Luiza Machado: reforma tributária contribuirá para reduzir desigualdade de gênero e raça

Autora do livro “Tributação e desigualdades de gênero e raça” aponta que redução da tributação sobre produtos ligados ao trabalho de cuidado e à fisiologia do sexo feminino beneficiará as mulheres, principalmente as negras

Reprodução/TvPT

Luíza revelou que sua pesquisa comprovou a discriminação de gênero na tributação de diversos produtos

Um dos grandes avanços da reforma tributária do governo Lula, aprovada em dezembro pelo Congresso, foi a redução da tributação sobre os produtos ligados ao trabalho de cuidado e à fisiologia do sexo feminino, o que impactará positivamente a vida das mulheres, principalmente as negras.

“Pela primeira vez na história a Constituição estipulou um critério de igualdade de gênero para avaliar medidas tributárias. Isso é histórico no Brasil. Alguns países já têm medidas de avaliação da igualdade de gênero para a tributação que não é neutra. Ela tem impacto sobre as desigualdades entre homens e mulheres e entre pessoas brancas e pessoas negras, principalmente sobre as mulheres negras”, destacou Luíza Machado, mestra em Direito pela UFM, em entrevista ao jornal PT Brasil da TV PT desta terça-feira (5).

Machado é autora do livro “Tributação e desigualdades de gênero e raça”, fruto da dissertação que investigou a relação da tributação e as desigualdades de gênero e raça no Brasil.

Luíza considera um avanço “incrível e fantástico” que esses regimes diferenciados, dispostos no artigo 9º da emenda constitucional, terão que ser avaliados a cada cinco anos em relação ao custo-benefício.

Luíza revelou que sua pesquisa comprovou a discriminação de gênero na tributação de diversos produtos, perfazendo um sistema que privilegiava principalmente homens brancos em detrimento das mulheres negras, as mais penalizadas pelo sistema tributário vigente.

“As mulheres gastam de forma diferente dos homens e então pesquisei a alíquota desses diversos produtos ligados ao trabalho de cuidado e à fisiologia. Encontrei uma diferença gritante entre esses produtos. Anticoncepcionais têm uma alíquota de cerca de 30% enquanto a camisinha, que é o método onde o homem tem controle, tem uma alíquota de 9%”, revelou a pesquisadora, que é advogada e integra o grupo de pesquisa sobre tributação e gênero do núcleo de direito tributário da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

O DIU hormonal tem cerca de 32% enquanto a alíquota do viagra é de 18%; a cera de lanolina, substância usada em pomadas anti-assaduras, tem uma tributação de cerca de 37%, de acordo com a pesquisa. “A cera de lanolina está no mesmo grupo tributário da cera para carros, que tem uma tributação menor, de 33%”, apontou Luíza, cuja pesquisa comparou também bombas de encher pneu de carro e bombas de amamentação. A tributação delas é três vezes maior que as bombas de encher pneu.

Durante a entrevista, Luíza destacou a atuação de parlamentares do PT que ajudaram muito seu grupo de pesquisa de tributação em gênero e que deu voz na Câmara e no Senado. A deputada Denise Pessoa (PT-RS) liderou o debate para discutir a reforma tributária e a questão da igualdade de gênero e a senadora Teresa Leitão (PT-PE) abriu as portas para a participação do grupo na audiência pública sobre a reforma tributária.

Cashback tem potencial de redução de desigualdade

Luíza destacou que um dos pontos importantes da reforma é o cashback, que é o retorno do imposto pago pelas famílias de baixa renda. “É um mecanismo incrível para reduzir justamente a regressividade que afeta essas famílias mais pobres, em geral chefiadas por mulheres negras.

Entre os 10% mais pobres da população, 42% são mulheres negras e o potencial de reduzir essa desigualdade de gênero e raça com o cashback é muito grande. Energia e gás são itens que a mulher negra gasta 50% mais da sua renda do que uma família chefiada por um homem branco, revelou a pesquisadora.

Esse trabalho de cuidado – cuidar da casa, das crianças, cozinhar – que não é reconhecido e não é remunerado, é o que sustenta a sociedade e ele reflete também nos gastos. No Brasil as mulheres gastam cerca de 22 horas semanais em trabalho de cuidado, enquanto os homens gastam cerca de 11 horas, confirmou Luíza.

“Felizmente o governo Lula começou a distribuição também de absorventes, que é um item que tem uma alta tributação de 27%. Quando a gente compara esses produtos que são mais ligados a funções fisiológicas das mulheres e outras pessoas que menstruam, a gente vê essa diferença”, assinalou.

Padrões de consumo

Mulheres gastam mais com itens de sobrevivência do lar, informou Luiza, cuja pesquisa de orçamentos familiares indicou que as mulheres negras chefes de família gastam 36% mais com alimentação, 40% mais com medicamentos, 78% mais com higiene e 50% mais com artigos escolares. Na investigação dos padrões de consumo, ela comparou homens brancos, homens negros, mulheres brancas e mulheres negras.

“Essa diferença nos padrões de gênero se acentua de forma muito grande quando se observa o gênero e raça de forma interseccional. Estamos falando do trabalho de cuidado e como ele desemboca também na questão dos gastos com essas tarefas. A mulher negra gasta 78% menos com aquisição de imóveis e cerca de 40% menos com aquisição de carros”, observou, ao destacar que é muito nítido como as mulheres negras gastam mais da sua renda na subsistência da família e os homens brancos gastam mais na aquisição de bens e propriedade.

“As mulheres negras tem os menores salários justamente porque a gente está falando de uma interseção entre o patriarcado e o racismo no Brasil”, assinalou.

Tributo zero para cesta básica e remédios

Outro ponto fundamental da reforma tributária é a cesta básica nacional que terá alíquota zero, o que beneficiará muito as mulheres, especialmente as negras, que gastam mais com alimentação. Também haverá tributação zero para medicamentos, dispositivos médicos e produtos de higiene menstrual.

“É fundamental essa reforma porque ela trouxe a questão dos produtos ligados à higiene menstrual que podem ter alíquota zero. Isso é um movimento mundial, diversos países já colocaram nos seus regimes tributários a alíquota zero para produtos ligados à higiene menstrual justamente porque são produtos essenciais para as mulheres e outras pessoas que menstruam”.

Essa tributação só afeta 50% da população, então por que vai cobrar um imposto só de metade da população por uma questão fisiológica inafastável que não tem correspondência com a outra metade da população?

Na TV Elas por Elas tem uma super aula da pesquisadora Luíza Ribeiro sobre tributação e desigualdade de gênero e raça:

Da Redação

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