Lula e o sítio de Atibaia: a saga da justiça seletiva continua
Depoimento do ex-presidente é recebido com tom de censura e repressão pela juíza substituta de Moro, Gabriela Hardt
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Apesar de aparentemente tranquilo, o clima na manhã de 14 de novembro de 2018, uma quarta-feira cinzenta na porta da Polícia Federal em Curitiba, era de apreensão e resistência onde o ex-presidente Lula está preso político desde o dia 7 de abril deste ano cumprindo pena de 12 anos referente ao “tríplex no Guarujá”.
Em frente, a vigília Lula Livre protestava, cantava e vibrava energia positiva pelo companheiro e grande líder. Foi a primeira vez que ele saiu do prédio da Polícia Federal desde sua prisão. O motivo: prestar depoimento na Justiça Federal em mais uma ação de acusação, desta vez, se é dono ou não do “sítio em Atibaia” que frequentou no interior de São Paulo.
O candidato a presidência nas eleições pelo PT, Fernando Haddad, que passou a manhã com o ex-presidente para prestar solidariedade e saber se ele estava bem, afirmou que “ele tinha lido todos os depoimentos das testemunhas e estava muito tranquilo quanto ao que ia relatar para a juíza no seu depoimento. Achei ele muito preparado e tranquilo”.
Lula chegou na Justiça Federal de carro da PF, escoltado por outros seis carros, mais cerca de 20 motocicletas, um caminhão do BOPE e um grupo de atiradores de elite, que ficaram do lado de fora fazendo a segurança do prédio. A audiência teve início às 14h, pela juíza Gabriela Hardt, substituta do juiz Sérgio Moro, responsável pela “Lava Jato”. Na ocasião, ele entrou de férias do cargo de juiz, mas já cumprindo agenda como Ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro em reuniões de transição com outros ministros e assessores em Brasília.
Segundo lideranças do PT, essa manobra é inconstitucional, e a distribuição do processo deveria ter sido feita por sorteio, e não por indicação e substituição. Na última sexta-feira, 16, dois dias depois do depoimento, Moro pediu a exoneração do magistrado no Judiciário. O PT já deu entrada em ação de anulação da exoneração.
Do lado de fora, a militância se manifestava pacificamente em frente ao prédio da Justiça Federal, e era constantemente munida de informações sobre o processo, expectativas do depoimento, esperança e senso de justiça por lideranças do PT, como a presidenta do Partido dos Trabalhadores e senadora do PT-PR Gleisi Hoffmann, que explicou que Moro deveria ter se exonerado do cargo assim que aceitou ser ministro, para que o processo de Lula fosse redistribuído sem indicação de magistrado. “Moro tirou férias para que a amiga dele pudesse continuar o julgamento e seguir o seu roteiro que é condenar o presidente Lula”, afirmou.
Questionada sobre a expectativa em relação à substituta, Gleisi declarou: “Nenhuma. Porque é uma juíza que é a sequência do que o juiz Sérgio Moro quer.” Mais tarde, ainda em frente à sede da Justiça Federal, ela questionou o processo e afirmou que Lula é inocente. “Qual é o crime que Lula cometeu? Corrupção passiva precisa de um ato de ofício. Lavagem de dinheiro também. Lavou dinheiro de quem e onde? O sítio não é dele, ele não sabia das reformas, não pediu as reformas, todas as testemunhas falaram que não tem nada a ver com recurso da Petrobrás e mesmo assim o juiz embarcou de novo na tese do Ministério Público sobre as convicções, dizendo que Lula deveria saber e tem responsabilidade”. Ela classificou o depoimento de hoje como “mais uma peça teatral desse processo”.
Em pleno acordo com a presidenta do partido, Paulo Pimenta (PT-RS) explicou que “não existe, na legislação brasileira, a figura do juiz de férias que faz política. Juiz não faz política. Isso está no conselho federal, na lei orgânica da magistratura, isso está no código de ética. Esta figura, juiz de férias fazendo política, nunca existiu, porque ela é ilegal”, disse.
