Vacinas: a realidade desmente o novo ministro da Saúde

Promessa de Marcelo Queiroga, de vacinar um milhão de pessoas por dia, não será cumprida. Estoque de vacinas disponíveis e inação do governo a inviabilizam

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Governo quer impedir vacinação das crianças

Entra ministro, sai ministro, e o absoluto descompromisso com os fatos se mantém como tônica do desgoverno Bolsonaro. No primeiro dia de expediente, nesta quarta (24), o novo chefe da Saúde, Marcelo Queiroga, questionado sobre alterações no sistema do ministério que camuflariam o número de mortes por covid, alegou que “não é maquiador, é médico”. Depois, garantiu a vacinação de um milhão de pessoas ao dia, sem mencionar prazo para cumprir a meta.

O ministro-banqueiro da Economia, Paulo Guedes, não tardou a reforçar a promessa e fazer uma própria. Na quinta (25), para membros da comissão temporária da crise no Senado, garantiu que, se o país vacinar um milhão de pessoas por dia, como disse o colega, tudo mudará da água para o vinho. “Se nós conseguirmos isso, é possível que, em 60 dias, nós tenhamos um novo horizonte completamente diferente pela frente. Um país que pode retomar o crescimento – e que já estava retomando”, jurou.

Mas, a exemplo do não presidente negacionista Jair Bolsonaro, o que é prometido por Guedes, e agora Queiroga, não tem a mínima chance de se realizar.

A corrida por vacinas

Após a sexta modificação do cronograma de aquisição e distribuição de vacinas pelo Ministério da Saúde neste mês, é prevista a chegada, até o fim do ano, de 562 milhões de doses, entre importação e fabricação própria. Desse total fazem parte vacinas que sequer receberam autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Para março, o governo mantém a previsão de entrega de 38.097.600 de doses até a próxima quarta (31). Entre elas, oito milhões da vacina da indiana Bharat Biotech, a Covaxin, que ainda nem apresentou o pedido de uso emergencial. A Anvisa exige dez dias para a avaliação dos documentos.

Para maio, o novo cronograma sofreu redução de 690 mil doses. No momento, o país distribuiu vacinas apenas da AstraZeneca/Oxford, produzida pela Fiocruz, e da CoronaVac, produzida pelo Instituto Butantan.

O Butantan informou que só consegue assegurar o cronograma até abril. Depois dessa data, “a entrega de doses está condicionada à chegada de IFA (matéria-prima da vacina importada) para que se possa fazer o envase, rotulagem e embalagem”.

Enquanto a previsão de entrega da Fiocruz passa de 25 milhões para 26.810.000, as 2,5 milhões de doses previstas para a Pfizer foram retiradas e não estão mais datadas. A vacina da farmacêutica americana não tem sequer um mês específico para a entrega: são 13.518.180 para o primeiro semestre e, no segundo, mais 86.482.890.

Outro imunizante dos Estados Unidos, o da Moderna, ainda consta como “em tratativas”. Se o acordo for fechado, o país terá mais 13 milhões de doses até dezembro de 2021, segundo o ministério.

Segundo a previsão da versão anterior do documento, de 15 de março, seriam repassadas 57.179.258 doses até 30 de abril. Agora, em arquivo de 19 de março, a previsão caiu para 47.329.258. Dez milhões de doses a menos no próximo mês. Nesta quinta, os dados do portal ‘Localiza SUS’ apontavam que foram distribuídas 30.636.866 doses às secretarias estaduais.

Vacinar dois milhões por dia

Estudo recente da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) demonstrou que o Brasil precisa vacinar dois milhões de pessoas por dia para controlar pandemia em até um ano. Especialistas apontam que o país teria capacidade para imunizar mais de um milhão de pessoas por dia, como fez na pandemia de H1N1 em 2009, sob Luiz Inácio Lula da Silva.

Mas o consórcio dos veículos de imprensa criado após as primeiras tentativas oficiais de omissão de informações, em 2020, estima que menos da metade, ou 421 mil pessoas, são vacinadas diariamente em média no país. Conforme os dados do consórcio, até a quarta (24), quando Queiroga iniciou sua jornada, 4,3 milhões de pessoas haviam recebido as duas doses desde 17 de janeiro.

Na terça (23), Fernando Marques, presidente e proprietário da União Química, anunciou que espera superar obstáculos regulatórios “em dois ou três dias” para obter a autorização para fabricar e vender a Sputnik V, vacina do Instituto Gamaleya de Moscou.

A União Química solicitou a autorização de uso emergencial há mais de dois meses e Marques reclamou que “interesses políticos” haviam atrasado o processo de aprovação. Ele disse à agência Reuters que a empresa espera iniciar a produção da vacina em abril, mas uma remessa de 10 milhões de doses oferecida por Moscou foi perdida.

Há duas semanas, o consórcio de governadores do Nordeste anunciou a compra de 37 milhões de doses da Sputnik V. As entregas serão escalonadas: 2 milhões em abril, 5 milhões em maio, 10 milhões em junho e 20 milhões em julho. Todas serão direcionadas para o Plano Nacional de Imunização e redistribuídas em todo o país.

Governadores e prefeitos

O governador do Piauí, Wellington Dias (PT), presidente do consórcio, disse esperar que, com essa compra, o país consiga ampliar a imunização contra a covid-19. “Todo o esforço vai na direção para chegar no mês de abril com 50 milhões de pessoas vacinadas”, projetou.

A vacina russa é uma das esperanças do consórcio formado por municípios para comprar vacinas. A outra é apelar a ajuda internacional. Nesta segunda (22), as opções foram discutidas em reunião virtual que marcou a instituição do Consórcio Nacional de Vacinas das Cidades Brasileiras (Conectar). Até o momento, 2,6 mil municípios manifestaram interesse em participar da iniciativa, e 1.731 deles já aprovaram projetos de lei municipais para integrar o grupo.

A criação do consórcio municipal ocorreu após o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizar que estados e municípios comprem e distribuam doses do imunizante. A permissão vale para o caso de o governo federal não cumprir o Plano Nacional de Imunização ou se as doses previstas no documento forem insuficientes.

Ouvidos em uma sessão do Senado nesta terça (23), dirigentes de laboratórios afirmaram que há entraves para o cronograma de entregas no ritmo anunciado pelo Ministério da Saúde. A realidade é marcada por falta de vacinas, lentidão na aplicação de doses disponíveis, atrasos em entregas previstas dentro e fora do país e consequências da demora do desgoverno Bolsonaro em comprar imunizantes.

O ritmo lento da vacinação aponta, segundo pesquisadores da UFJF, que o Brasil só deve ter 70% da população vacinada no fim de 2022, patamar que pode conter consideravelmente o espalhamento da doença.

Em 2020, Bolsonaro apostou todas as fichas em apenas uma vacina, a AstraZeneca-Oxford. O imunizante, no entanto, apresentou problemas nos estudos, o que atrasou em meses sua liberação e produção. Também boicotou publicamente a chinesa Coronavac e rejeitou ofertas de dezenas de milhões de vacinas de doses de fabricantes como a Pfizer.

Nos últimos meses, com o agravamento da pandemia no país, passou a tentar comprar vacinas de diversos fabricantes, mas entrou no fim de uma fila de dezenas de países e só deve receber um volume significativo no segundo semestre. Isso explica por que, tragicamente, as promessas vãs de Queiroga e Guedes não serão cumpridas.

Da Redação

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