Valter Pomar: Sobre as declarações da presidenta Gleisi Hoffmann
Para Pomar, o medo da elite é que “algum dia o povo pode achar que é uma boa ideia transformar uma ‘força de expressão’ numa expressão de força”
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Que vivemos tempos confusos, todos sabemos. Mas ontem foi demais.
A revista Exame, vinculada ao Grupo Abril, disse que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva prepara uma nova “Carta ao Povo Brasileiro”. E – citando uma dirigente do PT – diz que a Carta é para tentar conter novamente o nervosismo do mercado com sua candidatura.
O jornal Folha de S.Paulo, por sua vez, comentou as repercussões de uma declaração – igualmente atribuída a uma dirigente do PT — segundo a qual “para prender o Lula, vai ter que prender muita gente, mas, mais do que isso, vai ter que matar gente. Aí, vai ter que matar”.
O curioso é que ambas as frases – a primeira moderada, a segunda radical — foram creditadas à mesma pessoa: a presidenta nacional do PT, senadora Gleisi Hoffmann.
A primeira declaração não teve muita repercussão. Embora existam diferenças profundas, no PT e na esquerda, acerca de qual deva ser nosso programa de governo, o fato é que Gleisi não disse a frase atribuída pela Exame. A esse respeito, ler:
Já a segunda declaração de Gleisi repercutiu muito. A rigor não se trata de novidade: fizeram o mesmo com Vagner Freitas, quando este falou em pegar em “armas” para defender o mandato da presidenta Dilma; e com Lula, quando este falou nos “exércitos” de Stédile.
Nada mais natural: como todos sabem, existe o monopólio da violência. As elites podem convocar as forças armadas a dar golpes, prender, torturar, assassinar e desaparecer, como ocorreu em 1964 e depois.
As elites também podem orientar as polícias a agir como forças de ocupação, especialmente contra o povo pobre e preto das periferias. E podem difundir um discurso de intolerância e aberto estímulo ao extermínio da esquerda.
Já os setores populares não podem nem mesmo levantar a voz. Nem mesmo quando as elites mudam a regra do jogo no meio do jogo, fazem um impeachment ilegal, dinamitam nossa limitada soberania, destroem nossos poucos direitos sociais, reduzem ainda mais as liberdades democráticas e preparam a condenação de Lula, que comete o “crime continuado” de ter apoio popular suficiente para voltar à presidência da República.
Sendo assim não admira que tanta gente — inclusive petistas — tenha achado necessário “lembrar” a senadora Gleisi disso tudo. Afinal, não se deve esquecer qual é nosso lugar na ordem das coisas: nada de reclamar, nada de protestar, nada de reagir, apanhar calado, morrer em silêncio e ser enterrado sem pompa nem circunstância. Não se pode nem mesmo dizer que, se querem pegar Lula, primeiro vão ter que passar sobre os nossos cadáveres.
Não pode nada disto, por uma razão muito simples: algum dia o povo pode achar que é uma boa ideia transformar uma “força de expressão” numa expressão de força.
*Valter Pomar é gráfico e historiador. Foi dirigente nacional do Partido dos Trabalhadores e secretário-executivo do Foro de São Paulo entre 2005 e 2013.