Lula: “Bolsonaro não está preocupado com o pobre. O Brasil está à deriva”
Em entrevista ao ‘Blog da Cidadania’, ex-presidente critica desastre sanitário e econômico causado pelo governo, que já deixou um saldo recorde de desemprego de 13,8% em julho, o maior da série histórica. “Lamentavelmente, o Brasil retornou ao Mapa da Fome da ONU. E voltamos porque tem muita gente desempregada”, denuncia Lula, que também advertiu para a agenda do ministro da Economia. “Paulo Guedes fala em economia em nome de quem? Ele trabalha para fazer com que o Brasil atenda aos interesses dos bancos”, explicita
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O Brasil precisa restabelecer o diálogo para criar um ambiente democrático e a retomada do crescimento por meio da inclusão dos trabalhadores no orçamento federal. A avaliação é do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em entrevista ao Blog da Cidadania, concedida nesta quarta-feira, 30 de setembro. Para Lula, esta é a única maneira para que o país volte a exercer cidadania em uma sociedade mais justa e fraterna, caminho já trilhado pelo país e que o levou a ser mundialmente reconhecido.
“O Brasil fez parcerias com a China, com a Russia, com os EUA, nós conversávamos com todo mundo porque esse é o papel de um Estado democrático”, afirmou. Na entrevista a Eduardo Guimarães, Lula tratou, entre outros assuntos, da grave crise na saúde pública que já causou a morte de mais de 143 mil brasileiros e da explosão recorde do desemprego, fruto do desastre econômico do ministro Paulo Guedes. “O Brasil está à deriva”, avalia o ex-presidente.
As declarações de Lula coincidiram com a divulgação, pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), dos últimos dados sobre desemprego no país. O quadro é sombrio: o Brasil tem 13,8% de taxa de desocupação no trimestre encerrado em julho, a maior da série histórica, iniciada em 2012. São pelo menos 13,1 milhões de pessoas na fila do emprego.
“Lamentavelmente, o Brasil retornou ao Mapa da ONU, do qual tínhamos saído em 2014”, lembrou. “Voltamos porque tem muita gente desempregada, porque tem menos política socais do que deveria ter”, disse, referindo-se ao impacto profundo da crise escancarada pelos dados do IBGE. No trimestre anterior, o desemprego no Brasil estava em torno de 12,6%. Desde janeiro, o país já perdeu mais de 12 milhões de empregos. Para Lula, uma clara indicação de que o governo trabalha para o sistema financeiro, deixando o povo à mercê da própria sorte.
“Vejo Paulo Guedes falar de economia e percebo que ele não entende nada, é um banqueiro”, ponderou o ex-presidente. “Ele não sabe o que é um pobre, vem falar em economia em nome de quem? Guedes trabalha para fazer com que o Brasil atenda aos interesses dos bancos”, pontuou. “Não vejo o governo preocupado com o pobre, em resolver o problema do emprego, do salário. É um governo que pensa na turma dele, o Brasil está à deriva”.
Retirada de direitos
Segundo o ex-presidente, o governo tenta vender a ideia de que é preciso criar uma sociedade de microempreendedores apenas para poder retirar direitos dos trabalhadores, como carteira assinada e previdência. “Colocaram na cabeça que o motorista de Uber é microempreendedor, que o cara que entrega pizza também é. Nada, são deserdados que só vão descobrir quando quebrar o carro, a bicicleta, aí eles vão perceber que não têm nenhum amparo”, declarou. “Essa gente [Guedes e Bolsonaro] tornou-se apta a mentir o tempo todo ao povo”.
Vejo Paulo Guedes falar de economia e percebo que ele não entende nada, é um banqueiro. Ele não sabe o que é um pobre, vem falar em economia em nome de quem? Guedes trabalha para fazer com que o Brasil atenda aos interesses dos bancos”
Para Lula, o governo falhou até em garantir comida na mesa do trabalhador. “Nem o preço dos alimentos essenciais é controlado, falta alimento essencial nas prateleiras dos supermercados e falta na casa do trabalhador. O que fizeram com nosso país?”, indagou o ex-presidente, ao lamentar a destruição da política federal em defesa da agricultura familiar.
