Brasileiros compram menos e pagam mais nos mercados e nas ruas
Descontrole econômico sob o desgoverno Bolsonaro muda hábitos de consumo da população. Quantidade de produtos nos carrinhos cai e povo troca refeição por lanche
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A carestia generalizada e a desorganização econômica impostas à população por Jair Bolsonaro e seu ministro-banqueiro Paulo Guedes estão modificando os hábitos de consumo das famílias brasileiras. Cada vez sobra mais mês no fim do salário, e a inflação de dois dígitos, a queda dos rendimentos e o endividamento em níveis recordes fazem as pessoas comprarem menos nos mercados e trocarem o almoço por lanches nas ruas.
O relatório ‘Consumer Insights 2022’, da consultoria Kantar, revela que, enquanto o valor desembolsado com uma cesta de 120 categorias de itens, entre alimentos, bebidas, limpeza doméstica e higiene e beleza, avançou 13,1% entre o primeiro trimestre de 2021 e o de 2022, a quantidade de produtos nos carrinhos recuou 5%.
O indicador que acompanha o número médio de itens incluídos pelo consumidor nos carrinhos de supermercados a cada vez que vai às compras recuou de 15 produtos para 13 no período. A pesquisa, antecipada com exclusividade pelo jornal Valor Econômico, traz o cenário para sete regiões brasileiras.
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Seis das sete regiões analisadas apresentaram queda na quantidade. E todas registraram alta de dois dígitos no preço médio por produto no primeiro trimestre de 2022, em comparação ao mesmo período de 2021. As altas mais expressivas foram no Centro-Oeste (16,4%), Grande São Paulo (15,6%) e no grupo que Norte/Nordeste (15,3%).
A diretora comercial da Kantar, Raquel Ferreira, diz que no primeiro trimestre de 2022 houve um primeiro início de retomada de normalidade em termos de consumo. “E o que se vê é um conjunto de dois efeitos: aumento de preços, especialmente de alimentos, e bolso mais apertado do consumidor”, constata ela.
“Isso afeta todas as classes de renda, embora as mais baixas sejam mais prejudicadas, e todas as regiões”, prossegue Ferreira. “O consumidor acaba reduzindo o número de unidades compradas, não consegue acompanhar a alta da inflação.”
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O levantamento também aponta mudanças de hábitos nos gastos fora de casa. Enquanto o valor gasto permaneceu estável, o preço médio por produto cresceu 11%, quase na mesma proporção da queda na quantidade consumida (10%).
O consumidor também tem evitado as refeições completas, que ficaram 21% mais caras principalmente na hora do almoço, com um tíquete médio de R$ 43,94. A preferência é por petiscos (“snacks”) para enganar a fome. Estes ficaram 11% mais caros e ainda assim têm valor correspondente a um quarto da refeição (R$ 10,43). A frequência de refeições caiu 25%, enquanto a categoria “snacks” sofreu queda menor (9,8%).
“Tem duas coisas: as pessoas que foram se habituando a rotinas diferentes e uma pressão no bolso que faz com que, mesmo que as pessoas façam refeições fora de casa, essa refeição diminuiu também para as opções mais econômicas”, finaliza Ferreira.
Gôndolas acompanham os bolsos e vão ficando mais vazias
Embora não admitam a redução na quantidade de compras, as redes supermercadistas constataram uma busca maior por marcas com preços menores. “Uma parte dos consumidores está mais aberta a experimentar marcas alternativas. Mas é uma movimentação sempre baseada na qualidade e no custo versus benefício”, afirmou Manuel Pinheiro, diretor comercial do Supermercados Mundial.
Dona de 20 lojas no Estado do Rio de Janeiro com foco em descontos e promoções, a rede Mundial tem investido no que Pinheiro chamou de “desenvolvimento de novas categorias de produtos”. Tal como a troca do filé de frango pela linguiça do animal.
Outra rede com mais de 120 lojas no estado do Rio, a Supermarket, aposta na busca por novas marcas que unam qualidade e preço baixo. O objetivo, diz o presidente, Paulo Bonifácio, é “ajudar o consumidor que já está com o salário chegando ao fim”.
