Nassif: Nova Lei do Saneamento permitiu passar a boiada da privatização da água

Em artigo, jornalista Luís Nassif denuncia que novo projeto que regulamento serviços de água e esgoto na prática vai colocar água – bem básico à sociedade – na mão da iniciativa privada. “O projeto institui, de fato, essa figura esdrúxula da “empresa produtora de água”, um personagem diferente da empresa que cuidará do saneamento”, alerta

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Quando li as primeiras críticas ao projeto da Lei do Saneamento, mencionando a “privatização da água”, confesso que achei que fosse algum exagero de setores mais estatizantes.

Lendo o projeto, no entanto, um dos parágrafos era inusitado:

2º As outorgas de recursos hídricos atualmente detidas pelas empresas estaduais poderão ser segregadas ou transferidas da operação a ser concedida, permitidas a continuidade da prestação do serviço público de produção de água pela empresa detentora da outorga de recursos hídricos e a assinatura de contrato de longo prazo entre esta empresa produtora de água e a empresa operadora da distribuição de água para o usuário final, com objeto de compra e venda de água.

O projeto institui, de fato, essa figura esdrúxula da “empresa produtora de água”, um personagem diferente da empresa que cuidará do saneamento. Ela definirá o que fazer e como fazer com a água. A regulação será apenas sobre a empresa de distribuição da água”.Como assim? O bem público por excelência, a água, terá um proprietário, alguém intitulado de “produtor de água”?

Ora, a água serve para inúmeras finalidades. É um direito essencial, condição essencial de sobrevivência, garantidora da saúde. É geradora de energia, ponto central de saneamento, pesca, hidrovias. Nas bacias hidrográficas, o mau uso em uma ponta afeta o uso em outra. Essa complexidade e integração exige uma engenharia social complexa para a boa gestão. De repente, todo esse conjunto de direitos essenciais ficará sob a guarda de um “produtor de água”?

Aproveitaram o Covid-19 para passar a maior boiada da história recente do país. Nem mesmo a compra de grandes extensões de terras brasileiras por estrangeiros, é um risco maior do que essa loucura – endossada pela mídia.

Ora, há espaço para setor privado e público. Há setores em que o setor privado é mais eficaz. Outros em que o controle estatal é relevante. Entram aí os setores ligados ao conceito de segurança, cuja atividade afeta outros setores. E outros que são monopólio natural. A água cumpre todos os requisitos para não ser privatizada.

Aproveitaram o Covid-19 para passar a maior boiada da história recente do país. Nem mesmo a compra de grandes extensões de terras brasileiras por estrangeiros, é um risco maior do que essa loucura – endossada pela mídia

Hoje em dia, está em discussão no Congresso americano a Lei de Acessibilidade, Transparência, Equidade e Confiabilidade da Água, propondo US$ 35 bilhões por ano para revisar a infraestrutura de água no país.

Recentemente, a Sociedade Americana de Engenheiros Civis atribuiu à infraestrutura de água potável dos EUA o grau D (o último das agências de risco) e D+ para infraestrutura de águas residuais.

No país mais rico do planeta, 1,7 milhão de americanos não têm acesso a instalações hidráulicas básicas, como banheiro, chuveiro e água corrente básica. Cerca de 200 mil família não possuem sistema de esgoto. Em alguns locais da Carolina do Sul, famílias são obrigadas a viajar 30 km por mês para coletar água potável.

E está se falando de um país com renda média elevada, sem problemas de seca e sem problemas de miséria aguda.

Segundo Bernie Sander, candidato a candidato do Partido Democrata para as eleições, antes da Covid-19, quase 14 milhões de famílias não conseguiam pagar suas contas de água, devido ao aumento e preços de mais de 40% desde 2010.

Pelas projeções, dentro de cinco anos, a inadimplência poderia afetar um terço das famílias americanas.

O objetivo da Lei de Acessibilidade seria conceder subsídios às famílias e comunidades para reparos na infraestrutura hídrica, substituição das linhas de transporte de água e possibilidade de filtrar com segurança compostos tóxicos de sua água potável. Permitiria melhorar também poços domésticos e sistemas sépticos.

Nas próximas décadas, a água será a mais importante commodity do planeta. O Brasil possui água em abundância, aquíferos, rios. É um bem público. Por isso não pode ser propriedade nem de estados, municípios, menos ainda de empresas privadas. Municípios têm direito de dispor sobre os serviços de saneamento, opinar sobre o uso da água. Mas nem mesmo eles podem ser proprietários.

 

Luis Nassif | GGN

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