Licença-paternidade: luta de famílias por mais tempo de cuidado com seus filhos
Pela primeira vez desde a redemocratização, parlamentares e governo federal entram em consenso para ampliação do direito
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Com apenas cinco dias, a licença-paternidade no Brasil é uma das mais curtas no mundo. Mesmo estando previsto na Constituição de 1988, por meio do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) , a licença parental para os homens segue sem regulamentação via lei específica. Ou seja: são 37 anos em que a licença-paternidade tem o mesmo período de tempo.
Há a possibilidade de o prazo da licença ser ampliado para 20 dias se a empresa onde o pai trabalha, participar do Programa Empresa Cidadã . Instituída em 2008, uma iniciativa é gerida pela Receita Federal, e prevê deduções fiscais para as empresas que oferecem licença-maternidade e paternidade envolvidas em seus empregados. Entretanto, nos últimos 17 anos de implementação do Programa Empresa Cidadã, das 150 mil empresas optantes pelo lucro real, apenas 26 mil formalizaram a adesão a ele, isso representa uma taxa de adesão inferior a 20%.
Os dois cenários demonstram que há grandes barreiras culturais que impedem que os pais assumam mais ritmo com seus filhos, e ajudem suas companheiras no cuidado aos filhos. A ausência de uma norma criada um limbo jurídico e social que afeta milhões de famílias, sobretudo, as mães que, com pouca assistência paterna, ficam sobrecarregadas com os cuidados ao recém-nascido.
“A licença paternidade de 30 dias representa um avanço importante nas políticas de cuidado, igualdade de gênero e fortalecimento das famílias. Essa conquista não pode ser vista como um simples benefício ao pai, mas, sim, como uma medida que impacta a criança, a mãe, o pai e toda a sociedade em nosso país”, defende a deputada federal Benedita da Silva (PT/RJ).
A falta de uma regulamentação da licença-paternidade também contribui para a manutenção da desigualdade no mercado de trabalho entre mulheres e homens. Enquanto as mulheres têm por lei 120 dias, muitas empresas ainda veem como funcionárias “mais custosas” ou “menos disponíveis”.
Já os homens, com os cinco dias de afastamento, continuam sendo considerados “mais produtivos”, um viés que afeta contratações e promoções. Ou seja: a ausência de licença-paternidade amplia a discriminação laboral contra as mulheres e dificulta a equiparação de oportunidades no trabalho.
Estudo da Fundação Getúlio Vargas aponta que quase metade das mulheres que usufruem de licença-maternidade perdem o emprego dentro do prazo de 24 meses após retornarem ao trabalho, sendo que a queda no emprego se inicia imediatamente após o período de estabilidade no emprego garantido pela licença (um mês após o seu retorno).
Bancada Feminina da Câmara capitaneou o debate no Parlamento
Para a deputada federal Jack Rocha (PT/ES), vice-líder do PT na Câmara e coordenadora geral da bancada feminina, o debate sobre a licença-paternidade deve ser uma pauta de toda a família, e não apenas das mulheres. Na avaliação da parlamentar, assumir a defesa da ampliação da licença-paternidade é um gesto simbólico e concreto de transformação cultural, de que o homem não apenas provê, mas também cuida, e de que a maternidade não é tarefa exclusiva da mulher, de que a política deve estar ao lado da vida, da família e do futuro.
“A licença-paternidade trata do direito da família e, principalmente, daqueles homens que querem exercer dignamente a sua paternidade. Afinal de contas, a divisão de tarefas não tem que ficar apenas sobre os ombros sobrecarregados das mulheres. Portanto, a licença paternidade hoje, de 30 dias, que é o projeto que nós estamos defendendo aqui na Câmara, ela é algo essencial”, explica a deputada capixaba.
Desde 2023 o tema da ampliação da licença para os pais tem ganhado atenção no Congresso Nacional. Em abril daquele ano, a Bancada Feminina da Câmara dos Deputados, por meio da Secretaria da Mulher da Câmara, criou um grupo de trabalho para analisar a regulamentação da licença parental para os homens .
Sobre esta iniciativa, Ana Claudia, analista legislativa na Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados, esclarece que a criação do GT buscou construir consensos sobre o tema: “A gente sabe que não é um tema fácil de tramitar, devido à questão da dificuldade em se debater a divisão dos cuidados entre homens e mulheres, pela questão do impacto fiscal. envolve todo o espectro ideológico, por isso que a gente criou esse grupo de trabalho”, esclarece.
Ela informa ainda que a discussão já é muito mais amadurecida, tanto dentro da Bancada Feminina quanto com várias lideranças de partidos, mas ainda há algumas dificuldades, especialmente com lideranças na Câmara, que defendem que 30 dias é um tempo muito longo para a licença para pais.
“O nosso maior e principal impasse é conseguir que os parlamentares, que são muito influenciados pelos setores produtivos, pela indústria, pelo empresário, aceitem o prazo de 30 dias. O nosso grande impasse está sendo convincente como principais lideranças da Casa a não abrir mão desse prazo de 30 dias”, informou.
