Além da violência, aumento do desemprego ameaça mais os negros em 2021

População negra é maioria entre os 11 milhões de trabalhadores atingidos pelo programa de suspensão de contratos e redução de jornada de trabalho. Com o seu fim, em 2021, e a consequente onda de demissões projetada por pesquisadores, essas pessoas serão as mais prejudicadas

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Desemprego de negros expressa racismo estrutural

Neste 20 de novembro, Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, as pessoas pretas e pardas são as mais ameaçadas pelo aumento do desemprego, que já alcança níveis históricos, a partir do próximo ano. A previsão é do economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Marcelo Neri, que vê no fim do programa de suspensão de contratos e redução de jornada de trabalho adotado nesta pandemia do coronavírus o estopim do processo.

Segundo Neri detalhou em reportagem do portal ‘G1’, pretos e pardos são maioria entre os mais de 11 milhões de trabalhadores incluídos no Programa de Preservação de Emprego e Renda criado pela Lei nº 14.020/2020. A lei foi aprovada no Congresso e sancionada pelo governo em 6 de julho. O fim dos termos e condições previstos pelo marco legal deve provocar um ‘efeito rebote’ no ano que vem, gerando um aumento ainda mais acentuado do desemprego, principalmente entre os trabalhadores negros.

Isso porque, por meio do programa, os trabalhadores que tiveram o contrato suspenso ou a jornada reduzida passaram a receber um Benefício Emergencial (Bem), referente a um percentual do salário cheio. As empresas, em contrapartida, ficaram obrigadas a garantir a estabilidade dos trabalhadores por um período igual ao da suspensão do contrato ou redução da carga horária.

A Pnad-Covid é uma versão da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) criada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para avaliar os efeitos da pandemia sobre o mercado de trabalho. A partir de seus microdados, a FGV Social constatou que os pretos e pardos tiveram queda superior do número de horas trabalhadas na comparação com os brancos.

“A nossa hipótese é que essa redução do número de horas trabalhadas foi efeito do programa temporário de suspensão de contratos e redução da jornada de trabalho”, explica Neri.

O pesquisador, que é diretor da FGV Social, explica que o desemprego – muito maior entre pretos e pardos que entre os brancos na pandemia – foi atenuado pelo programa. Mas agora haverá um “efeito rebote”, diante da medíocre recuperação obtida pelo desgoverno Bolsonaro e seu ministro-banqueiro da Economia, Paulo Guedes, e da insegurança sobre uma anunciada “retomada” que no momento não passa de ilusão vendida pelo ministro mascate.

“Gradativamente, é de se esperar que as firmas aumentem as demissões. Então, a gente acha que o desemprego tende a aumentar mais depois de 31 de dezembro, quando termina a validade desse programa”, destacou o pesquisador. Para Neri, como o programa tende a beneficiar mais a base do mercado de trabalho, e ela é ocupada principalmente por pretos e pardos, estes deverão ser os primeiros atingidos pelo desemprego em massa.

Mulheres mais atingidas pelo desemprego durante a pandemia. Foto: Reprodução

Desigualdade racial no mercado de trabalho aumentou

O Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades do IBGE constatou que a desigualdade racial entre os trabalhadores aumentou durante a pandemia. Os indicadores apontam que pretos e pardos, que representam 56,8% da população brasileira, foram os mais prejudicados pelo colapso no mercado de trabalho.

Houve aumento no desemprego em todos os segmentos da população brasileira, mas entre os pretos o salto foi maior. Na passagem do primeiro para o segundo trimestre de 2020 – os mais agudos da crise pandêmica – a taxa de desemprego entre pretos aumentou em 2,6 pontos percentuais (p.p.) e 1,4 p.p. entre os pardos. Entre os brancos a alta foi de 0,6.

Ao todo, o desemprego entre os pretos ficou em 17,8%, e entre os pardos foi de 15,4%. Já com os brancos, o desemprego foi de 10,4%. Outro indicador que mostra essa diferença é o da taxa de ocupação, que entre pretos teve queda de 6,9 p.p., pardos com 6,1 p.p. e brancos com queda de 4,9.

A crise na vida de negros, mulheres, trabalhadores domésticos e trabalhadores com baixa escolaridade também está evidenciada em boletim do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

Segundo o departamento, a pandemia explicitou e acentuou as desigualdades históricas do Brasil. “Homens e mulheres negros, ocupados em situação de informalidade, no trabalho doméstico e sem vínculo legal, foram os que mais sofreram os efeitos da parada da economia brasileira por causa do coronavírus”, afirmam os pesquisadores do Diesse na nota técnica.

“É sabido que mulheres e homens negros enfrentam dificuldades maiores para conseguir uma colocação. A taxa de desocupação entre esses trabalhadores é sempre maior, mas a pandemia conseguiu criar ainda mais adversidades para essa população”, prosseguem os analistas.

“Em situação vulnerável de renda, moradia, sem possibilidade de aderir ao isolamento, necessário para evitar a propagação do coronavírus, trabalhadores e trabalhadoras negras foram obrigados a continuar a busca por trabalho diante da necessidade de sobrevivência, em longos deslocamentos por meio de transporte público nas grandes cidades”, constatou a nota dos pesquisadores do Dieese.

Até o segundo trimestre de 2020, oito milhões de pessoas já haviam perdido seus empregos – 6,3 milhões (71%) eram negros e negras. A maioria das ocupações perdidas foi por homens negros com carteira (1,4 milhão), sem carteira (1,4 milhão) e os que trabalhavam por conta própria (1,2 milhão).

