Argélia: liberdade para Louisa Hanoune

Uma ampla campanha internacional pela libertação de Louisa, que conta com o apoio do PT e do companheiro Lula, se desenvolve hoje em 92 países

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Desde 22 de fevereiro de 2019, todas as sextas-feiras, milhões de argelinos e argelinas saem às ruas. O movimento começou contra um quinto mandato para o então presidente Abdelatiz Bouteflika. Depois que Bouteflika renunciou à candidatura e à presidência, o poder de fato passou às mãos do chefe das Forças Armadas, Gaed Salah, numa tentativa de preservar o regime. As mobilizações prosseguiram e o povo que sai às ruas todas as sextas-feiras passou a exigir o fim do regime e recusa eleições comandadas pelos que hoje estão no poder (não aceitamos eleições organizadas pelo bando, gritam nas ruas). Na sexta-feira, 11 de outubro os manifestantes também passaram a protestar contra a entrega do petróleo e do gás às multinacionais, anunciada pelo regime.

O Partido dos Trabalhadores da Argélia, que levantava a exigência da realização de uma Assembleia Constituinte, para que o povo possa exercer sua soberania, decidiu que seus parlamentares deveriam renunciar aos mandatos na Assembleia Nacional, rejeitada pelo povo mobilizado. Louisa Hanoune, deputada federal, reeleita por cinco mandatos, e secretária geral do PT argelino renuncia a seu mandato em março.

Em 9 de maio, chamada a depor diante do tribunal Militar de Blida como testemunha em um processo envolvendo três membros do governo Bouteflika, Louisa teve sua prisão decretada sob acusação de “conspirar contra o regime”. A prisão arbitrária de Louisa foi a primeira de uma série de prisões políticas feitas pelo regime desde então, incluindo o herói da guerra de independência da Argélia (ex-colônia francesa até 1962), Lakhdar Buregaã, de 86 anos. Diante da onda de prisões, as manifestações levantam a exigência da libertação de todos os presos políticos.

Uma ampla campanha internacional pela libertação de Louisa, que conta com o apoio do PT e do companheiro Lula, se desenvolve hoje em 92 países.

No dia 24 de setembro, num julgamento político, Louisa foi condenada a 15 anos de prisão. Militante internacionalista, Louisa Hanoune é também coordenadora do Acordo Internacional dos Trabalhadores e impulsionou – a partir da Conferência Contra a Guerra e a Exploração em Argel (dezembro de 2017) – uma campanha internacional pelo direito de Lula ser candidato à presidência e, a partir de abril de 2018, por sua libertação. Publicamos matéria do principal jornal da imprensa argelina, El Watan, onde os advogados relatam o depoimento de Louisa Hanoune Hanune durante seu julgamento em 24 de setembro.

Advogados de Louisa Hanoune revelam o que ela disse ao juiz

 

“Condenada pelo Tribunal Militar de Blida a 15 anos de reclusão, na mesma medida que os dois ex-chefes do serviço secreto, Mohamed Mediène e Bachir Tartag, bem como Saïd Bouteflika, irmão assessor do presidente deposto, Louisa Hanoune, secretária geral do Partido dos Trabalhadores, é, para seus advogados, “uma prisioneira política”. Depois de mencionar inúmeras “violações do procedimento” durante a instrução judicial e o julgamento, eles revelam os detalhes dos debates entre ela e o presidente do Tribunal Militar, durante a audiência de 24 de setembro passado.

Para o coletivo de advogados de Louisa Hanoune, o depoimento diante do Tribunal Militar de Blida, durante o julgamento realizado em menos de quarenta e oito horas na semana passada, “não deixou nenhuma dúvida” sobre “a inexistência” dessa “conspiração contra a autoridade do Estado e do exército”, pela qual ela foi condenada a 15 anos de prisão. Eles contam os detalhes sobre as duas horas de questões e respostas daquela tarde do dia 24 de setembro.