O Projeto de Lei 6216/2023, que trata do regulamento da licença-paternidade e da instituição do benefício do salário paternidade no âmbito da Previdência Social, é fruto do Grupo de Trabalho Sobre a Regulamentação e a Ampliação da Licença-Paternidade , que teve a colaboração das parlamentares petistas Camila Jara (PT/MS) e Reginet Bispo (PT/RS).
Em dezembro do mesmo ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou ao Congresso Nacional a aprovação de uma lei para garantir a regulamentação da licença-paternidade no país. Com isso, foi-se criada, em 2024, a Frente Parlamentar Mista pela Licença Paternidade , para promover o avanço na regulamentação da licença-paternidade no país.
Tema é apoiado pelo governo Lula
Na avaliação da coordenadora da Bancada Feminina, a bandeira da defesa pela ampliação da licença parental alinha-se profundamente com os valores históricos do projeto político do PT e do governo do presidente Lula, como a defesa dos direitos sociais e a igualdade real entre homens e mulheres, passando pela valorização do cuidado e a construção de uma sociedade mais humana.
Ela explica ainda que o debate no Brasil, país com níveis elevados de informalidade, desigualdade de gênero no trabalho e sobrecarga de cuidado para as mulheres, faz com que essa medida também seja uma estratégia de política pública, eficiente e de alto impacto social.
“É justamente nesse contexto que o governo Lula deve liderar, mobilizar, normalizar e incentivar a cultura do cuidado. E a política do cuidado. Portanto, defender a ampliação da licença-paternidade é defender uma agenda feminista de corresponsabilidade e igualdade. É fortalecer o vínculo paterno, o vínculo materno, o vínculo entre pai e filho, o vínculo entre mãe e filho. É avançar para uma sociedade e que ninguém fique sozinho na tarefa de tornar-se pai, tornar-se mãe e, principalmente, cuidar de toda uma família. E se o governo Lula coloca essa pauta no centro, está dizendo claramente a todas as pessoas: A política de cuidado importa, a paternidade importa, a igualdade de gênero importa, e o nosso futuro começa na presença, no afeto e na justiça social”, observa.
Na semana passada, foi divulgada nas redes sociais do governo Lula, proposta acordada com a Bancada Feminina, mas ainda não votada pelo Plenário da Câmara, que prevê o escalonamento da licença-paternidade. A sugestão é iniciar com 10 dias em 2027, aumentando cinco dias por ano, até chegar a 30, em 2031. Este é o primeiro governo que defende a ampliação da licença-paternidade.
“É mais tempo pra estar presente, cuidar e viver de perto o começo da vida. E o mais importante: pra dividir todas as responsabilidades com as mamães! Um passo decisivo pra um Brasil com mais igualdade e afeto”, diz o texto da mensagem.
Alô, futuros papais e mamães! 👶✨
Vem aí uma grande mudança: a licença-paternidade passa a ser mais justa. Serão 10 dias a partir de 2027, e o prazo vai crescer ano a ano até chegar a 30 dias em 2031.
— Governo do Brasil (@govbr) October 21, 2025
Os valores para pagamento do benefício – que representam menos que 1% do orçamento – serão custeados pela Previdência. Vale ressaltar que houve a possibilidade de a fonte de custeio vir da Medida Provisória 1303, que taxava Bancos, Apostas e Bilionários – a tributação BBB , que aumentaria o orçamento da Previdência. Entretanto, a medida foi derrubada pela extrema direita, na votação no começo do mês.
“O relator estava incluindo a licença-paternidade como umas coisas que seriam custeadas a partir da arrecadação promovida pelo MP. Mas, independentemente disso, o governo já se comprometeu a garantir essa fonte de custeio no orçamento da Previdência, e está em busca de outras possibilidades de aumento de receita para esta despesa”, afirma o analista da Secretaria da Mulher.
Licença-paternidade também integra Política Nacional de Cuidados
A licença-paternidade é um dos instrumentos que operacionalizam os princípios da Política Nacional de Cuidados (PNC), sendo um caminho para concretizar o direito ao cuidado compartilhado, além de reduzir a sobrecarga das mulheres. Por isso, é um debate mais que necessário, e que está bastante atrasado no Brasil.
A secretária Nacional de Mulheres do PT, Anne Moura, destaca a importância da ampliação da licença-paternidade para o enfrentamento ao estereótipo de que o cuidado é função feminina, o que perpetua as desigualdades no mercado de trabalho e nas responsabilidades domésticas. Ela observa ainda que a Política Nacional de Cuidados, ao propor a ampliação e equiparação progressiva das licenças parentais, busca corrigir essa assimetria.
“A relação entre a Política Nacional de Cuidados e a licença-paternidade é direta e estratégica, porque ambos tratam da distribuição social e de gênero das responsabilidades de cuidado. Políticas de licença parental mais amplas e igualitárias materializam o princípio da corresponsabilidade social e de gênero que a PNC quer promover. É claro que o governo do presidente Lula ficaria ao lado das famílias brasileiras. Esperamos que o Congresso vote e aprove esta importante decisão o quanto antes”, defende Anne.
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Marina Marcondes, da Redação do Elas por Elas, com informações da Agência Câmara, Conjur e Agência Brasil
