Mulheres trans do PT ocupam espaços nas câmaras municipais
Em entrevista à SNMPT, as vereadoras Filipa Brunelli (SP), reeleita, e Natasha Ferreira (RS) falam sobre a importância dos mandatos trans
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No país que mais mata transexuais e travestis, toda vitória de uma pessoa trans deve ser celebrada, em especial na política. E no caso do Partido das Trabalhadoras e dos Trabalhadores as conquistas obtidas nas últimas eleições marcam o compromisso da legenda com o empoderamento e a visibilidade da comunidade LGBT.
Prova disso é que o PT foi o partido que elegeu o maior número de candidatos LGBTQIA+ no primeiro turno das eleições municipais deste ano: mais de 70 novos mandatos, em todo o país. O PT também foi quem mais levou pessoas trans às câmaras municipais, em 2024.
Segundo a secretária nacional LGBT do PT, Janaína Oliveira, as companheiras Regininha (PT-RS), em Rio Grande; Natasha Ferreira (PT-RS), em Porto Alegre; Isabelly Carvalho (PT-SP), em Limeira; Edy Lopes (PT-CE), em Paramoti; Walesca (PT-MG), em Dores do Campo; Raquel Ercilio (PT-SP), em Santópolis do Aguapeí; Giovami Joejoe (PT-MG), em Moema; e Filipa Brunelli (PT-SP), em Araraquara, foram as mulheres trans e travestis do PT eleitas.
Oliveira classifica como fundamental ter mais LGBTQIA+ ocupando espaços no legislativo: “O aumento dessas parlamentares tem simbolizado uma mudança na forma como a população espera ter mais representatividade de segmentos sociais mais vulneráveis nesses espaços. Tarefa que não tem sido fácil, porque, por um lado, continuamos enfrentando os setores conservadores que promovem discurso de ódio e violência política e certos setores da esquerda que avaliam que as chamadas ‘pautas do identitarismo’ tiram votos”.
A secretária disse também ser funcamental a continuidade da busca por mudanças sociais para assegurar uma participação no processo político brasileiro mais igualitário. “Entendemos que o projeto Nossas Cores tem sido fundamental para dentro do partido que tem por finalidade buscar essas mudanças, mesmo que essa jornada ainda exija de nós a tarefa de colocar o quanto é necessário continuar fortalecendo o trabalho das secretarias. Ter mais representatividade é central, mas é primordial dar condições para que esses projetos se consolidem, ter mais pessoas Trans e Travestis é revolucionário, mais é necessário entender que dar condições diferenciadas não é promover privilégios é promover reparação e garantir representatividade”, disse.
Marco histórico
Na avaliação da vereadora Brunelli, reeleita com 1.747 votos, a presença de uma mulher trans na Câmara de Vereadores de Araraquara é um marco histórico e um avanço para a democracia.
“Represento uma população que por muito tempo foi marginalizada, excluída e invisibilizada. Ter uma mulher trans eleita significa abrir espaço para vozes que nunca tiveram oportunidade de participar dos processos de decisão política. É também um sinal de que estamos rompendo barreiras, não só de gênero, mas de classe e raça, criando uma política mais inclusiva e humana. A minha presença aqui traz a perspectiva de luta pelos direitos LGBTQIA+, pela diversidade e pelo combate às desigualdades”, assegura a primeira mulher trans a ocupar uma cadeira naquela Casa.
Ela destaca ainda ser essencial lembrar que seu mandato não é apenas sobre ela ou sua história pessoal, mas sobre todas as pessoas que acreditam em uma política inclusiva e transformadora: “Minha missão é transformar desafios em oportunidades, sempre com muito respeito, solidariedade e luta. Vamos continuar avançando na defesa dos direitos de todas as pessoas, sem deixar ninguém para trás.”
No Brasil, a média de idade de uma pessoa travesti é de 35 anos. E a companheira Natasha Ferreira veio para romper todas as estatísticas. Ela se tornou a primeira travesti eleita para a vereança de Porto Alegre. A cidade conta, inclusive, com a deputada Maria do Rosário na disputa para o segundo turno.
A nova vereadora do PT afirma que Porto Alegre tem vocação democrática por já ter tido experiências como o orçamento participativo com a participação popular da comunidade. “Precisava ter pessoas trans também ocupando esses espaços de decisão na Câmara Municipal. Então eu acho que a importância da gente estar ocupando esse espaço, é fundamental, inclusive, para fazer uma transição geracional com novas caras, novos corpos, com métodos políticos mais atualizados do ponto de vista de se relacionar com a classe trabalhadora, de conversar com as LGBTs como um todo, e a gente debater o orçamento público de uma forma mais séria”, afirma a vereadora de 36 anos.