Mas a empresa Neogrid, especializada em gestão de cadeias de suprimentos, tem observado ausências cada vez maiores nas gôndolas dos supermercados. O Índice de Ruptura da empresa, que aponta a indisponibilidade de produtos nas prateleiras, ficou em 11,5% em maio, pouco acima dos 10,8% registrados em abril e também em março. Estoque e venda praticamente não alteraram em relação a abril – mês que registrou o menor estoque desde o começo da pandemia, em 2020.
“O estoque segue baixo, e o varejista continua se vendo obrigado a negociar com a indústria, que ainda tenta repassar o aumento de preço por conta do aumento de insumos”, destaca o diretor de Customer Success da Neogrid, Robson Munhoz. Com isso, ele explica, “essa negociação vai ficando mais dura e acirrada e competitiva”.
“Isso acaba afetando a cadeia de abastecimento e faz registrar uma pequena curva na ruptura. Com menor poder de compra e produtos mais caros, os itens essenciais chamam mais a atenção do consumidor, que passa a comprar menos itens supérfluos, ou de indulgência”, prossegue Munhoz. “Mas, no final das contas, o próprio varejista também se abastece menos deles”.
Carestia atinge em cheio chocolates e cervejas
Um exemplo é o chocolate. A barra do produto atingiu patamar de ruptura de 20,3%, maior indisponibilidade desde maio de 2020 (17,8%). Em abril passado, a ruptura havia ficado em 11,1%. A venda média de unidades registrou o menor volume em três anos (2020 a 2022), enquanto o preço médio aumentou 22,7% nos últimos meses.
A escalada inflacionária atingiu ainda a também tradicional cerveja em todo o Brasil, que é o terceiro maior consumidor mundial do produto. Segundo dados da empresa de pesquisas Nielsen, obtidos pela Folha de São Paulo, o preço da bebida avançou 11,1% entre junho de 2021 e maio de 2022. No período, o consumo em volume cresceu 9,5%.
Na comparação com o ano anterior (junho de 2020 a maio de 2021), no entanto, houve alta de 11,2% no preço e queda de 8,2% no volume, o que demonstra freada no consumo por causa da inflação. O recuo ocorre em um momento de retomada do movimento.
A conjuntura de aumento do preço dos insumos da cerveja, alta do preço dos combustíveis e perda do poder de compra dos brasileiros levou a um pacto entre a indústria e os bares, principal canal de venda da bebida.
“Os preços vêm subindo paulatinamente por diferentes fatores nos últimos meses, e existe uma expectativa de novo aumento entre agosto e outubro”, diz Paulo Solmucci Júnior, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel). “Mas negociamos com os grandes fabricantes um repasse menor a bares e restaurantes, que enfrentam um momento delicado: apenas 40% estão tendo lucro depois da pandemia.”
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Solmucci diz que 60% da receita dos bares vem da cerveja, enquanto nos restaurantes essa fatia é de 20%. Os bares e restaurantes responderam por 59% das vendas de cerveja em volume em 2021, segundo a Euromonitor. Neste ano, a fatia deve encolher para 57%, enquanto os supermercados vão ficar com 43%. O consumidor, por sua vez, vem trocando as cervejas premium (especiais) pelas chamadas mainstream, mais baratas.
“A tendência é que mais gente procure a cerveja nos supermercados, um canal que oferece preços mais baixos que o bar”, diz Rodrigo Mattos, analista da Euromonitor. “Mas vamos ver um aumento da venda de cervejas mainstream, de preço médio.”
O analista Marcelo Monteiro, da Lafis Consultoria, concorda. “Em razão da Copa do Mundo e das festas de fim de ano, a queda no consumo pode desacelerar, de 8% para 4% ou 5%”, afirma. “Mas os preços vão continuar subindo, em alta até maior, de 14%, porque não há fatores que barrem a atual escalada de preços.”
Da Redação