Wadih Damous: O fascismo depende das milícias e elas do fascismo

O discurso da família Bolsonaro é um estímulo e a legitimação da ação de grupos criminosos que matam, torturam, praticam extorsões contra a população e corrompem o Estado

Gustavo Bezerra

Deputado Wadih Damous na tribuna da Câmara

As revelações das profundas relações entre Flávio Bolsonaro e grupos criminosos que dominam e extorquem populações inteiras de bairros pobres no Rio de Janeiro têm sido um choque para o país e para os eleitores da família Bolsonaro. O fato não deveria ser motivo de surpresa alguma, uma vez que as milícias e grupos de extermínio carioca aplicam, na prática, o que Bolsonaro pai e os Bolsonaro filhos defendem em discursos em plenários e comícios país a fora.

A apologia e o apoio à tortura e a defesa das milícias não são nada contraditórios, mas complementares. Esquadrões da morte proliferaram na ditadura. A primeira expressão do fenômeno surgiu no Rio de Janeiro no período entre o final dos anos 1950 e início dos anos 1960. Tratava-se de grupos de policiais envolvidos com a criminalidade – os esquadrões da morte. Segundo a jurista e pesquisadora Alessandra Teixeira, em depoimento à Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva”, os envolvidos agiam em prol de diversos interesses, com ligações diretas com as economias criminais, como, por exemplo, o jogo do bicho, a prostituição e também o tráfico de entorpecentes, além de torturas e assassinatos.

A formação de grupos de características análogas se deu em São Paulo no final dos anos 1960. O Esquadrão paulista surgiu justificado numa espécie de “ofensiva contra o crime”. Os agentes envolvidos foram apontados como autores de tortura e morte de civis e presos políticos. O Esquadrão da Morte atuava sob o comando do temido delegado do Departamento de Ordem e Política Social (Dops) Sérgio Fleury, que havia cultivado nos primeiros momentos da carreira uma referência pessoal de “caçador de bandidos”, segundo seu biógrafo, o jornalista Percival de Souza, autor de “Autópsia do Medo: vida e morte do delegado Sérgio Paranhos Fleury”.

As milícias de hoje são os Esquadrões da Morte de outrora, se constituem como a soma do autoritarismo político com a dinâmica do “bandido morto”. São grupos criminosos organizados que atuam sob a complacência do Estado e, muitas vezes, em parceria com ele. Possuem, como se pode ver nas notícias recentes a respeito do filho do presidente Jair Bolsonaro, elos com o Poder Legislativo e os outros poderes. Do que se disse até agora sobre o assassinato de Marielle Franco há, também, possível envolvimento delas com o crime.

Quando o atual presidente abre a boca para falar estultices e enaltecer violências do tipo “bandido bom é bandido morto”, “prefiro filho morto em acidente do que homossexual”, “não te estupro porque você não merece ser estuprada”, “vamos metralhar” e uma série de outras frases ditas em público, acaba por legitimar ações de violência, principalmente contra a população mais pobre e minorias.

O discurso da família Bolsonaro é um estímulo e a legitimação da ação de grupos criminosos que matam, torturam, praticam extorsões contra a população e corrompem o Estado se beneficiando do seu beneplácito e ineficácia. Sergio Moro permanece completamente catatônico o que não me causa surpresa – em relação às denuncias de corrupção, operações suspeitas da família do capitão da reserva eleito presidente e sobre a relação dela com os grupos de milícias no Rio de Janeiro. Vê, assim, corroer em menos de um mês a imagem fabricada de juiz justiceiro e implacável com o crime.

As premiações de Flávio Bolsonaro a chefes de milícias são um fato que revela, ao menos, coerência. Seria como um bônus de funcionário do mês. De nada adianta o filho do presidente dizer que quem contratou os milicianos foi o tal do Queiroz, pois suas falas, gestos e discursos revelam uma total sintonia com as ações criminosas das milícias. Como disse, uma é parte indissociável da outra. O fascismo é a representação política das milícias e elas a materialização dessa ideologia.

Wadih Damous é deputado federal pelo PT-RJ e ex-presidente da OAB-RJ

*Artigo publicado originalmente no Brasil 247

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