O senador Lingbergh Farias (PT-RJ) também mandou seu recado à militância. “Nós temos a tarefa de resistir. Já que não tem mais a separação dos poderes, é uma farsa o que está acontecendo com o país. Daqui 30, 40 anos, vamos sentir muito orgulho de estar junto de Luiz Inácio Lula da Silva!”, disse, indignado, referindo-se ao fato de Moro estar ocupando dois cargos ao mesmo tempo, um do Poder Judiciário e outro do Poder Executivo, comprovando portanto, o golpe político que vem sendo denunciado desde 2015, do impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, até a prisão de Lula.
Participaram também o deputado Enio Verri (PT-PR), o presidente da CUT Nacional Vagner Freitas, Roberto Baggio, um dos coordenadores da Vigília Lula Livre e coordenador do MST-PR, e a candidata a vice-governadora nas últimas eleições pelo estado do Paraná, Ana Terra. O advogado petista, Wadih Damous, advogado de Lula durante anos, principalmente na época da Ditadura, comparou as ações e constatou o mesmo erro: a falta de provas. “São dois processos diferentes do ponto de vista do objeto, mas são processos parecidos. Da mesma forma como no caso do tríplex, atribuiu-se a propriedade e a responsabilidade ao presidente Lula de um imóvel (o sítio) que não é dele”, afirmou Damous.
Enquanto isso, na sala da (in) “Justiça”
Questionada por Lula se quem o acusa de ser dono do sítio em Atibaia havia conseguido juntar as provas, afinal, o ônus da prova é de quem acusa, a juíza foi incisiva ao calar o ex-presidente afirmando que somente ela poderia perguntar, e ele somente responder as perguntas que ela fizesse. Lula ainda tentou explicar que na audiência com Moro havia sido diferente, que apesar das acusações, o juiz o permitia perguntar quando havia dúvida sobre o processo ou sobre a pergunta, mas a juíza foi irredutível. Disse que não permitiria ser interrogada pelo ex-presidente. E prosseguiu com o interrogatório de 2 horas e 38 minutos, com interrupções em tom de censura e intimidação.
Segundo a denúncia feita pelo Ministério Público Federal (MPF) embora esteja em nome de amigos da família de Lula, ele seria o dono de fato do sítio e teria pedido que as empreiteiras OAS e Odebrecht realizassem melhorias avaliadas em cerca de R$ 700 mil. No total, entre a reforma e a aquisição de móveis e equipamentos, o petista teria recebido R$ 1,02 milhão em propina. Em troca, teria facilitado o acesso das empresas a contratos na Petrobras.
Em depoimento, Lula contou que começou a frequentar o “sítio em Atibaia”, de propriedade de Jonas Suassuna e Fernando Bittar, filho de Jacob Bittar, em 15 de janeiro de 2011, quando ele já não era mais presidente. Chegava a ficar hospedado lá vários dias com sua família: dona Marisa, filhas e filhos, genros e noras, netas e netos, bisneto e seguranças, e com a família Bittar, de quem são amigos desde 1975. Os laços fortes de amizade e ideais foram construídos durante todos esses anos numa parceria de luta política com a fundação do PT, dos sindicatos, formação de base da militância, greves e campanhas juntos.
Para Lula, tudo isso já seria suficiente para ambas as famílias terem a intimidade de passarem os finais de semana também juntos. A família Bittar dava carta branca para o amigo Lula frequentar o sítio, inclusive, o direito dele e família terem pertences pessoais no local, de dona Marisa presentear o sítio com lona de cobertura de piscina para proteção dos netos, e com barquinho e pedalinho para as horas de lazer no lago, já que eram uma grande família. Devido a um câncer na laringe, a partir de 27 de outubro daquele mesmo ano, 2011, Lula passou a ir com menos frequência ao sítio, onde já não dormia mais, nem jogava buraco e mexe-mexe com a família Bittar.
