Reforma da Previdência mantém privilégios de poucos
Segundo reportagem da RBA, militares e altos salários no Legislativo e Judiciário serão ‘poupados’ da reforma que, em tese, deveria corrigir distorções
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Sempre atuante e defendendo os interesses do mercado, o usurpador Michel Temer gosta de usar argumentos questionáveis para defender sua Reforma da Previdência. Prontamente reproduzido pelos defensores do golpe no povo, o discurso defende que o projeto irá acabar com as grandes aposentadorias, equiparar cálculos e benefícios e corrigir distorções nos valores pagos aos trabalhadores e trabalhadoras.
O questionamento a essa linha de raciocínio é feita por diversos estudos encaminhados por especialistas em contas públicas que afirmam que, do jeito como está, o texto fará pouco ou nada para afetar os privilégios hoje observados.
“Queremos que o governo prove que ele está retirando privilégios, porque nós vamos provar que ele está retirando direitos”, afirmou o líder do PT na Câmara, deputado Carlos Zarattini, na última segunda-feira (11).
Segundo reportagem da Rede Brasil Atual, isso acontece porque, em muitos casos, as altas aposentadorias correspondem a direitos adquiridos (como no Legislativo) por servidores que recebem o teto de suas categorias ou porque determinados setores não serão atingidos pelas regras previdenciárias, como os militares.
De acordo com informações do IBGE de 2016, uma vez que o benefício médio pago pelo INSS é de R$ 1.862, um aposentado do Congresso ganha, em média R$ 28.527, e do Judiciário, R$ 25.832.
Entre os três poderes, a menor aposentadoria média é a dos funcionários do Executivo, que está em R$ 7.500 em média – valor, este, aproximado ao dos militares. No caso dos militares ficou acertado que Ministério da Defesa e Forças Armadas vão preparar proposta de previdência específica.
De acordo com relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), o gasto com aposentadoria de militares é 17 vezes maior que o gasto com um aposentado comum. Enquanto a despesa com cada beneficiário do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) custou em 2016, R$ 5.130,66 na média, com cada militar inativo ou pensionista de militar o gasto ficou em R$ 89.925,30.
A explicação é simples. No RGPS, a Previdência recebe contribuições de empregados e de empregadores. Mas no caso dos militares, é o próprio Tesouro o responsável por todas as despesas.
O levantamento do TCU também mostra que o Tesouro gastou em 2016, R$ 56.893,32, em média, com cada beneficiário do RPPS que atende especificamente aos servidores públicos federais – valor 11 vezes maior ao gasto com quem recebe pelo RPPS.
Encargos e pensões
No Judiciário, a última edição do estudo intitulado Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que faz uma espécie de recorte de todos os tribunais, destacou que o gasto médio com cada julgador (incluindo nessa conta juízes, magistrados e ministros) no Brasil é de R$ 47,7 mil por mês.
Neste valor estão incluídos, além do salário, benefícios como férias e 13º salário e despesas indenizatórias – caso de diárias, passagens e verbas de auxílio moradia. Também estão incluídas nesta conta aposentadorias, encargos de INSS e pensões a familiares.
Os responsáveis pelo estudo destacaram que o valor não significa dizer que os juízes estão recebendo acima do teto constitucional (de R$ 33 mil), mas que o gasto calculado do Judiciário levou em conta todos os pagamentos feitos aos magistrados e não apenas os salários. O valor representa um crescimento de 3,3% dos gastos do Judiciário na média mensal calculada em 2015 – percentual que se refletiu para as despesas com aposentadorias.
Também no Congresso Nacional, o principal gargalo nas aposentadorias não poderá ser resolvido com a reforma, porque os servidores que mais recebem altos salários têm direito adquirido. De acordo com análise feita pelo jornalista Lúcio Vaz para o site Congresso em Foco (divulgado em fevereiro passado), o Congresso tem 5 mil servidores de carreira na ativa e 10 mil aposentados e pensionistas.
A conta da Previdência é deficitária no caso do Legislativo, sobretudo, porque enquanto a proporção entre contribuintes e beneficiários no INSS é de dois por um, na Câmara dos Deputados e no Senado essa proporção se inverte: dois aposentados para cada servidor na ativa. Além disso, o acúmulo de vantagens pessoais e gratificações e a maior concentração de servidores aposentados no topo da carreira acentuam ainda mais o desequilíbrio.
Segundo o trabalho realizado pelo Congresso em Foco, no total, Câmara e Senado arrecadam R$ 718 milhões de seus contribuintes por ano. Mas precisam pagar, anualmente, R$ 3,1 bilhões em benefícios para tentar fechar essa conta. Ou seja: o déficit é de R$ 2,4 bilhões ao ano. E a situação não vai mudar por enquanto, já que os servidores que estão na ativa e possuem os altos salários, não serão afetados pela reforma (têm direito adquirido).
Salários no teto
Dados das mesas diretoras das duas Casas legislativas mostram que, somente na Câmara, são 11.036 analistas legislativos em atividade que recebem o nível salarial máximo. No Senado, são 987 os analistas legislativos na ativa que recebem o maior salário, na faixa de R$ 28,8 mil.
O Congresso também tem salários, gratificações e vantagens pessoais de um total de 4.637 servidores ativos e inativos da Câmara e do Senado – que ou atingem ou ultrapassam o teto remuneratório do serviço público. Fazem parte desta lista, muitos deputados e senadores. Os que ultrapassam o limite sofrem cortes em suas remunerações, mas o número de aposentados que percebem valores privilegiados continua sendo alto.
“Sabemos que é importante uma reforma na Previdência, mas de forma que torne mais razoáveis estas aposentadorias de forma bem comparada para o tempo de serviço e tipo de trabalho desenvolvido por cada um. Reforma que deixa de fora determinadas categorias não vai ajudar a suprir as dificuldades econômicas observadas no país”, afirmou o cientista político Ricardo Campos. Campos está acompanhando as discussões sobre o tema e tem posição crítica, principalmente, em relação ao fato de os militares ficarem de fora.
“A questão não é destacar a existência ou não de um déficit da Previdência ou falar em reduzir privilégios, apenas. Nós também não queremos estes privilégios. O que reclamamos é o fato de não serem debatidas outras opções com a sociedade para resolver as contas da Previdência, que não prejudicariam direitos dos trabalhadores, como a cobrança de impostos sobre grandes fortunas, por exemplo, ou intensificação de cobrança de multas de empresas”, afirmou o senador Paulo Paim (PT-RS).
Paim lembrou que estudos levantados por deputados e senadores durante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Previdência, no Senado, mostrou que o valor devido por grandes empresas à União por casos de sonegação previdenciária chega perto de RR 1 trilhão. Um montante que, se cobrado, poderia ajudar a esquentar os cofres públicos.
Mas o tema ainda é objeto de muitos debates. Que o diga a confusão em torno de ser realizada ou não, ainda este ano, a votação da proposta da reforma na Câmara.
Da Agência PT de Notícias com informações da Rede Brasil Atual.