Lula: “Racismo é crime e uma doença que precisa ser erradicada do nosso país”

Na abertura da 5ª Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial, presidente exalta inclusão social e educacional, alerta para precafirma que democracia só será plena com igualdade racial

Ricardo Stuckert

Lula: “Nós somos humanos independentemente da cor e precisamos nos tratar com respeito, deferência e carinho"

Na abertura da 5ª Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Conapir), em Brasília, o presidente Lula ressaltou a importância do encontro como espaço de diálogo e participação social. Ele fez uma reflexão sobre os 20 anos desde a primeira edição da conferência e lembrou que a retomada do evento ocorre após sete anos de interrupção.

Lula destacou conquistas obtidas por meio de políticas públicas, mas reforçou que “o preconceito ainda é muito forte no nosso meio” e que não basta criminalizar o racismo: é preciso transformar a sociedade. “Nós somos humanos independentemente da cor e precisamos nos tratar com respeito, deferência e carinho”, afirmou.

O presidente apresentou dados recentes para demonstrar mudanças no perfil de beneficiários de políticas públicas. No Bolsa Família, por exemplo, 73% das 19,2 milhões de famílias atendidas são chefiadas por pessoas negras. Já no programa Pé-de-Meia, de 4 milhões de estudantes beneficiados, quase metade são jovens negros.

Na educação, destacou que 57% dos inscritos no ProUni em 2024 eram negros; no Fies, 59,8%; e no Sisu, mais da metade das vagas foi destinada a ações afirmativas. Lula também lembrou que o percentual de estudantes negros ultrapassa 50% nas universidades públicas. “Hoje você encontra a cara brasileira, a cara negra, nos lugares que antes eram ocupados majoritariamente por brancos”, disse.

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Igualdade racial como diretriz de desenvolvimento

Lula frisou que a promoção da igualdade racial é uma diretriz política e econômica de desenvolvimento. Ele citou iniciativas como a criação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) em 2003, a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial e a adoção do sistema de cotas como marcos do processo de reparação histórica.

Segundo o presidente, as famílias negras representam a maioria entre os beneficiários de programas sociais, e políticas específicas para quilombolas, povos de terreiro e indígenas seguem sendo ampliadas. Ele também destacou a proposta feita pelo Brasil na Organização das Nações Unidas (ONU) de criação de um objetivo global de desenvolvimento sustentável voltado à igualdade étnico-racial.

O presidente condenou práticas discriminatórias ainda presentes no país. Citou exemplos de racismo estrutural, como a desconfiança contra negros em espaços de prestígio ou de consumo, e os casos de violência contra jovens das periferias. “Não podemos naturalizar esses absurdos. Racismo é crime e é também uma doença que precisa ser erradicada do nosso país”, declarou.

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Valorização da representatividade

Ao final do discurso, Lula lembrou a trajetória da deputada Benedita da Silva (PT-RJ) e reagiu aos gritos de “senadora” vindos da plateia. “Se essa negona for senadora, será a mais bonita senadora deste país e a mais forte representação negra do Brasil”, afirmou, sob aplausos.

O presidente concluiu dizendo que a construção de um Brasil mais justo depende da soma entre políticas públicas do governo e a luta diária dos movimentos sociais. “Tenho certeza de que juntos construiremos as bases de um país mais justo, inclusivo e democrático, onde todos sejam tratados com respeito, igualdade e dignidade”.

Cerca de 1,7 mil delegados participam da Conapir, representando a população negra, quilombolas, povos e comunidades tradicionais de matriz africana e de terreiros, povos ciganos, indígenas, juventude negra, mulheres negras e população negra LGBTQIA+. Também estão presentes 200 convidados, 50 observadores e 45 expositores.

A etapa nacional é resultado de uma ampla mobilização que incluiu conferências municipais, estaduais, etapas digitais e plenárias temáticas, que elegeram delegados e reuniram propostas para debate.

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Espaço democrático e de resistência

Durante a cerimônia, a ministra ressaltou a retomada do evento após sete anos de interrupção e homenageou lideranças históricas, como a deputada federal, Benedita da Silva (PT/RJ), o senador Paulo Paim (PT/RS), a ex-ministra da Igualdade Racial, Luiza Bairros, e a militante do PSOL, Roseli Faria Roseli Faria, economista pioneira nas comissões de heteroidentificação, que lutou pela implementação da política de cotas raciais para ingresso nas universidades e carreiras públicas.

Anielle Franco enfatizou que não há democracia sem justiça racial e reparação. Ela lembrou marcos políticos recentes, como o golpe contra a ex-presidente Dilma Rousseff, o feminicídio político de Marielle Franco e Mãe Bernadete, e a prisão de Lula, para afirmar que, apesar das violências sofridas, o movimento negro segue “de pé, esperançando e construindo futuros com dignidade”.

