Revista Focus Brasil #55: “O indulto do criminoso” e outros assuntos
Na edição desta semana, a revista da Fundação Perseu Abramo adverte sobre as novas ameaças à democracia, entre outros temas de interesse nacional. Baixe e leia
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Bolsonaro afronta a democracia ao conceder um perdão fora da lei ao truculento Daniel Silveira. O deputado foi condenado a 8 anos e 9 meses de prisão pelo Supremo por atacar as instituições e os próprios ministros do STF. A oposição condena a manobra e o país assiste novamente à escalada de mais uma crise institucional.
O inominável voltou a afrontar a democracia, as instituições e o Estado Democrático de Direito. Na quinta-feira, 21, em pleno feriado da Inconfidência, o presidente Jair Bolsonaro anunciou um indulto ao deputado federal Daniel Silveira, condenado a quase 8 anos e 9 meses de prisão pelo Supremo Tribunal Federal, na véspera, 20 de abril. Agora, o país vive nova escalada autoritária e uma crise institucional grave.
A presidenta nacional do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), qualificou como “gravíssimo ataque à democracia” o “indulto individual” concedido pelo presidente ao parlamentar. Ele foi condenado por instigar a população contra o STF e os ministros. Gleisi alerta que Bolsonaro utiliza a lei contra a democracia. E adverte: é urgente a união de todos para “preservar o processo eleitoral”.
“Chegamos a esta situação dramática porque nem sempre houve a reação devida contra o autoritarismo de um pregador da tortura”, lamentou Gleisi. “E ele avançou, com a ousadia dos canalhas”. Segundo a deputada, não se trata mais de debater os fundamentos jurídicos de um decreto de natureza claramente política, de índole absolutista. “Trata-se de defender o país contra um golpista”, fulmina.
Juristas, como o ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão e Ângelo Ferraro, denunciaram a manobra. “O desvio de finalidade é manifesto. O presidente foi muito além do que seu cargo lhe faculta”, apontam, em artigo publicado no site do PT. “Ao garantir impunidade a Daniel Silveira pelas ofensas ao STF e a seus ministros, [Bolsonaro] amesquinhou a estatura do Judiciário e usou seu cargo para proteger um apoiador político, com evidente intuito de agredir a República”.
O coletivo Pacto pela Democracia, que reúne quase 100 organizações da sociedade civil, divulgou manifesto contra o decreto presidencial. “A salvaguarda garantida pelo direito constitucional à liberdade de expressão não deve ser confundida com uma autorização para minar a democracia brasileira”, diz o manifesto, assinado pela Associação Brasileira de Imprensa, Juristas pela Democracia, Oxfam Brasil, Associação Brasileira de ONGs, e outras entidades. “A democracia brasileira resistirá às aventuras autoritárias perpetradas por aqueles e aquelas que, apesar de escolhidos dentro das regras do jogo democrático, desejam seu fim”.
Na quarta-feira, 20, por 10 votos contra 1, o Supremo apontou que Silveira cometeu crime e interferiu no “livre exercício” do Estado, ao ameaçar as autoridades judiciais do país. Ex-sargento da PM do Rio, um dos mais assanhados bolsonaristas no Congresso, o aliado do líder da extrema-direita questionou no ano passado a integridade de ministros da Suprema Corte, conclamando seus apoiadores a invadir o tribunal. Ele defendeu a adoção do AI5 para fechar o Supremo e restabelecer um regime de exceção.
Agora, o ex-capitão do Exército ignora uma decisão judicial e concede indulto ao parlamentar, mesmo que processo não tenha transitado em julgado. A alegação do presidente e aliados que reclamam do ativismo judicial do STF não se sustenta, até porque Daniel Silveira não teve tolhida sua liberdade de expressão, mas incorreu contra a própria democracia ao ameaçar fisicamente integrantes da Corte. Bolsonaro justificou a decisão de perdoar Silveira como defesa da “inviolabilidade da opinião” concedida pela Constituição do país. Uma mentira.
“Bolsonaro afronta o STF com perdão a deputado que ameaçou ministros e pregou um Golpe de Estado”, ressalta o senador Humberto Costa (PT-PE). “Ele está em busca de pretextos para tentar golpear a democracia. O Congresso precisa se manifestar”. O parlamentar declarou que a decisão de Bolsonaro não tem base constitucional e tem que ser derrubada pelo próprio Supremo.
