Bolsonarismo imita Trump e ataca urnas eletrônicas para esconder fracasso nas urnas

Presidente dos Estados Unidos persiste em acusações de trapaça na contagem de votos antecipados enviados pelos correios. No Brasil, Bolsonaro usou a tática em 2018, e até hoje não apresentou qualquer prova que corroborasse suas falsas denúncias. TSE monitora fake news sobre urnas eletrônicas nestas eleições

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Bolsonaro ataca urnas eletrônicas

O ainda presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, insiste em não reconhecer a derrota nas eleições, apesar de o democrata Joe Biden já contabilizar 279 votos no Colégio Eleitoral contra 217 do republicano. Restam 42 votos não decididos, o que não seria suficiente para o quase ex-presidente atingir os 270 delegados necessários. Apesar disso, Trump mantém os processos abertos ainda durante as apurações, questionando o sistema apenas nos estados em que o voto pelo correio foi massivo, mas o magnata não ganhou.

Trump passou semanas antes das eleições colocando em dúvida a integridade do processo e questionando o voto pelo correio, apesar da longa história de sucesso na história eleitoral dos Estados Unidos. Em suas redes sociais, a profusão de notícias falsas sobre supostas fraudes dos votos antecipados sustenta o clima de fraude entre os apoiadores de Trump e alimenta a disposição de luta no submundo trumpista.

Em Michigan, a procuradora-geral, Dana Nessel, disse que seu gabinete não recebeu nenhum relatório sobre problemas nas eleições ou reclamações envolvendo irregularidades. “Deixe-me ser muito clara: as eleições de novembro em Michigan transcorreram com fluidez, como sempre”, explicou Nessel, garantindo a legalidade dos resultados. A única coisa que está acontecendo, acrescentou a procuradora, é que há especulações e teorias da conspiração que considera absurdas.

O jornal ‘The New York Times’ informou na terça (10) que funcionários eleitorais de ambos os partidos em dezenas de estados dizem que não existe nenhuma evidência de fraude ou outras irregularidades que teriam influenciado o resultado da eleição.

Na segunda (9) e na terça, o diário nova-iorquino entrou em contato com as autoridades eleitorais de cada estado para perguntar se elas suspeitaram ou tinham provas de votos que poderiam ser considerados ilegais. Um total de 49 estados declarou que não houve problema. As autoridades do Texas foram as únicas que não responderam ao jornal.

Trump e sua aposta no caos eleitoral sofreram outro duro revés na terça, quando foi divulgada uma pesquisa da Reuters/Ipsos mostrando que cerca de 80% dos norte-americanos – metade deles, eleitores republicanos – dizem que Biden é o vencedor.

Mas por mais que os números e os fatos apontem o contrário, os fervorosos apoiadores de Trump continuam clamando que houve fraude. O vice-governador do Texas, Dan Patrick, ofereceu até um milhão de dólares em troca de informações com provas de fraude. “A perseguição da fraude eleitoral não é apenas essencial para determinar o resultado destas eleições, é essencial para manter nossa democracia e restaurar a fé em eleições futuras”, disse em uma mensagem no Twitter.

Pesquisa destrincha submundo bolsonarista

No Brasil, este ano tem registrado um enorme volume de posts e links sobre supostas fraudes nas urnas e manipulação eleitoral, e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) teme que o caos ianque se repita em 2022, quando o presidente Jair Bolsonaro, notório usuário de fake news, tentará se reeleger.

Estudo recém-divulgado pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas da FGV (Fundação Getulio Vargas), com cooperação do TSE, mapeou e analisou postagens que questionam a integridade do processo eleitoral desde 2014. No levantamento, os autores mapearam links e URLs de sites da imprensa tradicional, blogs e portais de conteúdo partidarizado ou não jornalístico que contestam a legitimidade das eleições e mais geraram engajamento no Facebook e YouTube.

O recorde ocorreu exatamente em 2018, quando redes sociais e aplicativos de smartphone foram inundados com 32.586 posts e vídeos sobre desconfiança no sistema eleitoral, a esmagadora maioria deles originárias do “gabinete do ódio” da campanha presidencial bolsonarista. Neste ano, em apenas nove meses, foram registradas 18.345 postagens, superando 2014, ano da eleição presidencial vencida legitimamente pela presidenta Dilma Rousseff.

“Há uma altíssima probabilidade de que o cenário que estamos vendo na eleição americana, de tentativa generalizada de desacreditar o sistema eleitoral, vá se repetir no Brasil em 2022 se não nos prepararmos de forma adequada”, afirmou Thiago Rondon, coordenador digital de combate à desinformação no TSE, à ‘Folha de São Paulo’.

Segundo Marco Ruediger, diretor da DAPP-FGV que coordena o estudo ao lado de Amaro Grassi, a disseminação de conteúdos que geram desconfiança na votação promove uma corrosão democrática que muitas vezes não é imediatamente perceptível. “Isso vai plantando gradualmente um elemento de desconfiança nas instituições, e o resultado é o que vimos nos Estados Unidos”, diz Ruediger.

O estudo mostra que há uma campanha permanente para desacreditar o processo eleitoral, não se restringindo a anos em que há eleições. E que alguns dos links mais difundidos online se repetem em vários anos. Segundo Ruediger, a desinformação sobre processo eleitoral está muito mais sofisticada do que era.

“Pegam um vídeo de uma notícia verdadeira no YouTube, por exemplo: Trump diz que a eleição foi roubada, e distorcem o significado no título e nos comentários, dizendo, ‘vejam como foi fraudada mesmo’”, descreve. “Há uma maior complexidade, não necessariamente trata-se de uma notícia falsa, é desinformação mais sorrateira.”

