Valter Pomar: Eles querem rachar o PT?
Em artigo, Valter Pomar comenta o texto publicado por Rochinha, Florisvaldo e Farina na Tribuna de Debates do 6º Congresso do PT
Publicado em
Participei no dia 17 de abril de um debate sobre a reforma da Previdência. Neste debate, um dos participantes afirmou que a reforma da Previdência seria um “tiro no pé” do capitalismo brasileiro, pois estaria nos levando para um capitalismo sem consumidores.
É uma tese sedutora, mas incorreta, sustentada na fantasia de um capitalismo harmônico, equilibrado, baseado na produção e venda de mercadorias a consumidores cujos salários provém das empresas produtoras das tais mercadorias.
Lembrei do ocorrido neste debate ao ler o texto de Rochinha, Florisvaldo e Farina, publicado no dia 18 de abril na “Tribuna de Debates” do Congresso do PT.
Qual a relação entre uma coisa e outra? Explico. Os três integram uma tendência chamada “Construindo um novo Brasil”. Esta tendência é atualmente majoritária na direção nacional do PT. Logo, deveria ser a maior interessada no sucesso do Congresso do Partido.
Sucesso que supõe enfrentar com o rigor do regimento as inúmeras denúncias de que teria havido fraudes na eleição partidária dia 9 de abril.
Especialmente na situação política que estamos atravessando, não pode pairar nenhuma dúvida sobre a legalidade e a legitimidade do processo de eleição dos delegados e delegadas, bem como das direções e presidências partidárias.
Entretanto e contraditoriamente, em muitos dos estados em que há denúncias de fraude, tem prevalecido o desprezo olímpico pelas provas e evidências (por exemplo, cidades com 100% de participação e 99% de votos numa determinada chapa), a desatenção com os procedimentos e principalmente uma atitude burocrática e desatenta às consequências políticas disto tudo.
Por exemplo, o risco de que o Congresso nacional seja contaminado pelo debate acerca das fraudes.
Frente a isto, a primeira reação é acreditar que alguns dirigentes da CNB estariam dando um tiro no pé, ou seja, estariam agindo contra seus próprios interesses.
Infelizmente, como no caso da reforma da previdência, esta é uma tese sedutora, mas errada.
A leitura do texto da troika (que, curiosamente, é escrito na primeira pessoa) mostra que o que está ocorrendo é perfeitamente compatível com a concepção que os signatários — e, portanto, de um setor da tendência hoje majoritária — têm acerca da política e do Partido.
Vamos aos pontos que revelam isto. O texto comemora o “comparecimento de quase 300 mil filiados” e a realização de “encontros municipais em quase quatro mil municípios”.
Na verdade, encontros não houve em lugar nenhum. Houve votação em urnas, algo bem diferente. Além disso, se é verdade que o comparecimento deve ser comemorado, também é verdade que foi o menor comparecimento relativo desde 2001.
O texto afirma, então, que “o jogo está só começando. Temos que ter a grandeza e deixar exigências pontuais de lado, pensar no Brasil que passa por um momento extremamente difícil e preservar a unidade da corrente CNB no partido, porque ela é a principal ferramenta para a assegurar e legitimar a democracia interna do PT”.
Repito: “preservar a unidade da CNB no partido”, porque ela é “a principal ferramenta para a assegurar e legitimar a democracia interna do PT”.
Dito de outra maneira: o que é bom para a CNB é bom para o PT. Eis o porquê da atitude desassombrada e sobranceira frente às fraudes.
Eis o porquê, também, da confusão entre o Partido e a tendência, explícita na seguinte frase: “Peço aos dirigentes e delegados/as da CNB que se apressem em resolver pendências políticas que ficaram dos encontros municipais, para que a Secretaria Nacional de Organização possa concluir rapidamente os seus trabalhos”.
Não é genial? Um artigo escrito ou pelo menos assinado pelo secretário nacional de organização do Partido, o companheiro Florisvaldo, deixa claro que para que a Sorg (uma instância do Partido) possa “concluir rapidamente os seus trabalhos”, é preciso que a CNB (uma tendência) se apresse em resolver suas “pendências políticas”.
O texto fala, também, que os dirigentes e militantes da CNB foram orientados a “procurar não errar para não dar munição àqueles que historicamente em todos os PED´s tentam ganhar no tapetão, se utilizando de usinas de recursos”.
Ao assinar este texto, o secretário nacional de organização destrói a legitimidade de sua atuação na Câmara de Recursos.
Pois está clara qual sua posição sobre os recursos que porventura afetem a votação de chapas vinculadas a CNB: “Tapetão” e “Usina de recursos”.
Mas o grande momento do texto da troika está ao final: “o momento é grave e exige paciência, tolerância e tomada de decisões firmes. O mundo externo tenta nos eliminar”.
O mundo externo tenta nos eliminar??? Não é a classe dominante, o empresariado, a direita, a mídia, os coxinhas. É o “mundo externo”. O mundo!!!
Paranoias a parte, quem acredita nisto é levado a tratar, da mesma forma, o inimigo de classe e o adversário interno. Por isto, as fraudes não são um tiro no pé.
São consequência direta de uma orientação que trata os adversários internos como inimigos do Partido. Mesmo que o preço seja colocar em questão a legitimidade das instâncias e, no limite, rachar o Partido.
Já que a troika falou do “mundo externo”, eu concluo citando Snoopy, que num quadrinho célebre afirmou: “desisti de tentar entender o mundo, agora ele que tente me entender”.
Eu entendi a troika e até onde ela pretende chegar. E não gostei nada do que entendi.
Espero que o restante da CNB discorde publicamente da troika, desautorize o fracionismo e garanta a unidade partidária.
Valter Pomar é gráfico e historiador. Foi dirigente nacional do Partido dos Trabalhadores e secretário-executivo do Foro de São Paulo entre 2005 e 2013. Texto inicialmente publicado no blog de Valter Pomar e republicado na Tribuna de Debates do VI Congresso. Saiba como participar.
ATENÇÃO: ideias e opiniões emitidas nos artigos da Tribuna de Debates do PT são de exclusiva responsabilidade dos autores, não representando oficialmente a visão do Partido dos Trabalhadores