Perguntada sobre o encontro do dia 27 de março na vila Dar-El-Afia, ela declara ter “aceito o convite” do conselheiro do presidente, “porque ele me afirmou” que seu irmão “havia tomado a decisão de renunciar”. Depois ela explica: “Em 22 de fevereiro eu liguei para a irmã do presidente para pedir que dissesse a seu irmão que renunciasse antes que fosse tarde demais, a fim de evitar o pior para o país. Eu mandei uma mensagem a seu irmão conselheiro com o mesmo conteúdo para acelerar a saída do presidente, mas não pedi um encontro, que é formal para mim. Várias vezes no passado eu tive que solicitar reuniões ao conselheiro do presidente. Não vejo nenhum problema em falar com um responsável político ou um assessor do presidente da República”.

O juiz a interroga sobre a acusação de conspiração contra a autoridade do exército. “Não tenho nenhum relacionamento com a instituição militar. Eu sou uma dirigente política. Em nenhum momento, em minha presença, se tratou de atacar a estabilidade do exército. A única coisa que de minha parte abordei nesse encontro foi a política civil: primeiro, a renúncia do presidente, a dissolução das duas Câmaras parlamentares, a saída do governo e a restituição da palavra ao povo”, explica a sra. Hanoune.

Quanto às outras pessoas acusadas presentes à reunião (Saïd Bouteflika e Mohamed Mediène), “eles me informaram que propuseram Liamine Zéroual para dirigir o período de transição. Eu me opus dizendo que Liamine Zéroual foi presidente da República e não aceitaria ser o Primeiro ministro. Fui contra, porque prefiro e luto para que esse cargo seja confiado antes a um civil que a um militar, como reivindica, aliás, o povo”.

O presidente pergunta: “Por que você concordou em se dirigir a esse regime popularmente rejeitado?” A resposta de Louisa Hanoune é: “O regime ainda não se foi. Não se trata de pessoas, mas da natureza das instituições do Estado e das relações entre elas. É a natureza do sistema, das leis e das práticas. A primeira reivindicação da revolução é a saída dos 4 B, mas apenas dois saíram. Todas as sextas-feiras, o povo exige a saída dos outros dois”. O presidente: Por que apenas o PT participou do encontro e não os outros partidos políticos?”

Louisa Hanoune: “Cada partido tem sua estratégia política. Há partidos que se contentam com a denúncia e as declarações, mas o Partido dos Trabalhadores considera que a participação na ação política é dirigir-se às instituições do Estado para buscar soluções. Meu objetivo era acelerar a renúncia do presidente.

Se os partidos não tiverem mais o direito de mudar o regime, isso significa que o pluripartidarismo ainda que formal não existe mais. Eu combato desde os anos 1970 pelo fim do regime de partido único e para restituir a palavra ao povo. Fui encarcerada pelo tribunal por acusações mais graves do que estas de hoje. Passei seis meses na prisão antes que o presidente Chadli Bendjedid me concedesse a anistia. Como dirigente de partido político, me encontrei com ex-presidentes, ministros, chefes de segurança etc. Expressei minhas opiniões e propus soluções, até porque meu partido não se dirige a partes estrangeiras. Ao aceitar o convite de Saïd Bouteflika, meu objetivo era acelerar a renúncia do presidente e o atendimento das reivindicações populares. Eu queria contribuir na busca de uma saída positiva para evitar ao meu país a situação atual. Será que esse esforço que aceitei é punido pela lei? Eu jamais fiz parte de um poder ou governo. Minha militância e de meu partido são conhecidas. Minhas posições e meu combate sempre foram na defesa da soberania e do fortalecimento da nação. Eu sempre me opus a qualquer intervenção de partes estrangeiras”.

Sobre a acusação de “atentado à autoridade do Estado com o objetivo de mudar o regime”, punida pelo artigo 77 do código penal, Louisa Hanoune explica que essa questão “não foi discutida em nenhum momento” na ocasião do encontro com Saïd Bouteflika. “Não estávamos em uma conferência acadêmica ou política sobre o melhor regime presidencial, parlamentar etc. para falar sobre isso”, ela disse, acrescentando que a mudança de regime “é um direito de todos os povos que está consagrado no artigo 7 da Constituição argelina e está sendo reivindicado pelo povo desde o dia 22 de fevereiro. Em todos os seus discursos, Abdelkader Bensalah [nomeado presidente interino com a renúncia de Bouteflika, NdT] declara que os argelinos têm o direito de mudar o regime e definir sua natureza.

