Osvaldo Russo: O PT para além do Diário Oficial
“É preciso enfrentar desafios, corrigir rumos e fazer política com princípios e diálogo, sem hegemonismo”, opina em artigo estatístico filiado ao PT-DF
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Com visões diferenciadas, em meio a controvérsias sobre a natureza da crise política, o PT deu início ao debate interno sobre dos rumos a seguir a partir do seu 6º Congresso.
Refundação, reconstrução e renovação são expressões que estão pautando o noticiário político. A grande imprensa delicia-se com a divisão no interior do partido e a interpreta como quer a partir de declarações de suas próprias lideranças. É preciso respeitar a diversidade de opiniões construindo a unidade partidária para enfrentar os desafios.
O PT não chegou até aqui por sorte e nem pedindo licença à elite conservadora. É herdeiro da mais ampla, democrática e combativa tradição de lutas políticas e sociais do povo brasileiro. Se, no exercício do governo, tem-se a obrigação de publicar no Diário Oficial do dia seguinte, no exercício partidário, em articulação com os movimentos sociais, o partido precisa continuar empunhando a bandeira da utopia.
Em razão dos desgastes do partido, há quem insista no retorno do PT às origens e outros que falam em refundação do partido. É fundamental resgatar valores, mas o novo vai além do partido. O passado serve de exemplo, mas não volta. É preciso compreender o mundo de hoje com olhar no futuro. A pauta do presente não é socialista, é democrática, social e nacional, com destaque para os temas da reforma política, da participação popular, do desenvolvimento sustentável com equidade social, da soberania nacional e da paz mundial.
É preciso incorporar os beneficiários das polÍticas sociais à política, já que estes segmentos sociais não têm vínculos sindicais e partidários, ao contrário do sindicalismo, dos anos 1970/1980, que deu origem ao PT e à CUT. É preciso também se debruçar sobre os interesses da classe média nos dias atuais.
Nas eleições de 2002 a 2010, juntaram-se aos segmentos populares, contribuindo de forma decisiva para as vitórias petistas. Hoje, a chamada classe C – uma nova classe trabalhadora – está ampliada em decorrência da redução da pobreza, e exige mais qualidade nos serviços públicos da qual depende.
A hora é de repensar o partido e de uni-lo, de modo a mobilizar a sociedade contra o golpe que afastou ilegalmente a presidenta Dilma Rousseff e que ameaça não só o legado social dos governos petistas, mas a democracia, a soberania nacional e as relações do Brasil com os países da América Latina, da África e dos BRICS. A hora, portanto, é de recompor e ampliar a aliança com os partidos de esquerda, os movimentos sociais e sindicais, os setores médios e produtivos nacionais e as organizações democráticas da sociedade.
É preciso enfrentar os desafios, corrigir rumos e fazer política com princípios e diálogo, sem hegemonismo. O PT – direção e militância – precisa agir e organizar a sua inserção nesta complexa conjuntura social e política. O passado nos inspira, mas o presente e o futuro do Brasil precisam de todos nós, do PT e de uma frente política e social mais ampla.
A crise do projeto neoliberal e de sua globalização tem gerado uma apartação social sem precedentes na história da humanidade. Esta inclui todos os indivíduos e não apenas alguns. O Estado e o mercado devem ser publicizados e submetidos ao controle democrático, impondo-se uma nova ordem mundial onde a centralidade do desenvolvimento se oriente pelos valores humanos e a preservação da vida, da liberdade e da paz. A fome e a pobreza devem ser erradicadas por todos os países com a solidariedade de todos os povos.
Nos governos Lula e Dilma, para além de antagonismos de classes, o Brasil conseguiu se desenvolver com democracia, distribuição de renda e equidade social e, com isso, sair do Mapa da Fome. Ser de esquerda, hoje, é estar sintonizado com as lutas sociais e defender a democracia, a igualdade, a cidadania, a inclusão, a educação, a cultura e o emprego.
É defender a soberania nacional, a democratização do acesso à comunicação e à informação, o acesso de todos aos serviços públicos de qualidade, o direito à proteção social e à saúde pública, o combate à pobreza e às desigualdades, a distribuição da renda e da riqueza, a reforma agrária, a moradia, o meio ambiente, os povos indígenas e as populações tradicionais, os direitos humanos e sociais, a igualdade de gênero, cor, raça, religião e orientação sexual, a liberdade, a diversidade, a tolerância, a paz e a justiça.
Entre 2003 e 2015, quando Lula e Dilma exerceram a Presidência da República, o PT ficou preso unicamente à pauta do governo, afastando-se dos movimentos sociais. O governo precisa de planos para o presente com os olhos no futuro; ao partido se exige planos para o futuro com os pés no presente. O PT é democrático e de esquerda. Ser de esquerda é ir além do Diário Oficial, juntando pessoas e vontades para sonhar, ousar e semear utopias.
Osvaldo Russo, estatístico, filiado ao PT-DF, foi coordenador agrário nacional do PT, para a Tribuna de Debates do VI Congresso. Saiba como participar.
ATENÇÃO: ideias e opiniões emitidas nos artigos da Tribuna de Debates do PT são de exclusiva responsabilidade dos autores, não representando oficialmente a visão do Partido dos Trabalhadores