Almir Aguiar: Não vamos dar à polícia a licença para exterminar negros e pobres

“Esta mesma sociedade que produz em massa gente sem condições mínimas de sobrevivência, fomentando a revolta no meio da pobreza, é a mesma que quer legalizar o extermínio de pobres”

Nathalia Gregory

Almir Aguiar

O Brasil lança cada vez mais, milhares de crianças às ruas, pela ausência absoluta do Estado, sem uma educação de escola integral que as acolha. E uma juventude desprezada, sem formação profissional e sem emprego. Nos grandes centros urbanos, esbarramos com elas a todo instante, pedindo um dinheiro, vendendo doces, correndo do rapa para levar um troco para a família ou pedindo para engraxar sapatos. Todos nós sabemos que o abandono nas ruas torna-se a escola do crime. Muitos desses meninos e meninas, sem saída, começam a praticar pequenos delitos, se entregam ao crack ou são cooptados pelo crime organizado.

Esta mesma sociedade que produz em massa gente sem condições mínimas de sobrevivência, fomentando a revolta no meio da pobreza, é a mesma que quer legalizar o extermínio de pobres. Em vez de buscar meios de ir às causas sociais do problema, preferem o caminho mais fácil, que esconde o preconceito e o racismo de setores de uma elite mesquinha, ranzinza e egoísta.

Dados do Mapa da Violência de 2018, estudo realizado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) o Brasil teve, em um ano, 62.517 assassinatos, 30 vezes maior que o número de toda a Europa. O perfil da esmagadora maioria das vítimas: jovens homens de 15 a 19 anos, especialmente negros das favelas e periferias que respondem por 56,5% dos óbitos, com mortes violentas. E 71,6% das pessoas assassinadas são negras ou pardas.

O pacote anticrime do Ministro Sérgio Moro tem este espírito que ganha coro na classe média, assustada com a violência, o da solução reducionista do “bandido bom, é bandido morto”.

Como se não bastasse o fato de que a polícia brasileira é a que mais mata, mas também a que mais morre no mundo nessa guerra insana, fruto da maior desigualdade social do planeta, Moro quer legalizar o crime de estado.

O silêncio de Moro diante da execução de militares do Exército que mataram um pai de família com mais de 80 tiros onde estava o músico Evaldo dos Santos Rosa e sua família, em Guadalupe, no Rio, reafirma que esta é a política do atual governo: executar negros e pobres, num racismo descarado que se esconde por trás da onda insana que contamina parte da classe média, de “matar primeiro para depois identificar quem é a vítima”. Exigimos a condenação pela Justiça não apenas dos executores, mas dos responsáveis pela ação criminosa, certamente oficiais do Exército, cuja função é defender as fronteiras e a soberania do Brasil para garantir a paz e a segurança, não para executar inocentes e conspirar contra a democracia.

A desculpa de que os militares teriam confundido Evaldo com bandido só revela o preconceito e a discriminação racial de uma política de estado de extermínio, cujo Presidente da República e seus filhos têm rastros evidentes de uma íntima relação com a milícia que reproduz estas práticas à margem da Lei. Agora, Moro quer legalizar estas ações criminosas com seu “Pacote Anti-crime”. Este trabalhador foi fuzilado por ser negro e este não é um caso isolado e nem um “incidente” de percurso da ação do aparato militar contra a população pobre. É uma rotina nas favelas e periferias.

Quem na sociedade civil, morre nessa guerra da explosão da violência urbana? Como as pesquisas confirmam, são principalmente os pobres, negros, jovens das periferias. Permitir que a polícia mate indiscriminadamente pessoas sem responder por excessos e sem permitir as devidas investigações generalizando todos os casos como “legítima defesa”, ampliando o chamado “excludente de licitude” é promover literalmente a violência de estado e liberar o extermínio contra as comunidades negras e pobres.

O pacote anticrime de Moro oficializa também o que já está se tornando regra no ativismo político de toga: o atentado ao estado democrático de direito e a presunção de inocência, com prisões abusivas, em segunda instância, celebradas pela espetacularização midiática da Lava-Jato.

Na prática, o projeto nega aos mais pobres a ampla defesa e o direito ao contraditório. Atenta contra os direitos fundamentais no processo penal e contra os direitos humanos. Para impedir esta atrocidade, quarenta entidades do movimento negro denunciaram o pacote anticrime de Moro à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. O projeto não traz um debate no campo jurídico, mas é uma medida política, que atende ao espírito de intolerância de grande parte dos eleitores de Bolsonaro.

Moro está se cacifando para garantir sua sobrevivência política em um governo que afunda na impopularidade de forma acelerada como nunca antes na história deste país. Apenas a espetacularização da Lava-Jato e o ativismo de toga liderados por Moro dão vida aos eleitores de Bolsonaro que ainda não confessam o inevitável arrependimento, causado, a começar, pela crueldade da Reforma da Previdência com o povo brasileiro.

O movimento negro e todos os trabalhadores não podem e não vão aceitar que o projeto político de Moro e o triunfo temporário da intolerância, do atraso e do racismo, deem ao estado, licença para matar. A mesma mobilização popular que vai às ruas para defender o direito à aposentadoria e às conquistas trabalhistas, precisa empunhar a bandeira da justiça, do estado democrático de direito, da igualdade de oportunidades e contra a política de extermínios de negros e pobres. E assim o faremos. Vamos à luta.

Almir Aguiar é Secretário Estadual de Combate ao Racismo PT/RJ

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