Política do BC faz empresas gastarem mais com juro do que investir

”Até quando vamos ter de conviver com esta sabotagem ao esforço do governo Lula para recolocar o país na rota do crescimento?”, questionou Gleisi

José Paulo Lacerda/CNI

A redução mais lenta das taxas pode atrasar uma queda mais forte das despesas das companhias com dívidas atreladas à Selic

Um levantamento feito a pedido do jornal Valor Econômico com todas as empresas de capital aberto do país é mais uma confirmação dos efeitos nocivos dos altos patamares da taxa básica de juros (Selic), mantidos pelo Banco Central, presidido pelo bolsonarista Roberto Campos Neto. Foi apurado que as companhias brasileiras gastaram mais com despesas financeiras, compostas principalmente pelo pagamento de juros, do que com as suas atividades de investimento em 2023.

Foram R$ 306,8 bilhões com essas despesas no ano passado, alta de 8,2% frente a 2022 e, ao mesmo tempo, o caixa das atividades de investimento alcançou R$ 298,7 bilhões, praticamente estável no mesmo intervalo analisado.

Os dados de balanços de 386 empresas abertas não financeiras foram coletados pelo professor e consultor André Freitas de Moura, da FGV/EAESP. Ele é PhD em contabilidade e finanças na Universidade de Birmingham, na Inglaterra.

Uma queda mais acelerada da Selic tem sido uma cobrança do presidente Lula, de membros do governo, do Partido dos Trabalhadores, de parlamentares e entidades representativas do setor produtivo, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Afinal, o país vive um ambiente de estabilidade econômica e de inflação sob controle,

A presidenta do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), voltou a criticar a “sabotagem” do bolsonarista que preside o Banco Central após a divulgação da matéria do Valor.

“As empresas brasileiras gastaram mais com juros do que com investimentos no ano passado, é o que informa a mídia hoje, a partir de um estudo da FGV. É o resultado da política monetária imposta pelo Banco Central. E Campos Neto ainda quer interromper a trajetória de queda da Selic que, mesmo a conta-gotas, começou no segundo semestre de 2023”, disse a parlamentar, nas redes sociais.

“Até quando vamos ter de conviver com esta sabotagem ao esforço do governo do presidente Lula para recolocar o país na rota do crescimento?”, acrescentou a presidenta do PT, que, na quarta-feira (24), durante entrevista ao SBT News, alertou para as dificuldades impostas pelos altos patamares da Selic aos empresários, o que contribui, inclusive, para a elevação dos preços ao consumidor.

“O juro alto tem impacto sobre a produção. Por exemplo, o [preço do] alimento não cai mais, outros bens não caem mais, porque também quem produz tem dificuldade de ter mais recursos para colocar para aumentar a produção. Porque é caro pegar o dinheiro, é caro pagar o preço do dinheiro com esse juros”, disse Gleisi na entrevista.

A deputada acrescentou: “Então isso é muito perverso, por isso que a gente briga muito com essa questão dos juros e com essa postura desse presidente do Banco Central. Então isso seria fundamental, a gente ter uma política de juros baixos, mais baixos, para melhorar a produção, a economia e baixar o preço dos alimentos e dos produtos”.

Investimentos adiados

Segundo disse ao Valor Econômico Pedro Magalhães, que por mais de duas décadas esteve na diretoria financeira de grandes grupos, a lentidão do recuo da Selic afeta diretamente planos de investimento pela necessidade de as empresas protegerem seu caixa.

“A mesma história que vimos em 2022 e 2023, tem cara que se repetirá em 2024, com a pressão de juros ainda relevante e ‘spread’ bancário resistindo a ceder”, diz Magalhães.

Segundo ele, cerca de 70% do custo dos bancos, numa operação de dívida junto às pequenas e médias empresas, é “spread”, e esse índice não vem caindo. “É algo que afeta custo de capital, e portanto, investimentos”, afirma. Houve aumento de 0,5 ponto na taxa do spread para empresas em 2024 (para 9,2% ao ano), segundo o Banco Central. Em 2023, subiu 0,2 ponto.

O “spread” é a diferença entre taxas cobradas pelos bancos e as que eles pagam para captar recursos.

A notícia do Valor também destaca que o recuo mais paulatino nas taxas pode atrasar uma queda mais forte das despesas das companhias com dívidas atreladas à Selic – bancos estimam que o estoque da dívida corporativa no país gira em torno de R$ 600 bilhões de empresas abertas e fechadas.

Conforme a matéria, especialistas lembram que os movimentos de investimento variam segundo o setor – empresas de consumo seguram gastos, mas de áreas como telefonia e papel têm anunciado desembolsos maiores.

Conforme o Valor, o levantamento de Moura mostra também que piorou o indicador que mede a relação entre despesas e caixa aplicado em investimentos.

Esse índice atingiu 0,84 em 2023 frente a 0,80 em 2022. Equivale a dizer que, enquanto a empresa colocou R$ 100 em investimentos, os gastos em juros para financiar o crescimento passou de R$ 80 para R$ 84.

O índice geral foi calculado dentro de uma mediana dos indicadores de cada empresa, de forma a eliminar valores extremos e distorções.

O estudo não considera instituições financeiras e inclui Petrobras e Vale, mas ao se desconsiderar as duas empresas, foram R$ 272,3 bilhões em despesas financeiras em 2023 – superior aos R$ 227,8 bilhões em investimentos.

Outro entrevistado pelo Valor foi Eliseu Martins, professor titular e emérito da FEA/USP e membro convidado do Comitê de Procedimentos Contábeis (CPC). Segundo ele, as despesas foram pressionadas pela escalada dos juros, e só não cresceram mais porque, para escapar da alta, as empresas reorganizaram as dívidas, buscando financiamentos atrelados a taxas pré-fixadas, e até a índices como inflação.

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