Pecuária ameaça permanência de camponeses e extrativistas no Acre

Inflamados pelo discurso do atual governo, ruralistas podem avançar sobre áreas ainda preservadas da floresta

Marcelo Rodrigues Mendonça

A chegada de Jair Bolsonaro (PSL) à presidência da República – com um discurso e uma prática que incentivam a violência contra agricultores e povos tradicionais – fez aumentar a tensão em regiões do país onde o conflito já era a regra.

Darlene Braga, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) no Acre, relata:

“Na segunda-feira após a vitória de Bolsonaro [nas eleições de 2018], a CPT acompanhou uma audiência no Fórum de Rio Branco. O fazendeiro olhou pra gente e disse: ‘agora é a nossa vez’. Nos acampamentos, a polícia aparece batendo no peito e dizendo ‘aqui eu sou estado’. As famílias que vivem em acampamentos, ocupações e nos próprios seringais, e que ainda não têm seus territórios garantidos, estão apreensivas o tempo todo”.

O avanço das forças impulsionadas pelo bolsonarismo ameaça não só as populações locais, mas também grandes áreas ainda preservadas, como a Reserva Extrativista Chico Mendes.

Embora os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostrem aumento constante no desmatamento na Amazônia, no Acre os números não são tão alarmantes.

A luta travada nos anos 1980 por Chico Mendes é vista como um dos motivos da preservação pelo seringueiro Antônio*, que vive com a família na Reserva que leva o nome da antiga liderança.

“Se não fosse a briga de Chico Mendes, quem pisava aqui era o boi. Não era pra nós estar aqui sentado numa raiz duma árvore dessa aqui, numa sombra olhando prum leite de seringa”.

Antônio vive com sua esposa e três dos cinco filhos em uma “colocação” – nome dado à área onde ficam a casa, as plantações e a criação de animais. A área é rodeada pela floresta. Eles vivem das castanheiras e dos seringais, de onde extraem o látex.

“São seis meses que cortamos seringa. Aí tem os meses da castanha, que dá um bom dinheiro. Chega a hora que não tem castanha, mas aí tu vende uma galinha, tu vende um porco, um feijão, uma farinha, um bezerro, todo mundo tem uma criaçãozinha”, relata Antônio.

Os extrativistas, camponeses e indígenas são os que vivem nos territórios mais verdes do Acre. Mas isso não significa que a permanência deles esteja garantida:

“Hoje, nós temos alguns conflitos sobre o uso da terra e da floresta e essa luta dos seringueiros (pela permanência na terra) é importante ainda hoje”, afirma Antônio.

Desmatamento iminente

As áreas ainda preservadas despertaram o interesse dos grandes fazendeiros, que desde os anos 1980 precisam de extensões enormes de terra para pasto.

“Se a gente for situar no tempo, o desmatamento para a criação de gado é da década de 1980, com a chegada da chamada frente agropecuária, que desmatava para botar pasto e tirar madeira”, explica a professora de geografia da Universidade Federal do Acre (UFAC), Maria de Jesus Morais.

“Mas nos últimos anos vemos novamente histórias relacionadas a isso”, alerta.

Entre 2006 e 2017, o rebanho bovino no estado cresceu de 1,7 milhão para 2,1 milhões, de acordo com Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Com isso, quase todo o entorno da Reserva Chico Mendes, com quase 1 milhão de hectares, já está ocupado pela pecuária. E com a rentabilidade da pecuária garantida, os grandes fazendeiros buscam ampliar seus territórios, o que costuma causar conflitos.

“Existem posseiros que estão na área há muito tempo e um belo dia, digamos assim, aparece uma pessoa que se identifica como dono da terra e diz que eles não podem mais ficar ali. A questão da venda é que, muitas vezes, o pagamento é uma forma da pessoa sair daquela área sem grandes complicações do ponto de vista jurídico”, explica a professora Maria de Jesus Morais.

“É um conflito velado, no sentido que não tem repercussão, a menos que a gente vá pra lá e fale com essas pessoas. Mas estão ocorrendo o tempo todo”.

Como se dão os conflitos por terras? Ouça o audiodocumentário

Soluções

Para Darlene Braga, da CPT-Acre, a regularização das terras dos posseiros através da Reforma Agrária poderia barrar esse tipo de conflito.

“O governo brasileiro não faz reforma agrária, não regulariza a terra destas comunidades. Porque se estas comunidades tivessem os seus territórios delimitados e regularizados, isso não aconteceria. E o estado está ao lado de quem tem poder aquisitivo, e quer destruir a natureza”.

A ex-presidente do Sindicato dos trabalhadores Rurais de Xapuri, Dercy Teles, não tem muitas esperanças de que esta situação mude nos próximos anos, já que os governos estadual e federal apoiam o agronegócio.

“O governo atual assume claramente que a política dele é para o agronegócio. E o agronegócio não combina com o extrativismo. E se não houver uma política para o extrativismo, toda uma cultura tradicional é desconstruída”.

A permanência das famílias nas áreas de floresta é apontada por Darlene como solução para frear o desmatamento.

“Nós temos óleos de cupuaçu, de andiroba, de castanha, nós temos frutas, então nós temos a floresta toda a nosso favor. E a gente percebe que as únicas pessoas que manejam a floresta com cuidado e responsabilidade são os que moram nela, são os seringueiros, os castanheiros, as populações tradicionais”, afirma.

* Por questões de segurança, Antônio prefere ter seu nome verdadeiro em sigilo.

* A reportagem do Brasil de Fato viajou a convite do projeto “Quem está construindo o desenvolvimento sustentável? Transformando trabalho exploratório em corredores migratórios no sul”, da Universidade de Strathclyde (Escócia), em parceria com a Universidade Federal do Acre.

Por Brasil de Fato

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