Para o Ministério Público, desconfiado dessa amizade e intimidade, o ex-presidente vira réu mais uma vez por corrupção passiva e lavagem de dinheiro numa possível, mas não comprovada, compra do sítio de Atibaia. No interrogatório, Lula disse, ao falar sobre o sítio de Atibaia: “Eu na verdade pensei em comprar o sitio para agradar a Marisa em 2016. Eu tive pensando porque se eu quisesse comprar o sitio eu tinha dinheiro para comprar o sitio. Acontece que o Jacó Bittar não pensava em vender o sítio, o Jacob Bittar tinha aquilo como patrimônio”.
Questionado pela juíza, de acordo com declaração de Bunlai, sobre dona Marisa ter feito a reforma da cozinha ou tenha interesse em comprar o sítio, Lula respondeu: “Não acredito que dona Marisa tenha feito nem a reforma na cozinha, nem a compra do sítio, porque não existe nenhum documento assinado por mim ou por ela que prove qualquer movimentação a compra do sítio. Simples assim”.
Lula nunca se negou a prestar qualquer esclarecimento a nenhum órgão de Justiça, mas teve prisão coercitiva até a Polícia Federal do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, no caso do tríplex, para criar espetacularização. Na mesma semana, teve apreensão de mais de 40 computadores e documentos no Instituto Lula. E teve condenação por ser dono do apartamento no Guarujá também por meio de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Sem provas, nem escritura em nome de laranja, já que a propriedade nunca deixou de ser da construtora OAS.
Nesse processo consta uma reforma de 1,2 milhão de reais que nunca ocorreu no apartamento, conforme o vídeo feito pelo Povo Sem Medo, em abril desse ano. Por essa condenação, Lula já está preso há sete meses. Com processo sem trânsito em julgado, sem cumprir seu direito por presunção de inocência até o julgamento em última instância, no STF, fato que ainda não ocorreu. Sobre este direito, o advogado de Lula, Cristiano Zanin, questionou a juíza Gabriela, que imediatamente concordou com ele. Basta saber quando e se será cumprido.
Em nota, a defesa de Lula, representada pelo advogado Cristiano Zanin, disse que o seu cliente “jamais praticou qualquer ato na condição de Presidente da República para beneficiar empreiteiras e que Lula é vítima de “lawfare”, que é o mau uso e abuso das leis para fins de perseguição política”.
Leia a nota na íntegra:
“O ex-presidente Lula rebateu ponto a ponto as infundadas acusações do Ministério Público em seu depoimento, reforçando que durante seu governo foram tomadas inúmeras providências voltadas ao combate à corrupção e ao controle da gestão pública e que nenhum ato de corrupção ocorrido na Petrobras foi detectado e levado ao seu conhecimento. Embora o Ministério Público Federam tenha distribuído a ação penal à Lava Jato de Curitiba sob a afirmação de que 9 contratos específicos da Petrobras e subsidiárias teriam gerado vantagens indevidas, nenhuma pergunta foi dirigida a Lula pelos Procuradores da República presentes à audiência. A situação confirma que a referência a tais contratos da Petrobras na denúncia foi um reprovável pretexto criado pela Lava Jato para submeter Lula a processos arbitrários perante a Justiça Federal de Curitiba. O Supremo Tribunal Federal já definiu que somente os casos em que haja clara e comprovada vinculação com desvios na Petrobras podem ser direcionados à 13ª Vara Federal de Curitiba (Inq. 4.130/QO). Lula também apresentou em seu depoimento a perplexidade de estar sendo acusado pelo recebimento de reformas em um sítio situado em Atibaia que, na verdade, não tem qualquer vínculo com a Petrobras e que pertence de fato e de direito à família Bittar, conforme farta documentação constante no processo. O depoimento prestado pelo ex-presidente Lula também reforçou sua indignação por estar preso sem ter cometido qualquer crime e por estar sofrendo uma perseguição judicial por motivação política materializada em diversas acusações ofensivas e despropositadas para alguém que governou atendendo exclusivamente aos interesses do país.”