A decisão tomada pelo STF, por maioria esmagadora, baseou-se numa denúncia da Procuradoria Geral da República. O deputado foi acusado pelos crimes de “coação, incitamento à violência, atentado contra o Estado de Direito e as instituições democráticas”. Ele tentou impedir o funcionamento do Judiciário por meio de graves ameaças. Em vídeos divulgados nas redes sociais, Silveira chegou a sugerir o assassinato de ministros do STF, que estariam “conspirando” contra o governo Bolsonaro.
Ainda na sexta-feira, 22, deputados e senadores da oposição fizeram uma ofensiva jurídica para derrubar o decreto presidencial que concedeu perdão ao bolsonarista. Quatro ações diferentes foram protocoladas no Supremo questionando o decreto: uma da Rede Sustentabilidade, outra do PDT, outra do Cidadania e uma reclamação do senador Renan Calheiros (MDB-AL). A ministra Rosa Weber foi sorteada relatora dos processos.
O decreto do indulto concedido apenas ao deputado não encontra paralelo desde a promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. A concessão de graça, ou indulto individual, para apenas uma pessoa é inédito. O decreto pode ser interpretado como desvio de finalidade, ao ferir os princípios da impessoalidade e da moralidade, tornando-o inconstitucional.
Depois do indulto fora da lei concedido por Bolsonaro a Silveira, outros aliados do presidente, como o ex-deputado Roberto Jefferson (PT), e o líder caminhoneiro Zé Trovão, alvos de ações do STF por afronta à corte e seus integrantes, anunciaram que esperam o mesmo tratamento do Palácio do Planalto. “Estamos do lado dele e sabemos que se ele puder ajudar em alguma coisa, na hora certa o fará”, declarou a ex-deputada Cristiane Brasil. Ela puxou o coro em favor do pai, Roberto Jefferson, nas redes sociais logo após a divulgação do indulto a Silveira.
Na mesma sexta-feira, o presidente do Clube Militar, o general da reserva Eduardo Barbosa, publicou texto de apoio ao decreto de Bolsonaro a Silveira. O general repete o tom de desprezo aos ministros do Supremo usado por Bolsonaro e Daniel Silveira. “Lamentável termos, no Brasil, ministros cujas togas não serviriam nem para ser usadas como pano de chão, pelo cheiro de podre que exalam”, atacou.
Os ataques do bolsonarista
Porque o deputado foi processado em 2021 na Suprema Corte? Pelos ataques proferidos contra minsitros do STF.
Sobre Edson Fachin
“Seu moleque, seu menino mimado, mau-caráter, marginal da lei, militante da esquerda, lecionava em uma faculdade, sempre militando pelo PT, pelos partidos narcotraficantes, nações narcoditadoras (…) Fachin, você integra, tipo assim, a nata da bosta do STF, certo? (…) Militante idiotizado, lobotomizado, que atacava militares junto com a Dilma [Rousseff], aquela ladra, vagabunda”.
Sobre Gilmar Mendes
“Solta os bandidos o tempo todo. Toda hora dá um habeas corpus. Toda hora, vende um habeas corpus, vende sentenças, compra o cliente. ‘Opa, foi preso [por] narcotráfico, opa manda pra mim, eu vou ser o relator, tendo ou não a suspeição, desrespeitando o Regimento Interno dessa supreminha aí que de suprema nada tem. [Está] previsto lá no artigo 101 da Constituição os requisitos pra que vocês se tornem ministros, totalmente esvaziados, totalmente inócuos. Totalmente oligofrênicos, ignóbeis. É o que vocês são”.
Sobre Alexandre de Moraes
“Eu fiquei 11 meses no presídio, 11 meses, sem crime. Mas acho que eu estava mais livre, porque o menor presídio do mundo é a toga do ministro Alexandre de Moraes: só cabe um marginal. É muito complicado que se tenha pessoas dessa estirpe dentro do STF, atropelando a Constituição”.
Da revista Focus Brasil, publicada pela Fundação Perseu Abramo (FPA)