O estudo apontou que os links com maior engajamento no período analisado foram “PF desmantela quadrilha que cobrava até R$ 5 milhões para fraudar urnas eletrônicas”, da ‘Folha Centro Sul’, e “TSE entregou códigos de segurança das urnas eletrônicas para a Venezuela e negou acesso para auditores brasileiros”, do ‘Jornal da Cidade Online’. Ambos os sites são ligados ao bolsonarismo.

Bolsonaro copia Trump ao levantar suspeitas

Enquanto nos Estados Unidos Trump ataca o voto pelos correios, no Brasil, o bolsonarismo questiona as urnas eletrônicas. Ou seja, o que interessa aos dois é colocar a democracia sob desconfiança. A mais de um mês para o primeiro turno das eleições municipais, as facções bolsonaristas do submundo das redes sociais já trabalhavam para descredibilizar as urnas eletrônicas.

Em 24 anos, jamais se comprovou uma fraude nas urnas eletrônicas. O questionamento infundado sobre uma tecnologia reconhecida internacionalmente como referência de segurança é parte de uma estratégia de enfraquecimento da democracia.

O golpe de 2016 ganhou corpo assim: com o questionamento do resultado das urnas pelo PSDB e seu candidato derrotado, Aécio Neves. Poucas semanas após o segundo turno de 2014, o partido pediu uma auditoria sobre as urnas. O processo foi finalizado em outubro de 2015, e a conclusão foi a de não houve fraude na disputa. O que não impediu os ataques ao sistema eleitoral e o consequente impeachment sem provas.

Nesta terça, Bolsonaro novamente bateu na tecla de que o sistema eleitoral brasileiro é passível de fraude. “Parece que o Brasil não corre o risco de ir para a esquerda em definitivo. Não temos um sistema sólido no Brasil, que é passível de fraude, sim. Tudo pode mudar no futuro com fraude”, declarou em evento no Palácio do Planalto. “Eu entendo que só me elegi presidente porque tive muito voto. E não gastei nada não: R$ 2 milhões, arrecadado por vaquinha”, afirmou, com a cara-de-pau que lhe é peculiar.

Há dois anos, em 7 de outubro de 2018, o então candidato Bolsonaro recebeu 46% dos votos válidos no primeiro turno eleição presidencial e avançou para a segunda fase da disputa com Fernando Haddad (PT). A votação dele, entretanto, não o agradou.

Em diferentes ocasiões, ele disse que deveria ter recebido mais de 50% dos votos, que lhe garantiriam a vitória ainda em primeiro turno. Segundo o atual presidente, isso não ocorreu por fraudes nas urnas eletrônicas.

Em março de 2020, Bolsonaro voltou a colocar em dúvida as urnas eletrônicas brasileiras que o elegeram em 2018. Ele garantiu ter provas contra as urnas e afirmou que iria mostrá-las “brevemente”. Mas isso não ocorreu até agora. Em maio, chegou a se incomodar com uma apoiadora que pediu a apresentação das provas.

No Judiciário, continuam paradas as ações movidas pela oposição que pediam ao presidente esclarecimentos sobre as supostas provas. Uma delas foi apresentada pelo PT, assinada pela presidente do partido, a deputada Gleisi Hoffmann (PR), e pelos líderes petistas na Câmara, Enio Verri (PR), e no Senado, Rogério Carvalho (SE).

“Não se pode admitir ou sequer pressupor que se trata de simples e direta leviandade promovida pelo presidente da República, porque isso atenta contra a própria instituição da Justiça Eleitoral e a democracia, caso contrário, nos parece caracterizar conduta passível de responsabilização”, diz a representação protocolada pelos petistas. No Supremo Tribunal Federal (STF), onde corre a ação, o processo está parado.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) anunciou uma parceria com nove agências de checagem de notícias para, segundo seu presidente, o ministro Luís Roberto Barroso, “monitorar comportamentos provenientes de milícias digitais organizadas com financiamento privado e atuação concentrada para a difusão de mentiras e ataques” e também coibir os efeitos da “desinformação” na disputa de 2020.

A “Coalizão de Checagem”, como o TSE batizou a parceria, abastecerá o site ‘Fato ou Boato’, que o tribunal mantém desde 2016. Uma visita rápida à página mostra como a segurança das urnas eletrônicas é o principal alvo de boatos. Ou, como o TSE destaca no site: “Na centralidade da desinformação propagada em anos eleitorais, estão as notícias falsas sobre a urna eletrônica”.

Entre os boatos sobre a urna que o TSE busca rebater no ‘Fato ou Boato’ estão o de que os códigos do sistema foram entregues a membros do governo da Venezuela; o de que as urnas são impossíveis de serem auditadas; e o de que a Lei de Benford, um princípio matemático, teria comprovado a insegurança do sistema. Segundo o TSE, a Lei de Benford não é plenamente aceita no meio científico e, portanto, não pode ser aplicada de forma definitiva para identificar falhas nas urnas nacionais.

Em 10 de março, um dia após a declaração de Bolsonaro sobre as supostas provas, o TSE divulgou nota em que defendia a integridade do sistema eleitoral. “O Tribunal reafirma a absoluta confiabilidade e segurança do sistema eletrônico de votação e, sobretudo, a sua auditabilidade, a permitir a apuração de eventuais denúncias e suspeitas, sem que jamais tenha sido comprovado um caso de fraude, ao longo de mais de 20 anos de sua utilização”, diz um trecho do documento, que não menciona o nome do presidente.

Da Redação

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