Bolsonaro despreza luto de famílias enquanto explodem novos casos

Brasil registra mais 888 mortes por coronavírus nesta quarta-feira (20) e  bate recorde de novas infecções, com 19.951 casos. “Quem é de direita toma cloroquina, quem é de esquerda, tubaína”, zomba o presidente. Brasil se tornou o polo mais importante de disseminação do vírus covid-19 do mundo, aponta Domingos Alves, pesquisador da USP

Werther Santana

Sepultamento em Vila Formosa (SP)

O Brasil bateu mais um recorde de casos de Covid-19: nas últimas 24 horas, o Ministério da Saúde registrou 19.951 novos infectados. Também houve registro de 888 mortes. Agora já são 18.859 óbitos e o país soma 291.579 casos.  No mesmo dia em que o Brasil ultrapassou a catastrófica marca de mais de mil mortos por coronavírus por dia – foram 1.179 na terça-feira (19) -, o presidente Jair Bolsonaro voltou a demonstrar desumanidade e desprezo pela tragédia que se abate sobre as famílias brasileiras. “Quem é de direita toma cloroquina, quem é de esquerda, tubaína”, brincou ele por videoconferência, comprovando mais uma vez que não possui condições de liderar a nação na condução da maior crise sanitária em 80 anos. Com a última atualização, o país ultrapassa a Espanha e passa a ocupar terceiro lugar em número de doentes no mundo, um quadro de mais de 5 milhões de contaminados.

Na transmissão, Bolsonaro seguiu fazendo piadas com médicos que não recomendam o uso do medicamento e ironizou o governador de Pernambuco, Paulo Câmara. Ele sugeriu que, no lugar dele, faria uso da substância. Câmara foi diagnosticado com a doença e anunciou publicamente o contágio. “Eu acho que quem falou que era veneno, não pode tomar [cloroquina]. Eu sou cristão. O governador pode tomar a cloroquina. Pode ser que não precise. Mas, no seu lugar, eu tomaria”, zombou Bolsonaro. O presidente ainda teve o desplante de afirmar que discutiu com dirigentes do Flamengo a volta do futebol, a princípio sem público nos estádios.

O país tem a maior taxa de contágio do mundo e deve ultrapassar a Rússia em número de casos nos próximos dias, apontam as projeções mais recentes de especialistas. Somente na semana passada, o Brasil respondeu por 13% de todos os novos casos de contágio no mundo. Ao contrário de países vizinhos como a Venezuela, Uruguai e Argentina, o o governo assiste passivamente o avanço implacável da pandemia em território nacional. De acordo com estudo encomendado pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), o país terá cerca de 90 mil mortes por coronavírus até agosto.

Reprodução/Poder360

Assintomáticos

Outras projeções são ainda mais alarmantes. Há um numeroso exército de assintomáticos circulando e não detectado pela falta de testes em massa.  Levando-se em consideração a alta taxa de contágio no Brasil  – segundo o Imperial College de Londres, cada infectado pode contaminar outros 2,7 indivíduos -, o quadro pode ser devastador: projeções feitas pelo Laboratório de Inteligência em Saúde (LIS) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP indicam que o número real de casos de Covid-19 pode ser de mais de 3 milhões, 11 vezes a mais do que aponta o Ministério da Saúde.

“O governo brasileiro perdeu a mão quanto ao controle da pandemia”, afirma Domingos Alves, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP e coordenador do Laboratório de Inteligência em Saúde (LIS), em entrevista ao portal da ‘BBC News Brasil, nesta quarta-feira (20). “O número de casos está crescendo de forma exponencial. Posso afirmar categoricamente que o Brasil se tornou o polo mais importante de disseminação do vírus Covid-19 do mundo”, estima. Para Domingos, casos sem sintomas ou com sintomas leves “são a chama que mantém a epidemia”, uma vez que não são testados e suspeitos não passam por isolamento total.

Em depoimento ao ‘Jornal da USP’, Domingos adverte que o relaxamento do isolamento social deve elevar o número de infecções. “Nós não conseguimos ver o pico da epidemia ainda. Então, supondo que o crescimento é exponencial, tanto no Brasil quanto no Estado de São Paulo, esses números devem dobrar num prazo de até uma semana”, observa. “O número de casos tem que começar a diminuir de maneira sustentável”, defende.

Brasil: tudo errado e fora do tempo

De acordo com ampla reportagem publicada pelo diário ‘Página12’ nesta quarta-feira (20), a Argentina “emergirá com sucesso da batalha contra o coronavírus – não sem custos econômicos ou perdas humanas – se conseguir conter e atravessar o pico de casos que se espera para o próximo mês”. O jornal, que apresentou um estudo comparativo da Argentina com países vizinhos, além de EUA e Europa, especula que o país pode até cometer erros, mas nada parecido com o Brasil, “que, de acordo com o consenso científico, fez tudo errado e fora do tempo”.

“Os infectologistas que aconselham o governo apontam que a decisão de estabelecer uma quarentena rigorosa a partir de 20 de março foi a chave para achatar a curva de contágio”, aponta o texto. “Com isso, não só foi evitada a catástrofe humana, como também ganhou tempo para consolidar a rede de saúde de todos os hospitais do país, aumentando as Unidades de Terapia Intensiva e o número de ventiladores”. Já o Brasil tem um presidente que não acredita na pandemia é que representa “a metáfora máxima” do desastre pelo qual está passando.

A reportagem do jornal alerta ainda que o Brasil está longe do pico da doença: com o inverno prestes a chegar, a nação ruma para uma ‘tempestade perfeita’ ao exibir uma curva ainda em ascensão. Acrescente-se ao caldeirão o início da temporada de influenza, a dengue e outros surtos que já se imaginavam superados, como o sarampo, ressalta a reportagem. 

Omissão semelhante nos EUA

O ‘Pagina12’ destaca também os motivos que levaram os EUA a se tornar o epicentro da doença no mundo: o negacionismo de Donald Trump, responsável pela demora na resposta da Casa Branca à chegada da pandemia; os problemas com testes em massa – notadamente, no Centro de Controle e Prevenção de Doenças – algo que autoridades no escuro quanto às inúmeras subnotificações; por fim, a mais completa falta de coordenação com os 50 estados na formulação e execução de uma estratégia conjunta de combate ao Covid-19. Qualquer semelhança com o Brasil de Bolsonaro não é mera coincidência. Sozinhos, os americanos respondem por 1,5 milhão de casos e 94,3 mil mortes. O Brasil segue pela mesma rota.

Os EUA adotaram estratégias que variaram de estado para estado, com resultados bem distintos. Enquanto o sistema de saúde de Nova York entrou em colapso e registrou a morte de mais de 16 mil americanos desde o fim de fevereiro, fora casos não notificados, a California saiu-se melhor, assinalando 3,4 mil óbitos de um total de 85,3 mil casos. Nova York computa 192,3 mil pessoas infectadas. Isso deve-se principalmente a quarentenas rigorosas, testes, controle de casos e relaxamento gradual das restrições. Outro caso interessante é o de Seattle, na costa oeste, cidade que denunciou o primeiro caso de Covid 19 e, depois de deixar todas as decisões nas mãos de um comitê científico, conseguiu conter o vírus.

Reprodução/Poder360

Da Redação, com informações da BBC News Brasil, Página12 e Jornal da USP

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