Segundo a ministra, a promoção da igualdade racial foi definida por Lula, há 20 anos, como diretriz política e econômica de desenvolvimento do país. Ela apontou que coragem e humanismo deram origem a conquistas como o Estatuto da Igualdade Racial e as políticas de cotas.

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Políticas implementadas pelo ministério

Ao apresentar os resultados da gestão, Anielle Franco citou:

– Investimentos de mais de R$ 100 milhões em saúde para comunidades quilombolas e atendimento a 60 mil pessoas com anemia falciforme.

– O programa Juventude Negra Viva, em articulação com 19 ministérios, que destinou recursos para câmeras corporais, centros comunitários e ações de cidadania.

– Apoio à cultura, com mais de R$ 600 milhões voltados a profissionais em territórios periféricos.

– Urbanização de favelas no PAC e saída de mais de 14 milhões de famílias do mapa da fome.

– Avanços em educação, como a renovação das cotas universitárias e nos concursos públicos, além da valorização das Leis 10.639 e 11.645.

A ministra destacou ainda a titulação de quilombos, a formulação de políticas nacionais para povos de terreiro e povos ciganos e o enfrentamento ao racismo ambiental. Ela anunciou a continuidade da regularização dos territórios quilombolas e ressaltou que “não há justiça ambiental e climática sem justiça racial”.

Lançamento das Casas da Igualdade Racial

Durante a abertura, foi assinado contrato de cessão de imóvel entre o Ministério da Igualdade Racial e a Caixa para instalação da primeira Casa da Igualdade Racial no Rio de Janeiro.

O espaço será voltado ao convívio comunitário, valorização da cultura afro-brasileira e fortalecimento das relações sociais. Outro protocolo de intenções foi firmado com a prefeitura de Pelotas (RS), de Contagem (MG), Salvador (BA) e Fortaleza (CE) para adesão ao Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Sinapir) e instalação de casas da igualdade racial.

Políticas de igualdade

A deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ) destacou o papel do governo Lula na retomada de políticas públicas voltadas à população negra, às mulheres e às comunidades religiosas. Para ela, o atual momento representa um resgate de avanços interrompidos após os governos anteriores do PT.

A parlamentar afirmou que o país viveu um “momento de trevas”, marcado pela intolerância religiosa, pela discriminação contra a população negra, LGBTQIA+ e contra os pobres. “Nós precisamos ter o resgate de tudo aquilo que nos tiraram: emprego, educação, condições de liderança”, disse.

Ela fez uma saudação especial à ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, ressaltando o desafio de organizar a conferência após anos de interrupção. Segundo ela, o trabalho da ministra “não é uma coisa fácil” e exige dedicação e apoio coletivo.

Ao concluir, Benedita da Silva projetou as eleições de 2026 e defendeu a ampliação da presença de mulheres negras no Congresso Nacional. “Nós estamos numa campanha para Mulher Negra no Senado e é uma campanha nacional. Eu quero estimular as mulheres negras que coloquem os seus nomes, que batalhem com as suas bases para que possamos reforçar o Senado Federal”, afirmou.

Ao longo dos cinco dias, os delegados se dividem em grupos de trabalho, plenárias de eixos e xirês de discussão. Entre os temas estão justiça tributária, o programa Rotas Negras, desenvolvimento por meio do afroturismo e políticas públicas de reparação e equidade racial.

Além das discussões, a programação inclui uma feira de afroempreendedores e apresentações culturais de artistas e coletivos ciganos, quilombolas, de matriz africana e LGBTQIA+, com destaque para o grupo Realidade Negra, as Sambadeiras de Bimba, o coletivo Bando Matilha Capoeira, Negra Eve, Martinha do Coco, Anne Eoketu e o grupo de samba Filhos de Dona Maria, que encerra a conferência.

Programação da 5ª Conapir

– Segunda-feira (15/9): Abertura oficial às 17h30, com presença do presidente Lula e da ministra Anielle Franco.

– Terça-feira (16/9): Reunião dos Grupos de Trabalho.

– Quarta-feira (17/9): Plenárias de Eixos – Democracia, Justiça Racial e Reparação.

– Quinta-feira (18/9): Plenária Luiza Bairros, com leitura e aclamação de propostas; solenidade “De Zumbi à Igualdade Racial como Política de Estado”.

– Sexta-feira (19/9): Encaminhamento das propostas prioritárias, painel de balanço da Conferência e mesa de encerramento.

Organizada pelo Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR) e pelo Ministério da Igualdade Racial, com apoio da Flacso Brasil e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a 5ª Conapir é considerada um marco na consolidação de políticas de reparação histórica e justiça social no Brasil.

Da Redação, com informações do Ministério da Igualdade Racial

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