Reforma administrativa massacra servidores e não corrige distorções

Guedes e Bolsonaro propõem extinguir a estabilidade  no serviço público federal, mas não tocam nos supersalários do Judiciário e do Legislativo. “Proposta do Planalto protege os de cima e quer acabar com qualquer estabilidade de emprego”, critica Gleisi. O pior é a falácia sobre a necessidade da reforma e da comparação do número de servidores no Brasil e outros países. Estado brasileiro gasta três vezes menos que a média dos países desenvolvidos com funcionalismo

O governo de Jair Bolsonaro, seguindo a agenda econômica destrutiva de Paulo Guedes, prepara o desmonte do aparelho do Estado brasileiro. Na proposta de reforma administrativa, enviada ao Congresso Nacional no início do mês, o Palácio do Planalto se propõe a suspender concursos públicos e estrangular os salários da maioria dos servidores públicos, embora deixe de lado o topo do funcionalismo, ocupado pelos servidores do Legislativo e do Judiciário. A presidenta nacional do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), acusa Bolsonaro de querer “proteger os de cima e acabar com qualquer estabilidade de emprego”.

“O ministro Paulo Guedes falou que acha muito pouco um procurador ganhar R$ 38 mil”, denuncia Gleisi. “Por aí a gente vê a concepção de Estado que eles têm”. A declaração foi dada pela deputada em entrevista ao programa Poder 360, transmitido na noite de domingo (14), pelo SBT. “Não se pode precarizar o serviço público e colocar os servidores públicos como vilões, porque eles acabam agora virando criminosos”, lamentou. A crítica de Gleisi é justa. O governo não incluiu na proposta de emenda constitucional da reforma administrativa nem juízes ou procuradores. A média de salários no Judiciário brasileiro gira em torno de R$ 12 mil, conforme dados do IPEA (veja quadro abaixo). No Legislativo, é de R$ 6 mil. E no Executivo, R$ 4 mil.

Na avaliação do PT, a PEC promove mais arrocho fiscal, além de pôr em risco as condições exigidas para o funcionamento da própria administração pública ao extinguir a estabilidade dos servidores, ameaçando a prestação dos serviços à sociedade. Como não toca nos servidores do Legislativo e do Judiciário, o risco é de extinção de serviços básicos prestados pelo Executivo, incluindo áreas essenciais para o desenvolvimento do país e para a maioria da população, como saúde e educação.

Na avaliação de dirigentes sindicais a imposição de um serviço público sem estabilidade, sem carreira e sem vínculo é um retorno ao clientelismo e ao coronelismo do início do século passado. A reforma como está representa um retrocesso. O governo arrota que o Estado é inchado e o número de servidores é excessivo, mas a afirmação não se ampara em dados reais, na comparação entre o Brasil e outras nações.

De acordo com dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a organização intergovernamental com 37 países membros e que Bolsonaro sonha em aderir, o Brasil tem hoje 12,1% dos trabalhadores no serviço público em relação ao mercado de trabalho (veja o quadro abaixo). A média da OCDE é de 21,3%. Na Dinamarca, o percentual é de 34,9%. Na França, 19,8%. Na Espanha, 17,3%. Em Portugal, 16,4%. O quadro comparativo revela, portanto, que o problema do país não é o número de servidores, mas a desigualdade dentro do próprio serviço público e a qualidade dos serviços prestados à sociedade. 

No Ministério da Economia, a comparação sobre a realidade brasileira em relação aos gastos com o funcionalismo Estados Unidos não é justa. E nem correta, porque compara realidades distintas. Na terra de Donald Trump, as políticas públicas em áreas essenciais – como saúde e educação – não são universais. O SUS não existe nos EUA, e mesmo na educação, apenas o ensino fundamental é assegurado pelo Estado. Uma tentativa de implantar um programa de saúde amplo – o chamado Obamacare –, instituído pelo democrata Barack Obama, ficou sob bombardeio no governo de Trump. Desde que chegou na Casa Branca, uma ofensiva dos Republicanos no Judiciário vem desidratando o programa, que hoje está completamente desfigurado.

Também a realidade desmonta outro argumento do ministro Paulo Guedes no encaminhamento da reforma administrativa sobre os gastos do Estado brasileiro com os servidores públicos, que ele considera excessivos. É mentira. Dados comparativos do Fundo Monetário Internacional (FMI) de 2016 (veja quadro abaixo) mostram que o Estado brasileiro gasta três vezes menos que a média dos países desenvolvidos. A União desembolsou naquele ano US$ 5,6 mil per capita com servidores públicos na ativa, enquanto nos EUA o desembolso foi de US$ 19 mil. A média dos países desenvolvidos – que incluem Suécia, França, Alemanha, EUA, Austrália, Japão e Portugal – é de US$ 17,1 mil dólares.

“Esse projeto de reforma administrativo não é sério, a não ser no sentido de que encaminha a destruição do Estado e de que protege a elite do funcionalismo”, criticou o economista Sérgio Mendonça, ex-secretário de Recursos Humanos do serviço público federal nos governos Lula e Dilma, em entrevista à revista Carta Capital. Ele avalia que ao extinguir a estabilidade, elimina-se o poder de o Estado atrair quadros qualificados. O argumento é que, se o funcionário pode ser demitido como qualquer trabalhador do setor privado, para quê fazer concurso público, onde a atividade é burocratizada e a responsabilidade é grande?

Mendonça lembra que, nos governos do PT, houve concurso público para 250 mil vagas na administração federal, dos quais 60% na área da educação, em universidades e institutos federais. “Queríamos fortalecer o Estado por esse viés. Então havia uma concepção”, ressalta o economista. Ainda assim, estudo comparativo do IPEA mostra que, desde 2013, as despesas com servidores públicos no país foi em média 14,5% do PIB, algo em torno de R$ 740 bilhões por ano (veja o quadro abaixo)

  Da Redação

 

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