Lula ao Libération: “Os pobres são a solução”

Em entrevista ao “Libération”, Lula defende que só o retorno de Dilma ao Planalto vai restaurar a credibilidade internacional do Brasil

Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ocupa a capa da edição desta quarta-feira (13) do jornal francês Libération. Em uma uma longa entrevista a Chantal Rayes, publicada sob o título de “Os pobres são a solução”, Lula afirma que é preciso reconduzir Dilma Rousseff (PT) ao poder para recuperar a credibilidade internacional do País.

Segundo Lula, a crise econômica não afeta só o Brasil, mas o mundo inteiro. “A crise está em todos os lugares”. Ele cita as dificuldades dos Estados Unidos para retomar o crescimento, a desaceleração da China e a questão dos refugiados na Europa.

“Esses países, que sempre defenderam o livre-comércio, foram os primeiros, em 2009, a criar barreiras de comércio para lutar contra os efeitos da crise”.

O ex-presidente sustenta que “a crise mundial é também de natureza moral, não somente econômica ou política”, e menciona em seguida as investigações da Lava Jato. Lula diz que foram os governos do PT que fortaleceram a Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União.  Também foram as administrações petistas que ampliaram a autonomia do Ministério Público.

“Minha única crítica é que a Justiça, algumas vezes, parece estar mais preocupada em criar notícias para a imprensa do que em realizar um inquérito corretamente. Mesmo se a pessoa é inocentada, ao final, pelos tribunais, ela acaba sendo condenada pela opinião pública”.

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Lula disse que a própria Dilma reconhece que cometeu erros na área econômica.

“Dilma reconhece que sua política de desoneração fiscal às empresas, que reduziu a arrecadação do Estado, foi longe demais. Entre 2011 e 2015, o Estado renunciou a cerca de R$ 500 bilhões. E, fato muito grave, sem exigir nada em troca do patronato”.

Segundo o ex-presidente, a crise econômica na época da reeleição de Dilma levou o empresariado a perder confiança e os bancos a cortar empréstimos.

“Para reequilibrar as contas, Dilma tentou reduzir as despesas, mas o Congresso, ao contrário, aprovou leis para aumentá-las! O Parlamento parece ter apostado na crise até que surgisse a ideia do golpe”.

O Libération questionou Lula se Michel Temer era um “golpista”. Para o ex-presidente, Temer “é um constitucionalista” e sabe que Dilma não cometeu crime de responsabilidade: como presidente interino, sua missão seria conduzir o ministério de Dilma, mas Temer age como se o processo de impeachment já houvesse acabado:

Ele trocou desde o ministro da Fazenda até o garçom que servia o café. É como se você me emprestasse sua casa nas férias e, na sua volta, eu a tivesse vendido. Como se Dilma nunca tivesse existido. Como se Temer não tivesse jamais feito parte do governo, considerando que ele foi seu vice-presidente por cinco anos”.

Lula disse que ainda acredita no retorno de Dilma. “Se eu não acreditasse, não faria mais política. O processo permite seu retorno. Dilma depende somente de seis votos. Não é difícil de conseguir”.

Sobre como governar em caso de retorno, Lula completou: “A política é a arte do impossível. Eu acredito na democracia, na capacidade de persuasão. Para que o Brasil recupere sua credibilidade no mundo, é preciso restabelecer o mandato daquela que foi eleita democraticamente por 54 milhões de brasileiros”.

Ele afirmou, contudo, que apenas a mobilização popular não vai assegurar o retorno de Dilma e falou da campanha das Diretas Já. Milhões de pessoas foram às ruas, mas a Câmara rejeitou a emenda.

“É preciso conversar com os senadores, ver em que condições eles votariam pelo retorno de Dilma. Só ela pode falar com eles. Ela deve olhar nos olhos deles e dizer o que ela pretende fazer caso ela volte ao poder”.

Lula reconheceu que o PT vive um momento difícil, mas avalia que essa crise do partido não beneficiou os adversários PSDB e PMDB. “O partido tem o dever de se explicar todos os dias, debater, ir à rua. O PT não pode se esconder.

“Lula também disse que não sabe se pode ou não ser preso, mas declarou que pode ser candidato à Presidência em 2018: “Eu conto com a emergência de jovens esperanças da política. Já fui presidente. Mas se existir o risco de colocarem em questão nossas polícias sociais, eu me reapresentarei”.

Ele afirmou que esse risco existe: “O Brasil precisa compreender que os pobres são a solução dos nossos problemas econômicos. Se você der cem dólares a um pobre, ele não vai depositar no banco, não vai investir em bônus do Tesouro. Ele vai correr ao supermercado e comprar o que comer. É o que nós fizemos com a Bolsa Família, o crédito à agricultura familiar e o programa do microempreendedor individual”.

E acrescentou: “Quando colocamos o dinheiro na mão de um grande número de pessoas, nós reativamos o comércio, o que reativa a indústria, o que reativa o desenvolvimento. Não é preciso ser economista para saber essas coisas. Na verdade, os economistas são os que sabem menos disso. Eles se interessam mais sobre o que pensa o FMI ou o Banco Mundial”.

“A crise não vai diminuir enquanto a gente não compreender que uma microeconomia forte é a base de uma macroeconomia com boa saúde. Mas, se a gente corta as despesas públicas, principalmente os gastos sociais, se reduzimos os salários, o país se enfraquece.”

Em relação á política externa, Lula criticou a orientação de José Serra (PSDB) no Itamaraty. O ex-presidente criticou “o complexo de inferioridade” do tucano, que acredita que o Brasil não deveria mais reivindicar uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU.

“Tenho pena de ver o Brasil voltar hoje a ter esse complexo de inferioridade, ficar se perguntando o que pensa a Europa, os Estados Unidos, a China. Eu quero saber o que eles pensam, mas eu quero também que eles saibam o que eu penso. Quero ser tratado de igual para igual.” Segundo Lula, “as instituições de Bretton Woods, o FMI, o Banco Mundial estão ultrapassados. Não há explicação geopolítica para que a América Latina, a África, a Índia, mas também o Japão e a Alemanha, não tenha assento no Conselho de Segurança”.

“Eu representava algo novo na política internacional: era o único operário a chegar ao comando de um grande país. Todo mundo duvidava da minha capacidade de governar. Mas isso permitiu que eu me beneficiasse de uma grande solidariedade por parte de dirigentes de todo o planeta”.

“De modo que eu rapidamente expliquei a Bush que meu inimigo não era Saddam Hussein, mas a fome no meu pais, eu que esse era o inimigo que eu queria vencer. Depois disso, muitos dirigentes quiseram me ajudar. As pessoas não gostam daquelas que não respeitam a si mesmas, dos lambe-botas”.

 

* Do site Brasileiros

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