As mulheres negras foram igualmente afetadas. Mais de 887 mil trabalhadoras com carteira assinada foram demitidas: 620 mil sem carteira, 886 mil trabalhadoras domésticas e 875 mil trabalhadoras por conta própria.

“Importante lembrar que muitos consideraram as trabalhadoras domésticas como vetores de transmissão da Covid-19, pelo fato de elas utilizarem transporte público. Um grande número de contratos de trabalho foi finalizado por esse motivo, deixando à míngua mulheres de baixa renda e escolaridade”, destaca o Dieese.

“A taxa de desocupação dos pardos é cerca de 43% maior que a dos brancos. As pessoas com autodeclaração de cor negra têm taxa de desocupação de 55,1% superior à das pessoas declaradas brancas”, ressaltou Adriana Beringuy, analista da Coordenação de Trabalho e Rendimento do IBGE.

Ao se comparar dados de 2012 com os de 2019, é possível identificar que pardos e pretos são o contingente historicamente mais atingido pelo desemprego – mas a situação piora com o tempo.

O número de desocupados no Brasil no primeiro trimestre de 2012 era de 7,6 milhões de pessoas. Os pardos representavam 48,9% dessa população, seguidos dos brancos (40,2%) e dos pretos (10,2%). No primeiro trimestre de 2019, havia 13,4 milhões de desocupados, e a participação dos pardos passou a ser de 51,2%, enquanto a dos brancos diminuiu para 35,2% e a de pretos subiu para 12,7%.

Problemas estruturais e efeitos de médio e longo prazo

Marcelo Neri prevê que os efeitos do colapso do mercado de trabalho e das demissões em massa tendem a ser de médio a longo prazo. “A pandemia trouxe piores efeitos trabalhistas, e esses efeitos são importantes porque vão persistir após a pandemia, porque são estruturais”, enfatizou. Outro efeito estrutural, segundo o economista da FGV, ocorreu no campo educacional brasileiro, que trará efeitos também sobre o mercado de trabalho.

“A pandemia representou uma quebra de uma série de 40 anos da educação. A escolaridade vinha crescendo mais entre pretos e pardos, mas caiu com a pandemia. Os dados do IBGE mostraram que o tempo de estudo em casa caiu mais para os mais pobres, e eu diria que isso é uma tendência, e que efeito tende a ser de longo prazo”, enfatizou o pesquisador da FGV.

João Hallak, coordenador da pesquisa ‘Síntese de Indicadores Sociais’ do IBGE, aponta que não é possível elencar um único indicador como mais importante, em termos de desigualdade. “A população de cor ou raça preta ou parda está mais presente na informalidade, possui menos anos de estudo, está em atividades que remuneram menos. Então, tudo isso contribui para que a renda do trabalho seja menor”, diz o pesquisador, que estudou dados específicos do Distrito Federal, sétima unidade da Federação com maior desigualdade racial no mercado de trabalho.

Para o doutor em Direito, sociólogo e advogado Hector Vieira, quando a população negra aparece em desvantagem, a discriminação faz parte da conta. “Todos os problemas são suportados dentro de um sistema maior, que é o racismo”, afirma. “O ponto central é o racismo estrutural. Não é a pobreza que gera racismo, é o racismo que gera pobreza.”

Membro da Comissão de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-DF), Vieira lembra que a igualdade nas oportunidades de trabalho e renda é assegurada em lei, na Constituição Federal e no Estatuto da Igualdade Racial. No entanto, para ele não é possível debater desigualdade apenas com base na lei.

“Hoje, com 520 anos de história do Brasil, é ingênuo a gente achar que 300 anos de escravidão não reverberam. É uma população que não tinha formação e passou a ser criminalizada. Por isso, a importância de ações para garantir as mesmas condições de bens, serviços e direitos”, afirma.

Hector Vieira, que faz parte dos 27,5% pretos e pardos com nível superior completo no país, conta que sentiu o preconceito estrutural e institucional na pele. “Eu poderia passar horas contando casos, mas em um deles, eu estava no tribunal, como advogado, e me confundiram como o segurança. Ninguém me confunde com o juiz”, lamenta.

Bolsonaro corta mais 400 mil beneficiários do auxílio emergencial

Enquanto tateia no escuro, sem qualquer proposta para o colapso trabalhista e social que se anuncia, o desgoverno Bolsonaro aponta seu dedo podre para os beneficiários do Bolsa Família credenciados a receber a extensão do auxílio emergencial. Em setembro, eles eram 16,3 milhões – agora, foram reduzidos a 15,9 milhões.

A exclusão dessas 400 mil pessoas ocorreu porque Bolsonaro, ao estender o pagamento do auxílio até o fim do ano, restringiu as regras do programa. Na ocasião, foram sumariamente cortados 2,9 milhões de beneficiários, em meio às novas regras.

A contar com trabalhadores em geral que não recebem o Bolsa Família, a cifra sobe para 5,7 milhões de excluídos pelas novas regras de Bolsonaro e Guedes para o auxílio emergencial para trabalhadores vulneráveis, que eles nunca quiseram conceder. Assim vai crescendo a multidão de deserdados por um desgoverno perdido em meio às consequências de sua incúria e descaso com a saúde e o bem-estar da população.

Da Redação

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