PML: TSE mostra que Dilma foi até generosa com PSDB

Por Paulo Moreira Leite, No Brasil 247 – Lembrando as contribuições financeiras para a campanha de 2014 na entrevista publicada hoje pela Folha, a presidente Dilma fez um questionamento essencial:…

Foto: Roberto Stuckert Filho/PR

Por Paulo Moreira Leite, No Brasil 247 – Lembrando as contribuições financeiras para a campanha de 2014 na entrevista publicada hoje pela Folha, a presidente Dilma fez um questionamento essencial:

– No mesmo dia em que eu recebo doação, em quase igual valor o candidato adversário recebe também. O meu é propina e o dele não?

Os dados do TSE mostram que, em sua crítica, Dilma foi até generosa com o PSDB. A comparação entre as listas oficiais de contribuição da campanha de 2014 mostra uma situação muito interessante. As doações não foram “quase iguais” entre as duas campanhas. Quando se avalia as contribuições dos maiores fornecedores da Petrobras, a vantagem foi de 26% a mais para Aécio Neves.

Os números estão lá no TSE, mostrando que a soma de duas dezenas de empresas que tinham interesses na Petrobras – relação que inclui gigantes como Odebrecht, UTC, Queiroz e outros – e, ao mesmo tempo, fizeram doações às campanhas eleitorais, chega-se a um dado demolidor: Dilma recebeu R$ 29.990.852, enquanto a campanha de Aécio Neves embolsou R$ 38.550.000. É isso aí: R$ 8,5 milhões a menos para Dilma. Quantas escolas, quantos hospitais se poderia construir com isso, perguntaria o Ministério Público. Perguntaria, neste caso?

Imaginando que o candidato tucano jogava com esperança de ganhar, com um auxílio financeiro generoso nos meses iniciais da campanha, quando precisava deslanchar para pegar embalo junto ao eleitorado – como mostram os registros do TSE – ninguém vai dizer que era uma diferença estabelecida no amorzinho, certo?

A presidente também prestou um serviço inestimável à defesa dos direitos fundamentais dos brasileiros e ao esclarecimento da atual situação política do país quando mencionou as prisões preventivas, usadas para arrancar confissões e delações de suspeitos levados para cela sem sequer saberem de todas as acusações que existem contra eles. Dilma disse:

– Olha, não costumo analisar ação do Judiciário. Agora, acho estranho. Eu gostaria de maior fundamento para a prisão preventiva de pessoas conhecidas. Acho estranho só.

Referindo-se à prisão de Marcelo Odebrecht e outros dirigentes do grupo, a presidente observou: – Não gostei daquela parte [da decisão do juiz Sergio Moro] que dizia que eles deveriam ser presos porque iriam participar no futuro do programa de investimento e logística e, portanto, iriam praticar crime continuado. Ora, o programa não tinha licitação. Não tinha nada.

O esclarecimento da presidente ajuda a lembrar o seguinte.

É pela Lava Jato, pelas prisões e pelas delações premiadas que a Operação garante sua estatura política e ajuda a oposição a colocar o governo contra a parede. Sergio Moro diz quem é suspeito, quem é criminoso – e quem pode andar na rua sem ser incomodado. A Lava Jato diz quem recebeu contribuição e quem recebeu propina – ainda que o dinheiro venha das mesmas fontes, em datas muito aproximadas, envolvendo interesses idênticos.

Foram estes movimentos que ajudaram a colocar a corrupção no centro da agenda. Conforme o Ibope, em maio ela já era a segunda maior preocupação da população brasileira, e só perdia para a inflação. O tratamento seletivo das denúncias – e dos números oficiais do TSE – ajuda a construir um cordão sanitário em torno do alvo que se pretende atingir, o governo Dilma e o PT. Ao produzir acusações dirigidas ao PT e seus aliados, o que se busca criar um fato político.

Os governos não costumam ser derrubados por causa de uma inflação fora de controle – o que nem é o caso no Brasil. Mas pode ser processado para responder um crime, real ou não.

Em 2004, quando escreveu o hoje célebre texto sobre a Mãos Limpas, Moro referiu-se às prolongadas prisões preventivas feitas na Itália nos seguintes termos: – A estratégia de ação adotada pelos magistrados incentiva os investigados a colaborar com a Justiça.

