmente, quero assumir o compromisso com meu partido de brigar para sempre nos mantermos à esquerda.

E o que posso garantir a meu respeito é que sou muito boa de briga.

Recife, 31 de julho de 2017.

 

Por Liana Cirne Lins

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