Ela explica ainda que pretende debater a cidade, não apenas para tratar exclusivamente a pauta LGBT, “porque falar de LGBT e não falar de classe, a gente acaba caindo no liberalismo deles, que é sobre as questões individuais, não sobre a questão coletiva, que, para nós da esquerda e do PT, é fundamental. Ser uma travesti é fundamental para entender a relação que eu tenho com a política pública, inclusive, e como eu posso transformar essa política pública através de mandato. Isso incide na vida de muitos trabalhadores, então, isso é bem importante.”
Apoio do PT na campanha
Ambas destacaram o papel fundamental que o PT teve em todas as etapas da campanha. “Desde o início do meu primeiro mandato, o partido sempre esteve ao meu lado, acreditando no meu projeto político e na necessidade de ampliar a representatividade trans no poder público. O apoio foi estratégico, com estrutura, mobilização de base, e, acima de tudo, com a confiança de que o meu mandato seria transformador para Araraquara. O PT sempre teve a bandeira da inclusão e da justiça social, e me orgulho de representar esses valores dentro do partido”, relata Brunelli.
Já Ferreira destaca que o apoio da direção municipal e estadual, bem como tempo de TV durante a campanha, durante as inserções, foi fundamental para ampliar o conhecimento da população sobre sua imagem e propostas, em especial pessoas acima dos 40 anos. Ela também ressalta o apoio da Secretaria Nacional de Mulheres do PT com o apoio ao Fundo Eleitoral:
“Quando a gente fala de recursos, que é uma discussão que a gente sempre precisa fazer para atualizar a agenda do partido, eu acho que foi muito acertado do ponto de vista. A gente tem secretária nacional da LGBT, eu também tive acesso a ser uma mulher travesti ao Fundo Nacional de Mulheres, então eu acho que isso tudo condensou uma campanha equilibrada”, explicou.
A vereadora reeleita assegura que os objetivos para o segundo mandato vão girar em torno da ampliação de políticas públicas para a população LGBTQIA+ para garantir que Araraquara seja exemplo de acolhimento e respeito, bem como na luta contra qualquer forma de discriminação e violência: “Quero fortalecer programas de assistência social, garantir a segurança alimentar, moradia digna e direitos humanos para todos. Outro ponto é intensificar o combate à LGBTQIAfobia e ao racismo religioso, duas pautas que já defendi no meu primeiro mandato e que agora precisam ser ainda mais fortalecidas.”
Relação com a extrema direita nas câmaras
Na Câmara de Vereadores de POA, PT e PSol terão as maiores bancadas, com cinco parlamentares cada um, sendo o Partido dos Trabalhadores o que mais elegeu novos nomes. Questionada como será a relação com a extrema direita, a vereadora petista – que obteve 4.718 votos – destacou que os partidos daquele campo ideológico tiveram redução no tamanho das bancadas, enquanto a esquerda ampliou de 10 para 12 nomes.
“Acho que a relação com eles vai ser complexa, do ponto de vista que eles nos colocam numa caixa de falar de banheiro unissex, mamadeira de piroca, do kit gay, né? Da ideologia de gênero que a gente quer que todas as crianças virem trans, quando na verdade eu falo muito mais de classe, da relação de trabalho, da importância da vaga da creche, porque quando a gente está falando de criança, eles falam de defender a criança, bom, a gente tem que defender a vaga da creche, senão a gente não emancipa essa mãe que muitas vezes não consegue ficar no mercado de trabalho, porque por conta da terceirização, por conta da precarização no mercado de trabalho, os seus filhos, as suas filhas, muitas vezes não têm vaga na creche. Então ficam com a vizinha, com o vizinho, e a gente sabe que tem uma série de complicações que são mais tensas do ponto de vista pra gente fazer uma elaboração na cidade. Então a gente precisa garantir as coisas na causa e não na consequência”, contextualiza.
A companheira de Araraquara afirma que sua atuação na câmara municipal será firme, combativa e sempre pautada pelos princípios da justiça social: “Sabemos que a presença da extrema direita é uma realidade na política brasileira, inclusive em Araraquara. Enfrentamos ataques constantes ao nosso trabalho e às pautas de direitos humanos. Mas isso não me intimida. Eu fui eleita para confrontar essas forças conservadoras e retrocessoras, e é isso que farei, sempre com diálogo, mas sem recuar. Estamos aqui para fazer a diferença e proteger os mais vulneráveis.”
Por fim, a vereadora trans de Porto Alegre ressalta que seu papel é de lutar para atualizar a agenda de luta da classe trabalhadora, com o objetivo reconectar o partido com os terceirizados: “Para a gente se conectar com esses setores que estão precarizados pelo regime de trabalho, com os profissionais autônomos, que não veem na esquerda uma grande proposta de mudança, principalmente sobre a carga tributária, que às vezes está mais pagando tributo para manter coisas pequenas, para manter o meio. Então a gente precisa criar uma nova relação, atualizar essa agenda é fundamental.”
Da Redação Elas por Elas, com informações do Brasil de Fato