Colaboração voluntária, espontânea, como recomenda uma sentença histórica da Suprema Corte dos Estados Unidos e define a legislação brasileira?

Nada disso.

– A estratégia da investigação desde o início do inquérito submetia os suspeitos à PRESSÃO (maiúsculas minhas) de tomar a decisão quanto a confessar.

Referindo-se a ensinamentos contidos numa técnica de manipulação de pessoas detidas conhecida como “Dilema do Prisioneiro”, Moro fala da importância de se “levantar a perspectiva de permanência na prisão pelo menos no período de custódia preventiva no caso da manutenção do silêncio ou, vice-versa, de soltura imediata no caso de uma confissão.” Ou seja: ou fala, ou apodrece.

Na prática, os acusados são detidos sem saber sequer as acusações que pesam contra eles. Acabam jogados numa cela até que se disponham falar para se auto criminar e delatar – mas não tem os dados necessários para se defender. Cria-se, assim, uma desigualdade absoluta entre a posição da polícia e a posição do acusado, o que só facilita a “pressão.”

Os interrogadores têm toda condição de conduzir as perguntas para onde desejam, sem que os interrogados façam a menor ideia para onde estão sendo conduzidos.

É a “coerção psicológica”, um fenômeno que o próprio Moro já reconheceu que existe – e acreditava que precisa ser combatido, assim como a “coerção física”. Em outro texto, quando analisa uma deliberação histórica da Suprema Corte dos Estados Unidos sobre garantias individuais, Sérgio Moro elogia a preocupação de proteger um acusado contra “pressões que operam para minar a vontade individual de resistir para que não seja compelido a falar quando não o faria em outra circunstância.”

Ninguém pode alegar, portanto, que não sabe o que se passa nas celas de Curitiba. Até porque a mesma resolução diz que cabe à Justiça assegurar que “os direitos do prisioneiro sejam completamente honrados.” Bonito: “completamente honrados.”

Essa questão tornou-se especialmente dramática para o ex-ministro José Dirceu, que acaba de ser negada por Sergio Moro. Depois que os jornais noticiaram que o lobista Milton Pascowitch declarou que lhe pagava propinas, e não uma remuneração de mercado usual por esse tipo de serviço, Dirceu entrou com um pedido de habeas corpus justíssimo. Queria saber o teor das acusações feitas contra ele. Entre seus argumentos, a defesa recorda a postura de Dirceu, que não deixou de responder a nenhum dos pedidos de informação solicitados, inclusive em prazos bastante curtos. Também menciona uma advertência de Marco Aurélio Mello, de que as regras do Direito são o preço a pagar “e é módico, estando ao alcance de todos, de viver num Estado Democrático de Direito.”

A defesa ainda argumenta, com o pensamento do mestre italiano Luigi Ferragioli, um dos mestres na defesa dos direitos e garantias individuais: “Se é verdade que os direitos dos cidadãos estão ameaçados não só pelos delitos, mas também pelas penas arbitrárias – a presunção de inocência não é só uma garantia de liberdade e de verdade, mas também uma garantia de segurança, ou se se quer, de defesa social: dessa segurança específica oferecida pela estado de Direito e que se expressa na confiança dos cidadãos na justiça”.

Alegando que “o acordo e os termos dos depoimentos ainda estão sob sigilo, indispensável no momento para a eficácia das diligências investigativas em curso”, Sergio Moro negou o pedido. A consequência é clara.

Dirceu deverá ser mantido ao longo das acusações que podem ser lançadas contra ele, quando e se ele tiver sua prisão preventiva decretada – hipótese vista como uma possibilidade tão concreta que seu advogado já entrou com um Habeas Corpus preventivo, para impedir que ocorresse, também negado.

Na verdade, o que está em jogo reivindica um direito fundamental num Estado onde as garantias individuais estão no centro da Constituição. Se há uma denúncia contra um cidadão, reconhecida pela Justiça, ele tem o direito de saber do que se trata. Para desmentir, se for mentira. Para se defender, se for o caso. A Constituição nasceu, ao longo da história, para proteger o cidadão da força do Estado absolutista.

“O absolutismo de Luís XIV já foi erradicado da civilização moderna, faz muito tempo”, recorda o advogado Nelio Machado.

Paulo Moreira Leite é jornalista

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