O povo quer a saída do regime presidencial, no qual o presidente se apropria de todas as atribuições. Seria sensato de minha parte pensar em uma operação não pacífica para derrubar o regime, quando eu defendo a soberania do povo? Seria sensato de minha parte lançar um apelo a esse povo para pegar em armas contra seu país? Para mim, 22 de fevereiro foi o dia mais feliz da minha vida e a consagração de quarenta e três anos de militância pela restituição da palavra ao povo. Nós não falamos sobre a natureza do regime durante o encontro.

Minha única proposta foi a renúncia do presidente e a natureza das decisões políticas a tomar, a saber a saída do governo, a dissolução das duas Câmaras, antes de dar a palavra ao povo através de uma Assembleia Constituinte. Se o artigo 77 menciona o recurso à violência e às armas para destituir Abdelaziz Bouteflika, seria ilógico uma vez que este último decidiu renunciar.”

Sobre a acusação relacionada ao artigo 284 do Código militar, nomeadamente o “ataque à autoridade do exército”, Louisa Hanoune lembra o slogan Djeich, chaab, khawa khawa (“Povo e exército: irmãos”), utilizado nas marchas populares de sexta-feira, dizendo: “A ANP protege o país e suas fronteiras contra toda agressão de onde quer que ela venha e é apenas a continuidade do Exército de libertação nacional. O que me permite falar da diferença que a distingue do exército egípcio, financiado pelo Tesouro estadunidense e que foi obrigado a assinar o acordo de Camp David. O exército argelino é financiado pelo Tesouro argelino, através dos impostos e receitas do petróleo, o que lhe garante sua soberania nacional.
A única situação em que eu seria obrigada a chamar meus militantes e os argelinos a pegar em armas é no caso de meu país ser atacado por um país estrangeiro.”

Louisa Hanoune diz que o regime que ela combate “esteve na origem do nascimento da oligarquia, da insegurança e todos os males sociais e criou o arrivismo. Ele constitui uma ameaça para a segurança da nação.”

Ela lembra suas posições sobre os acontecimentos da Cabília, o referendo sobre o tamazirte, mas também sobre a crise de Ghardaïa e afirma: “Minha participação no encontro com Saïd Bouteflika teve um único objetivo: evitar desvios ao país após infiltração das marchas pelos baltaguia (delinquentes). Na Síria, as manifestações começaram pacificamente até começar a intervenção estrangeira. O mesmo ocorreu na Líbia, e não quero que nós vivamos o mesmo cenário.

É por esta razão que fiz tudo para conseguir uma saída para a crise. Encontrei o conselheiro do presidente em exercício. Se ele não tem legitimidade, como está escrito no ato de acusação, então todas as nomeações desde 1999 são ilegítimas. Minha única preocupação era ajudar meu país a sair ileso da crise. Isso é crime? Se responderem com um sim, este processo é político.”

Louisa Hanoune revela ter encontrado várias vezes o presidente da República, com o qual ela discutiu dossiês econômicos, questões de liberdade e de direitos. “Durante todo o ano de 2018, eu insisti para confirmar que ele não tinha intenção por um quinto mandato e a resposta foi categórica sobre esta questão.

Mas quando a posição mudou e começaram a aparecer sinais de sua candidatura eu cortei todas as minhas relações com ele. Até solicitei ao presidente do Conselho constitucional, após o anúncio dessa candidatura, a aplicação da lei e a declaração do impedimento. As manifestações de 22 de fevereiro decidiram a questão.”

Quando o presidente do tribunal pergunta a Louisa sua última palavra, ela começa denunciando as afirmações proferidas pelo representante do Ministério Público que “atentam contra” sua pessoa e sua reputação “enquanto mulher” e assinala, a propósito das acusações, que elas não se baseiam em nenhuma prova.

“Meu lugar é na rua com a revolução. Eu sou inocente. Não há nenhuma evidência material que comprove a existência de qualquer conspiração contra a instituição militar.”

Por PT da Argélia

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