Desmonte do Estado
Lula considera que é preciso dar novo significado ao papel que o Estado pode exercer para melhorar a vida da população e fomentar o desenvolvimento do país. “O Estado governa para todos mas precisamos saber quem precisa do Estado. Quem precisa do banco público é o povo mais pobre, trabalhador, a classe média baixa”, explicou, mantendo-se fiel à tese de que quando a crise a aperta, todos recorrem ao socorro do Estado, inclusive o mercado financeiro, como na crise de 2008. “Quem está resolvendo a questão da pandemia não é o Deus mercado, é o Estado. Se Não fosse o SUS, não sei o que teria acontecido nesse país”, disse.
Para o ex-presidente, o atual desmonte do Estado brasileiro demonstra que o governo não sabe administrar. “No caso do Bolsonaro, o desmonte é total: da previdência, dos direitos dos trabalhadores, do salário mínimo, dos programas que criamos para agricultura familiar… tudo isso foi desmontado. Os programas sociais acabaram”.
Segundo Lula, o governo só pensa em vender o patrimônio brasileiro. “Quem pensa no Brasil, quer construir o Brasil e não vender o patrimônio. O cara que pensa no país quer construir novos patrimônios, que possam ser transformados em infraestrutura, universidades, escolas, laboratórios”.
“Bolsonaro desacatou a ciência”
De acordo com o ex-presidente, a atitude negacionista de Bolsonaro diante da pandemia do coronavírus está por trás da tragédia que ceifou a vida de mais de 143 mil pessoas no país. “O que está acontecendo não precisaria acontecer, se tivéssemos um governo com o mínimo de bom senso”, comentou.
Quem pensa no Brasil, quer construir o Brasil e não vender o patrimônio. O cara que pensa no país quer construir novos patrimônios, que possam ser transformados em infraestrutura, universidades, escolas, laboratórios”
“Se o governo tivesse criado um comitê de crise, com os especialistas, com os governadores e prefeitos, para que a gente tivesse uma orientação única para a sociedade… Se houvesse uma orientação única, com um presidente que falasse ao seu povo aquilo que é correto, o que a ciência diz, teríamos evitado muitas mortes”, opinou. “Temos um presidente que preferiu desacatar a ciência, a orientação médica e preferiu ficar vendendo remédio”, lembrou.
“Ele teve a pachorra de tirar o primeiro ministro da Saúde, que é médico e estava comprometido com uma política saudável”, observou Lula, lembrando ainda a passagem rápida de Nelson Teich pela pasta e a chegada do general Eduardo Pazuello ao Ministério da Saúde, alguém que não entende nada de saúde nem de ciência. “Temos um presidente que não cuidou, não cuida e não vai cuidar da [saúde]. Para eles, a vida não importa”, criticou.
A volta do fascismo
Para Lula, o presidente tornou-se uma presença nefasta no debate público brasileiro por ter estimulado o fascismo no país. “Bolsonaro tem esse mérito, fez ressurgir pessoas que não tinham coragem de assumir o que eram: fascistas, nazistas e milicianos, que não se apresentavam em debate”. Segundo o líder petista, “Bolsonaro trouxe essa gente do ralo da politica para colocar nas páginas das notícias de política”.
O ex-presidente atribuiu em parte o radicalismo atual da política brasileira ao comportamento dos meios de comunicação. “Isso aconteceu quando estabeleceram a doutrina da não política”, disse Lula, uma das maiores vítimas do dedo acusatório da imprensa. “Todo mundo passou a ser corrupto, ladrão, ninguém tinha competência técnica… só o mercado poderia resolver o problema. Deu nisso, o Bolsonaro, como na Alemanha, o Hitler e na Itália, o Mussolini”, analisou.
Retomada do diálogo democrático
Para Lula, é preciso recuperar a tradição do diálogo democrático, baseado no respeito ao debate e à convivência entre ideias divergentes. “É preciso a gente brigar pela normalidade democrática, por um país onde as pessoas se respeitem, se cumprimentem e possam conviver com as diferenças”, conclamou. “A democracia nada mais é do que a convivência na diversidade. E Bolsonaro jogou isso no lixo”.
“Precisamos ter sempre o compromisso de passar esperança para as pessoas”, declarou. “Para que a gente volte a ter um pais com muito amor, com muita paz e que acredite piamente na democracia. Porque não existe saída fora da política”.
Da Redação